ACTAS  
 
8/30/2012
Jantar-Conferência com a Dra. Leonor Beleza
 
Dep.Carlos Coelho

Senhora Dr.ª Leonor Beleza, senhores deputados Duarte Marques, Nuno Matias, Joana Barata Lopes e Cristóvão Crespo, senhora doutora Conceição Zagalo, senhores avaliadores, conselheiros, minhas senhoras e meus senhores, como a maior parte de vós já sabe, iniciamos todos os jantares-conferências com um momento cultural.

Trata-se da escolha e leitura de um poema, por dois grupos da Universidade de Verão. De acordo com o sorteio, hoje esse privilégio cabe aos grupos Castanho e Verde.

O grupo Castanho escolhe um poema chamado "Intertexto” de Brecht. Apesar de ter sido escrito numa época muito própria, com preocupações porventura irrepetíveis, a mensagem passada pelo texto permanece inteiramente actual. Numa sociedade ocidental onde a qualidade de vida tende a baixar e as transferências sociais são questionadas em qualidade e em quantidade, Brecht alerta-nos para o perigo da fuga para o individualismo. Lerá o Eduardo Bragança.

Depois, o grupo Verde escolheu uma poesia de Jorge de Sena, chamada "No país dos sacanas”. O grupo Verde quis trazer esta noite este poema de Jorge de Sena, escrito em 1973, mas que nunca deixará de ser actual.

Porque nem sempre a política é feita de modo ligeiro, este grupo deixa-nos este poema que, com um toque de humor, retrata a sociedade. Será a Ana Lúcia Prior a dizer o poema.

Portanto, vamos ficar com as escolhas dos grupos Castanho e Verde.

[AUDIÇÃO DE POEMAS]

[APLAUSOS]

[DEPOIS DO JANTAR]

 
Guilherme Canedo Correia

Muito boa noite e obrigado. Gostaria de pedir a atenção de todos para o seguinte: temos entre nós uma insigne e marcante personalidade da história da nossa recente democracia.

A Dr.ª Leonor Beleza é uma pessoa de causas, com o seu vasto e rico percurso profissional, com tanto para seleccionar e sublinhar, que serve de paradigma da intervenção social e que tanto nos orgulha e honra.

Arrisquei escolher o que para nós, formandos, possa servir de modelo para intervenção cívica. Assim, em primeiro lugar, destaco o facto de ter sido um dos primeiros membros da SEDES, uma associação para o desenvolvimento económico e social, que demonstra que é olhando para a comunidade que nós podemos fazer a diferença no mundo e marcar a vida das outras pessoas.

Em segundo lugar, exorto todos a considerarem também o seguinte: a Dr.ª Leonor Beleza ousou empreender com coragem e firmeza uma luta acérrima contra as carreiras médicas, reformando o sistema de saúde, o que lhe granjeou muitos inimigos em interesses instalados e verdadeiroslobbies.

Uma oposição sistemática, que lhe valeu a necessidade inclusive de ter de se defender em tribunal, mas no fim de contas com uma justíssima absolvição. Com este exemplo, não só nos ensina a lutar como a acreditar em causas e nos dá alento para que nós continuemos a acreditar em nós próprios e nestas nossas estruturas. Lutar, hoje em dia, é não só desejável, mas necessário.

Por último, referir que uma tão longa carreira de serviço público não poderia ser marcada por outra coisa senão características de grande notoriedade, com uma enorme firmeza de carácter, como por exemplo uma grande abertura à modernidade, uma clarividência de ideias que a muitos inspirou, mas, por outro lado, aliados a uma simplicidade e descrição que muito honram também o nosso próprio partido e que nos serve de modelo a nós, jovens, para o futuro.

Para terminar e se me permitem uma nota pessoal: no colégio onde me formei, aprendi que nós devíamos servir, aprendendo a servir para liderar mais tarde. Nesta Universidade de Verão, percebi que devemos liderar sim, mas liderar servindo e encontro na Dr.ª Leonor Beleza um exemplo acabado desta liderança pelo serviço e pelo exemplo.

Peço, assim, que ergamos os nossos copos em honra e louvor da nossa convidada, a Dr.ª Leonor Beleza.

[BRINDES E APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Dr.ª Leonor Beleza, senhores Deputados, Dr.ª Conceição Zagalo, senhor presidente da Assembleia Municipal de Castelo de Vide, minhas senhoras e meus senhores, o Guilherme salientou e bem o percurso ímpar da nossa convidada desta noite. Uma mulher que foi Ministra, Deputada, tendo sido Vice-Presidente da Assembleia da República e do nosso Partido, Presidente do nosso Congresso e do Instituto Sá Carneiro, e que hoje é Conselheira de Estado e Presidente da Fundação Champalimaud.

A última vez que a tivemos aqui foi há dois anos. Já veio mais vezes à Universidade de Verão, mas há dois anos veio com uma panóplia de outros convidados, recordo Alexandre Relvas, Elvira Fortunato, Miguel Poiares Maduro, num painel de convidados que tivemos para o jantar-conferência de então, assentes na lógica de personalidades portuguesas que se afirmaram e afirmaram Portugal lá fora.

Personalidades que são conhecidas internacionalmente como exemplos de sucesso, pessoas que tiveram mérito naquilo que fizeram e na projecção justa que obtiveram. Isto leva-nos a conversar sobre o mérito.

Quando referimos que Portugal tem um problema de competitividade, a discussão do mérito é sempre associada. Mas a discussão do mérito é sempre controversa. Recordo-me no Governo anterior, quando José Sócrates era Primeiro-Ministro, não se podia bem falar em mérito, porque quer nos concursos públicos, quer nas nomeações, não interessava tanto nem o mérito das propostas nem dos currículos porque havia razões sempre de natureza política que determinavam as decisões.

Hoje, temos outro problema com o mérito, com jovens que saem das universidades licenciados, com grandes formações, alguns deles com um nível verdadeiramente invejável, que não conseguem ter emprego, ou actividades profissionais ao nível da sua formação e que perguntam com legitimidade se faz algum sentido estarem perante uma sociedade que não reconhece o seu mérito.

Estas são questões que estão na agenda do dia-a-dia. Como tenho o privilégio de fazer a primeira pergunta à Dr.ª Leonor Beleza, fazia-lhe exactamente esta pergunta: ainda faz sentido hoje falarmos numa cultura do mérito? Podemos dizer hoje aos jovens portugueses que o esforço deles vale a pena porque o mérito deles será recompensado?

Minhas senhoras e meus senhores, para responder à minha e às vossas perguntas hoje na Universidade de Verão 2012, a Dr.ª Leonor Beleza.

[APLAUSOS]

 
Leonor Beleza

Caríssimo amigo Carlos Coelho, é com um gosto muito especial que estou aqui hoje. Caros companheiros e companheiras, amigos e amigas, já são tão poucas as vezes em que eu tenho a ocasião de dizer "companheiros”, por razões de percursos de vida, que devo confessar que me dá um prazer muito especial estar aqui convosco.

Eu já respondo à pergunta, mas queria dizer duas coisas antes. A primeira é: se há factor que nos permite perceber bem o sucesso destas iniciativas é que de repente toda a gente desatou a fazer a mesma coisa e o mais interessante é que ainda por cima fazem ao mesmo tempo e aqui perto também.

[RISOS E APLAUSOS]

Bom, parece-me que esse copianço é muito revelador do que eles vêem nas nossas Universidades de Verão. Acho também que estas Universidades de Verão têm tudo a ver com o mérito, pela forma – que eu sei – como são seleccionados aqueles que aqui estão e a parte das quotas também não tem nada contra o mérito.

Também me parece particularmente interessante que, sendo esta organização sobretudo de carácter político, o mérito tenha aqui uma expressão extremamente forte e acho que é inclusive uma mensagem que é enviada daqui – com a minha grande satisfação, do interior do meu partido – sobre a importância de destacar e de reconhecer as pessoas pelo seu esforço pela sua capacidade e vontade de fazer coisas.

A pergunta que foi feita é, porventura, das perguntas mais extraordinariamente delicadas hoje, que podemos colocar e certamente que para tentar encontrar uma resposta – que eu diria que só pode ser uma – eu teria a maior das dificuldades em dizer que não vale a pena construir um percurso individual de esforço, dedicação, capacidade e de competência. Mas diria também, que há algum problema de desencontro ainda, entre o nosso país e esses percursos individuais de esforço.

Há um problema de desencontro e é por isso que me pareceu que discutir aqui, hoje, essa questão convosco faria sentido.

Na verdade – porque também tenho o privilégio de me ter sido dito que podia falar de tudo o que quisesse –, resolvi trazer para aqui ideias que não são novas, são antigas e pelas quais acho que me vou esforçando por lutar, certamente não com tanto mérito e com tanta energia como o Guilherme disse que eu tinha.

Enfim, gostava de me parecer com a descrição que ouvi, mas são ideias que apesar de tudo têm feito um percurso difícil na nossa sociedade e acho que hoje estamos num momento em que podemos questionar mais, eventualmente com mais sucesso, porque de repente fomos obrigados a olhar para nós com uma nova humildade, uma nova modéstia e uma nova capacidade de nos questionarmos com sentido. Passámos talvez algum tempo, demasiado até, embalados, adormecidos, ou distraídos e há algum tempo fomos obrigados a olhar para nós – refiro-nos como país – e percebemos que tínhamos de mudar aspectos profundos, não era à superfície que nos era pedida a mudança, eram coisas fundas.

Naquelas perguntas todas, que o nosso anfitrião arranja maneira de serem apresentadas de chofre a uma criatura que aparece aqui, "agora leia a essas perguntas todas e responda a duas” e depois como acontecem muitas coisas, eu levei muito tempo a responder às perguntas, havia uma que falava a propósito do Serviço Nacional de Saúde e da sua construção a partir do zero.

Fala-se, muitas vezes, em fazer "orçamentos zeros”, mas não se faz. É claro que não há refazer tudo do zero e não proponho que façamos tudo do zero, mas penso que devemos questionar muitas das coisas a que temos estado habituados, repensar o que é prioritário e o que não é e ser muito mais exigente no estabelecimento e preenchimento das prioridades.

Este momento é propício a isso. Numa larga medida, é propício – eu sou laranja, mas digo isto cá de dentro -, porque acho que temos neste momento uma condução política que permite repensar muitas coisas e porque também estamos num momento em que estamos obrigados, de fora e de dentro, a repensar muitas coisas.

Aqui há uns anos atrás, em 2008, houve um documento – andei à procura de várias coisas do passado para saber o que havia de falar hoje – de uma vez em que falei em público e achei muita graça ter referido a SEDES, pois é um documento da SEDES. A SEDES, como sabem, nasceu antes do 25 de Abril; era o que se podia fazer na altura, mesmo assim sob vigilância, havia sempre lá umas almas que estavam a ouvir o que se dizia, se podia passar ou não, o que se dizia na altura.

A SEDES continua a existir e eu deixei de ir lá tão frequentemente a partir do momento em que foi formado o nosso partido.

Em 2008, eles produziram um documento que foi bastante falado e cuja tese básica era de haver um mal-estar difuso na sociedade portuguesa. Depois, era de um membro muito ilustre dos nossos concidadãos, por acaso eram todos homens, mas o documento estava muito bem feito e daí eu estar a retomar algumas das coisas que estavam nele. Era do ano de 2008, em plena crise financeira dos mercados e como as crises nas nossas sociedades passam muito por esse lado e de repente percebemos que há muitas coisas erradas, e também antes de 2009, portanto, segunda vitória eleitoral do PS, em termos diferentes.

O ano de 2009 foi particularmente intenso do ponto de vista do aumento da despesa, por razões obviamente ligadas às eleições e, em larga medida, momento que determinou a situação em que nos vimos há algum tempo a esta parte. Vamos falar muito nisto, presumo, aliás, que vão falar sobretudo disto nestes dias que aqui estão.

A SEDES dizia a propósito do mal-estar difuso uma coisa que contrariava a tese oficial de quem estava no poder, que era que esse mal-estar difuso tinha uma grossa componente nacional. Lembram-se, na altura, dizia-se que "os nossos mal vinham todos do exterior, que havia uma crise internacional, ainda não era a crise mais europeia” e o documento da SEDES já reconhecia que era uma crise nacional.

Do meu ponto de vista, muitas das coisas que aconteceram depois e conduziram ao assinar do célebre documento da Troika, no fundo vieram a reconhecer que havia uma grossa componente nacional nos males que então nos afectavam.

A verdade é que esses males e dúvidas, ou tempos de dificuldades e mal-estar difuso por razões que, daqui a bocado, vou relembrar porque acho que estão na origem de muitas coisas por que estamos a passar, esses tempos de alguma distracção em relação a isso, acabaram completamente. Acho que todos sabemos que as coisas mudaram e não voltam para trás.

Aliás, seria muito mau que algum dia voltassem para trás. O Primeiro-Ministro disse ainda há pouco, que este enorme sacrifício que está a ser realizado pelo nosso país e pelos nossos concidadãos, estamos todos envolvidos nesse esforço e é para ser sustentado por muito tempo. Não é um esforço, que eventualmente nos leve aos mercados daqui a algum tempo – enfim, se as coisas correrem como desejamos – e depois podemos todos sossegar outra vez; não, é um esforço sustentado.

É um esforço que vai ter de continuar, porque nós sabemos que há uma série de factores que nos obrigam a repensar as coisas e a passar para um outro patamar de exigência. Acho que o mérito também tem a ver com isto.

Temos de pôr muitas coisas em causa. Aproveito para responder perguntas daquelas que me fizeram no início e que não tive tempo de responder, pois só me mandaram responder a duas.

Falavam de genéricos. Hoje quando ouvimos falar de genéricos pensamos que é uma coisa boa. É verdade, ou não? É essa a noção que as pessoas têm, que é preciso mais genéricos, que a nossa quota não chega; portanto, há uma visão positiva dos genéricos.

Quando se começou a falar de genéricos em Portugal, eram medicamentos brancos, não se sabiam bem de onde vinham e se a composição era de facto a confessada, eram perigosos, menos bons que os outros e portanto, o que era bom era consumir medicamentos de marca.

Conheço particularmente bem o começo desta confusão, mas precisávamos de mais de 20 anos para realizar uma coisa que nos poderia ter feito gastar muito menos dinheiro durante vinte e tal anos.

É uma pequena história. Às vezes, levamos muito tempo até apercebermo-nos colectivamente que uma determinada coisa afinal de contas não é bem aquilo que nos queixávamos do princípio. Os genéricos são uma história, não é uma história qualquer, porque estamos a falar de dezenas de milhões de euros, portanto não estamos propriamente a falar de algo insignificante e ainda por cima trata-se do bem-estar das pessoas.

O que quero dizer com isto, é que neste momento, somos obrigados a fazer escolhas, pura e simplesmente porque nos disseram – e sabemos que é verdade – que não podemos continuar a sustentar tudo como estava.

Se tivermos de cortar – agora vou exagerar – 50%, 40%, ou 30% para ficarmos com 50%, 60%, ou 70% do que tínhamos, seja qual for a parte que tenhamos que cortar é uma escolha extraordinariamente difícil, mas a verdade é que neste momento não vamos fazer a escolha só porque decidimos fazê-la, coisa que seria óptima, embora tenham deixado alguma margem para fazermos as escolhas, estas são impostas, porque já não temos a capacidade para continuar a fazer tudo como fazíamos antes.

Estas escolhas são extraordinariamente dramáticas, porque sejam elas quais forem, em que domínio for, significa que há quem vai perder coisas a que estava habituado.

A discussão atingiu um nível bastante "dramático”, por causa da RTP nos últimos dias, mas isso insere-se também neste contexto, nestas escolhas que estamos a fazer 10 milhões que pomos onde quer que seja é dinheiro que não pomos noutro. Neste momento não temos 10 milhões vezes não-sei-quantos como tínhamos antes, no contexto da Europa de então, dos Descobrimentos e lutas de então, as guerras santas; temos muito menos.

Quando digo que esse livro que li nas férias, que conta a história de um pequeno país com muito poucos recursos e com muito pouca gente e que investiu numa coisa extraordinária que abriu de facto o mundo conhecido de então. Eu sei que a certo momento, nós portugueses, com esta mania de falarmos dos Descobrimentos e das coisas extraordinárias que fizemos na altura, nos tornamos um pouco aborrecidos, às vezes até para nós próprios. Mas este livro é em inglês e a descrição que é feita de nós é feita completamente de fora, a olhar para isto e olhar para um país que a determinada altura foi capaz de inventar uma missão para si próprio extraordinariamente difícil e de a cumprir com sucesso.

Por muito pouco glamoroso que eventualmente seja apelar a essa capacidade e a essas coisas que fizemos nessa altura, eu acho que nos temos de reinventar de uma maneira que honre de certa maneira o passado que já tivemos e o país que continuamos a ser.

Permitam-me que diga, de forma pouco modesta, que na Fundação Champalimaud nós apelamos abertamente à ambição desses tempos. Usamos para o centro que construímos e que está a funcionar o nome "Centro Champalimaud para o desconhecido” e o desconhecido era desse tempo, porque temos a sorte de estar no mesmo sítio de onde partiram os navegadores e é de agora o desconhecido que andamos à procura e que está dentro de nós, já não é muito longe, não tem os mesmos perigos, mas é igualmente ambicioso, do meu ponto de vista, aquilo que queremos fazer.

A reinvenção que temos de fazer de nós próprios é em torno das capacidades que hoje temos e que, entre outras coisas, significa criar uma forma diferente de olhar para as nossas capacidades individuais e para as pessoas que nós formamos cá dentro e lá fora.

Na área onde trabalho neste momento há muitos portugueses. Muitos deles formados lá fora, muitos deles a regressar, às vezes ao contrário do que as pessoas pensam, acho que temos alguma capacidade de trazer gente lá de fora. Não é um drama que haja portugueses que partam, o problema é se nós não tivermos cá dentro uma elevada capacidade de atracção quer para portugueses, quer para outros que venham cá.

E nós temos isso, eu vivo num meio onde vejo isso todos os dias. O director do nosso instituto de investigação, que se chama Zvi, provavelmente o nome não vos diz logo, é um israelita que viveu pelo mundo fora e basicamente trabalhou e estudou e fez investigação nos EUA. Hoje, estava de regresso a Portugal, pois passa algum tempo de volta aos laboratórios onde esteve, e dizia assim: passei uma grande parte do mês de Agosto em Portugal e quero passar mais tempo da minha vida aqui, porque este país é absolutamente extraordinário.

Eu estava a olhar para ele e a pensar: andamos nós com o "mal-estar difuso”, com as queixas, com as sensações de que não somos capazes nem atraentes, e criaturas que andaram por todo o lado e têm a possibilidade de escolher onde viver vêm ter connosco a dizer "estou muito melhor em Lisboa do que em Nova Iorque”, por variadíssimas razões, mas também pelo tipo de trabalho que pode fazer em Portugal. Atenção, não é apenas porque temos um clima simpático, pessoas simpáticas, falam inglês, coisa que nos está a valer a um nível extremamente importante para nós como país, mas é porque faz um trabalho de exigência e de esforço que para ele também é apaixonante.

Nós podemos ter isto tudo e a coisa pior, às vezes ao fim de muitos anos de esforço e nós percebermos que os genéricos levam 20 anos e aquela coisa que há dois dias veio no jornal que nas declarações do IRS aparecem menos 135 mil filhos do que apareciam antes, nós ficamos um bocadinho acabrunhados, em baixo – acho que sabem do que estou a falar -, mas por favor não fiquemos. Por favor, olhemos para as nossas capacidades, para a nossa capacidade de nos reinventarmos, para os nossos sectores, um deles é o científico que eu trairia a minha função actual e forma de vida actual se não vos dissesse que é certamente o sector onde à semelhança de outros países, de dimensão semelhante ou inferior à nossa, apostaram fortemente e ganharam.

É certamente um dos sectores onde vale a pena olhar para a frente e andar para a frente, porque não é só lá for que os portugueses são capazes de fazer coisas fantásticas. São capazes também de vir cá dentro fazê-las e temos de acreditar firmemente nisso.

Quando a SEDES dizia há uns anos atrás, que nós tínhamos o tal "mal-estar difuso”, depois tentava explicar onde é que ele estava e são coisas aflitivamente actuais, mas são coisas onde nós temos neste momento capacidade de introduzir mudanças. Um deles tinha que ver com "afunilamento da qualidade dos políticos”. Devo dizer que quando vi este governo ser formado, o que vi, naturalmente com um empenho muito particular, houve algo que me deu um prazer especial que foi não conhecer muita gente nova que está no Governo. E perceber que, além dos que lá estão e que conheço e às suas capacidades, em relação a alguns deles acho que temos uma situação também única, neste momento, de capacidade de fazer as coisas e as escolhas que nos são pedidas e que temos de fazer.

Também há lá muita gente muito mais nova, que eu nem sabia quem eram, mesmo quando são laranjinhas e portanto, não é verdade que não há gente nova, boa e com capacidade e que está disponível para prestar serviço numa altura em que é desagradável, não se recebe muito em torno disso e ainda se leva na cabeça o tempo todo porque se recebe ou não recebe o que quer que seja como nunca isso foi discutido.

[APLAUSOS]

Ainda falta qualidade, falta, falta e é dos nossos problemas sérios. Às vezes, tendemos a pensar que há uma altura em que achamos que os países já se desenvolveram e que não é importante. Os belgas estiveram algum tempo sem governo, nós não teremos dado por isso, não sei se os belgas deram, às vezes ouve-se dizer que tiveram alguns problemas.

[RISOS]

Acho que em situações como estas às vezes é importante. O governo que está na Itália, os governos da frente já nem vou falar deles, mas obviamente que sim, como é importante que o governo seja constituído por gente com espírito de serviço, com espírito de sacrifício e com capacidade para resolver apesar do que quer que seja.

Quando o nosso Primeiro-Ministro disse "que se lixem as eleições”, foi aí uma gritaria como tudo, coisas do género se as expressões são adequadas ou não, eu com toda a franqueza acho essa parte relativamente ridícula. Nós sabemos muito bem – porque conhecemos o partido – exactamente o que ele estava a dizer e que ele estava a dizer algo infinitamente certo e que também tem que ver com o mérito, mas lá iremos. Ele estava a dizer uma coisa infinitamente certa e que é uma coisa que marca o PSD desde o princípio, que é o país está antes do partido. Quem é que disse isto, desde o início do nosso partido? Sabemos todos, que foi Sá Carneiro.

O país está acima do partido e era isso só que ele estava a dizer, não era mais nada. Ouvi isso e quando ouvi a interpretação e tudo isso, a gente percebe que é preciso discutir tudo, mas para mim era muito óbvio o que ele estava a dizer.

Outra coisa que a SEDES dizia na altura e que tem a ver com a história do mérito e com uma coisa que tem de ser prosseguida e eu acho que está a ser feito um esforço explícito como nunca foi feito, de despolitização da administração pública. É uma causa minha – se me permitem exprimir-me assim –, desde sempre e do meu ponto de vista, na maioria anterior, chegou-se ao zénite do que é negar essa despolitização quando se votou uma lei dizendo expressamente caem com o governo as nomeações de directores-gerais e subdirectores-gerais.

Acho isto uma coisa absolutamente do outro mundo e, ainda hoje, acho absolutamente extraordinário que isto tenha acontecido pacífica e sossegada e sem uma enorme discussão em torno disto. A administração pública não é uma coutada dos partidos, um conjunto de pessoas que devem ser escolhidas pelos partidos que estão no poder, lugares cativos ou para serem distribuídos dentro dos partidos. Para mim as coisas são de uma clareza total.

[APLAUSOS]

Nós fomos caindo nesta armadilha de uma maneira difusa, porque a certa altura começou a haver discussão sobre que lugares são efectivamente de responsabilidade e confiança política. E os partidos começaram a discutir para definir quais são e quais não são. A certo momento começámos a ver-nos numa espécie de alçapão, vimo-nos numa situação em que se há alguns que são, então vamos tentar fazer essa definição e quando foi feita – e foi feita através de um diploma legal – já ninguém estava em condições de fazer o barulho suficiente contra o enorme escândalo que esse decreto-lei significava.

Para mim, as coisas são claríssimas: são políticos os lugares de deputados, de membros do Governo, de pessoas que auxiliam directamente os membros do Governo, mas a administração pública de alto a baixo não é política, deve ser despolitizada, deve ser preenchida por gente competente e atraente para os melhores de entre nós e ocupada pelos melhores de entre nós.

Essas pessoas que desempenham essas funções não devem estar à espera que seja tudo posto em causa, às vezes já não é porque mudou o Governo, ou a maioria, ou o ministro, ou secretário de Estado que muda, isso não deve ser assim. E todos sabemos, que pela primeira vez estão a ser dados claros sinais disto e pela primeira vez estamos a sofrer uma discussão sobre quem é que está em todos os lugares, porque passou a estar na agenda política de uma maneira muito menos discutida do que alguma vez para trás, que estes lugares não são para ser preenchidos politicamente. Isto é um mérito da maioria que está neste momento no Governo.

É bom que nós não nos enganemos, quando muitas vezes se ouve, num caso ou noutro, se cumpriram ou não os critérios, porque para trás nem sequer se discutia isso, achavam normal que o director do hospital nunca mais tivesse poder nenhum a partir do momento em que mudava o partido de quem estava acima dele. Isso destruiu uma grande parte da confiança entre a administração pública e os cidadãos em termos que são dramáticos para todos nós.

Para mim, é uma história líquida há muitos anos e que tem de ser olhada e tratada: a administração pública não é coutada política de ninguém. Uma coisa é o Governo escolher gente competente e gente com quem pode trabalhar com certeza, mas isso não significa que pertença a este ou aquele partido, ou que a autoridade dessas pessoas seja automaticamente posta em causa só porque quem está acima eventualmente tenha vindo ou tenha mudado.

Esta causa, para mim, é particularmente aguda, porque sou funcionária pública de origem, andei pela administração pública antes de ter tido carreira política muito visível e sempre guardei a capacidade de olhar para um e para o outro lado. Eu ainda tive o privilégio, quando era membro do Governo de escolher, de trabalhar e manter directores-gerais que eram homens e mulheres de grande capacidade, competência e independência. Sem questionar sequer e muitas vezes sem saber se a cor deles era uma ou outra, pois não era isso que era relevante.

Mas devo dizer-vos que quando eu própria deixei de ser membro do Governo e – nessa altura já não era exactamente membro do Governo, mas deixei de ser deputada – voltei à minha carreira de funcionária, julgando que era a coisa mais normal do mundo, acho que é e devia ser, as pessoas devem poder fazer o seu percurso profissional para um lado e para o outro, durante algum tempo achei que isso era possível – houve um dia em que utilizaram uma nomeação minha como funcionária para fazer campanha política contra o PSD. Quando o PS era independente, porque me tinha nomeado para um lugar, ainda por cima em que eu ganhava menos do que o meu lugar de origem, enfim, não tinha nada a ver com nenhuma coisa e isso foi usado em campanha eleitoral contra nós.

Eu percebi até que ponto era perversa a compreensão que nós tínhamos pensado naquele momento sobre o que era qualquer nomeação, mesmo em relação a lugares pura e simplesmente da administração pública, se por acaso atingiam um cidadão cujo nome era ligado a um partido. Isso foi usado em campanha eleitoral contra o Dr. Durão Barroso quando ele era candidato a Primeiro-Ministro pelo nosso partido e estava a discutir com o candidato do outro lado e era uma coisa tão insignificante e tão normal na administração pública que nem sequer me tinha passado pela cabeça avisar o então líder do nosso partido de que aquela história tinha ocorrido.

Não tinha sido nomeado coisa nenhuma, era um lugar normalíssimo da administração pública e percebi que a confusão se tinha instalado de tal maneira que se tinha tornado complicado para uma pessoa voltar calmamente ao seu lugar. Na altura em questão servir na administração pública quando o Governo não era da nossa cor, isso para mim era completamente indiferente enquanto funcionária pública.

Bom, agora vou-me calar, pronto; havia muitas coisas para vos dizer, mas não vou sequer tentar. Pedi que se dissesse que vos ia falar de "que se lixe a mediocridade”. O "que se lixe” está dito e quis que essa expressão voltasse, porque me apetecia ter a ocasião de salientar que a respectiva utilização não é nenhum drama, mas também porque ela está ligada à questão, no caso concreto, se o partido vale mais ou menos que o país, e a escolha é de uma clareza que me parece óbvia e, por outro lado, está ligada também à história do mérito.

Porque quem escolhe por mérito e não por outra razão qualquer, está por um lado a servir os seus concidadãos da maneira certa e, por outro lado, também a descontar de alguma forma na questão de que não é despicienda para um partido, mas que não é essencial para quem governa, que é se o partido fica feliz ou não e se a questão de ganhar ou não eleições fica assegurada.

Pois muitas pessoas acham, que se não forem os nossos companheiros que estejam em todos os lugares importantes a gente corre riscos. Já fui pessoalmente acusada de ter perdido eleições porque fiz algumas coisas, certas coisas, posso dizer-vos o que foi. Em 1989, nós perdemos as eleições autárquicas em Coimbra e a culpa foi minha porque tinha tomado uma decisão em relação aos hospitais de Coimbra de determinada maneira.

Portanto, estas histórias estão todas profundamente ligadas e aquilo que queria – e agora calo-me e respondo às perguntas que tenham a amabilidade de me fazerem –, perante uma plateia de jovens, muito mais jovens que eu, para quem a disponibilidade para exercer funções de carácter político e participar na política existe, queria pedir-vos que façam isso com duas coisas: espírito de serviço – de que vos tentei falar algumas vezes – e a segunda é – e volto a dizer a palavra – compaixão.

Porque o nosso país vale isso e muito mais, e penso que a recuperação de alguns velhos valores, velhos na idade, mas não na sua valia e valor que deve ter para nós a recuperação desses valores, é uma das coisas que mais precisamos entre nós para nos recolocarmos e reinventarmos numa posição em que tenhamos muito orgulho em sermos portugueses.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho
Vamos, então, ao primeiro ciclo de perguntas. Vamos fazer duas a duas. Pelo grupo Bege a Sílvia Santos e pelo grupo Cinzento Alexandra Videira. Duas senhoras a iniciar a bateria de perguntas à ilustre senhora nossa convidada hoje.
 
Sílvia Santos

Boa noite a todos. Antes de mais, quero cumprimentar todos os presentes, em especial a Dr.ª Leonor Beleza e dizer que para mim, como mulher, é um orgulho o seu percurso de vida. É sem dúvida um exemplo a seguir, de coragem e sucesso, que pode ser muito motivante para muitas mulheres portuguesas.

Passando então à pergunta do meu grupo: a Fundação Champalimaud à qual preside é hoje altamente reconhecida a nível internacional e um lugar ao qual muitos cientistas internacionais desejam pertencer.

Sendo esta uma marca de sucesso, não será possível que a Fundação apoie na formação de novas organizações nesta área de investigação científica médica, podendo até com união de esforço com o Estado português criar um pólo científico à semelhança, por exemplo, de Silicon Valley de base tecnológica, onde captasse investimento internacional para o nosso país?

Muito obrigada.

 
Alexandra Videira

Muito boa noite a todos. Gostaria de cumprimentar a mesa, em especial a Dr.ª Leonor Beleza.

Queria agradecer as suas palavras, antes de mais, e felicitá-la pelo seu vasto percurso com diversas provas já dadas na vida político-partidária ao mais alto nível da Democracia nacional, pois foi considerada por diversos comentadores como uma das mulheres mais poderosas e um exemplo de sucesso para a mulher portuguesa.

Assim sendo, gostaria de perguntar: o que podia aconselhar a uma jovem que está a iniciar os primeiros passos na vida política, neste caso na JSD?

Muito obrigada.

 
Leonor Beleza

Em relação à Sílvia, desconfio que é da minha terra e eu queria dizer-lhe o seguinte: nós, na Fundação Champalimaud, não pensamos que fazemos coisas para além daquilo que nos é exigido.

Aquilo que temos tentado fazer é não limitarmos de forma nenhuma a nossa actividade, exigência e dedicação naquilo que fazemos, pensando que não podemos como queremos ser uma das melhores instituições de investigação do mundo. O que nós queremos é isso, não é nada menos que isso.

Felizmente, tive e tenho, entre aqueles que trabalham comigo e os que me têm ajudado com o seu conselho, pessoas que só me empurraram para cima e só tenha dito "não se limitam, podem fazer qualquer coisa, não há nenhuma razão para não pensarem que podem fazer qualquer coisa”.

Tenho muita preocupação que estava implícita nas suas palavras. Nós não somos assim uma coisa que está ali isolada. Se lá forem e espero que muitos de vós já tenham lá ido, terão reparado que tudo naquela instituição é abertura para fora, querer que nos conheçam, naturalmente também que nos reconheçam e estamos muito orgulhosos de alguns reconhecimentos que têm acontecido. Mas querer que nos conheçam, que percebam o que nós fazemos, que fazemos as coisas para os outros, que não estamos ali fechados nos laboratórios à volta dos ratinhos, escondidos, não.

Estamos abertos para fora, para quem nos visita e quem nos passa ao lado. A Fundação tem muitas sugestões de abertura e transparência na própria arquitecta e, esperemos, na cabeça das pessoas que lá estão dentro.

Portanto, para nós trabalhar em conjunto com as instituições científicas portuguesas e cientistas que cá estão é absolutamente crucial. Temos permanentemente tentado que nos olhem nessa base, quem diz instituições científicas, diz instituições de prestação de cuidados de saúde, porque nós também prestamos.

Trabalhemos em conjunto, façamos investigação científica em conjunto, consigamos atrair para Portugal investimentos científicos em conjunto, parte com instituições portuguesas, parte com certas instituições europeias, porque o financiamento europeu exige isso. Por isso, temos o nossoknow-how, a nossa experiência, os nossos saberes – temos dito isso – permanentemente à disposição daqueles que possam trabalhar connosco para valorizarmos o país.

Não sei se é Silicon Valley, mas espero bem que seja uma parte de um conjunto reconhecido.

Há muita gente reconhecida a fazer investigação em Portugal e não é só na Fundação Champalimaud, mas em muitos sítios. Se calhar precisamos de nos conhecer um bocadinho melhor e de nos juntarmos e trabalharmos mais e é essa cultura que nós tentamos espalhar.

Quanto à Alexandra, eu não sei se tenho poder, ou não tenho. Eu ia dizer que não quero saber do poder, mas não é verdade. Se uma pessoa disser isso, se uma pessoa acha que pode tornar certas decisões e que as pode tomar certas, quer poder tomá-las. E eu andei tempo demais na política para andar a dizer que não quero saber do poder, as pessoas nem sequer me levariam a sério.

Mas o problema não é tanto exercer, querer, ou ter o poder, pois é uma coisa absolutamente legítima por parte das mulheres mais e menos jovens que é querer partilhar o exercício do poder e dizer isso claramente.

No outro dia, vi uma notícia no jornal com uma fotografia da Dilma Rousseff a visitar a chanceler alemã e eu pensei: é aquilo que eu quero, não quero nada menos que aquilo. Onde quero ver as mulheres é naquelas posições. Não me venham cá dizer que há não-sei-quantas deputadas – que nem sequer nisso conseguimos – e que há isto, aquilo e aqueloutro, mais a quotas que agora existem; eu não quero que isto seja feito de uma maneira mecânica, ou imbecil, escolhendo sem ser pelo mérito, ou qualquer outra coisa. Desculparão, mas o nosso mérito é exactamente igual ao dos homens! É igualzinho, não há diferença nenhuma, não são melhores nem piores.

[APLAUSOS]

Umas competentes, outras não, como os homens são. E desculparão que vos diga, olhando para a Assembleia da República o que ela tem sido sempre, não me venham dizer que pôr lá mais mulheres é uma questão de mérito. Quero dizer, não é essa a questão; pôr mais ou menos é que pode pôr a questão.

Aquilo que quero é mulheres na posição da Dilma Rousseff e da chanceler alemã, é isso que quero. Quando isso for uma coisa normal, eu deixo de olhar para uma fotografia vinte vezes, onde estão lá duas mulheres e eu fiquei embevecida com isso. No dia em que eu deixar de me embevecer e achar normal, porque nós estamos sempre habituados a vê-los todos juntos nas fotografias e, no dia que for absolutamente normal em que uma mulher cheia de poder encontre outra também cheia de poder, é que teremos atingido aquilo por que eu suspiro há muito, muito tempo.

Porque eu acho que as mulheres jovens devem suspirar e atenção: não pensem que temos tudo e não estejam à espera do dia em que tenham filhos e percebam que por essa via são prejudicados na vida profissional e na vida política, não estejam à espera desse dia para reclamar exactamente das coisas a que também temos direito.

 
Dep.Carlos Coelho

Importa recordar à Dr.ª Leonor Beleza, embora ela saiba porque conhece as regras da casa, que foi o sorteio que ditou a ordem dos grupos e o facto de serem mais duas senhoras a fazer perguntas resulta rigorosamente desse sorteio e das escolhas que foram feitas em cada grupo.

Vamos dar a palavra ao grupo Castanho pela Catarina Brito e pelo grupo Laranja – a quem agradeço o facto de nos terem recebido na vossa mesa – à Cátia Vanessa Tavares.

 
Catarina Brito

Boa noite a todos.

Sabemos que a meritocracia é cada vez mais uma palavra presente no vocabulário dos políticos, no entanto, apesar de apelar ao empenho, ao esforço e consecutivamente à sua permissão, sabemos que o paradigma está cada vez mais longe de ser justo.

Como acabar de uma vez com os "amiguismos” e mudar definitivamente a imagem que a população tem em relação à classe política de forma a credibilizá-la?

Obrigada.

 
Cátia Vanessa Tavares

Boa noite, Dr.ª Leonor Beleza, em nome do grupo Laranja, gostaria de agradecer a sua presença na nossa Universidade de Verão 2012. A título pessoal gostava de lhe dizer que é uma grande honra como mulher e um grande prazer sentar-me à mesa com a senhora doutora.

Passando à questão: em 2010, a referiu que o mérito era o caminho. No início do passado ano lectivo, mil alunos do Ensino Secundário, excelentes alunos, viram as suas bolsas de mérito canceladas, sendo o valor delas destinado às escolas desses mesmos alunos para projectos das escolas. Não acha que este tipo de iniciativa pode desmotivar as gerações mais jovens e pode passar a ideia que a excelência e o mérito do trabalho individual não são justamente recompensados?

Obrigada.

 
Leonor Beleza

Andamos todos à volta do mérito. Deixem-me dizer-vos que há uma coisa que não é seguramente o caminho, que é de repente desatar a nomear para os lugares pessoas que são militantes do partido comunista, ou de outro qualquer. Não é fazendo isso. Porque às vezes as pessoas acham que nós mostramos que somos abertos, que não temos preconceitos, caindo nesse tipo de demonstração pública. Não é isso, mas sim através de uma actividade sustentada pública e clara de quem designa e de quem escolhe, demonstrando que de facto quem é nomeado tem as condições todas.

Não me interessa qual é a cor das pessoas, isso não é relevante, o que é relevante é fazer a demonstração pública.

Nos tempos actuais é muito importante que essa demonstração seja feita publicamente e com transparência através de publicações, do que quiserem, de qual é o currículo, quais são as razões de escolha, para que as pessoas olhem para ali e seja a pessoa de que cor for, ou não seja de cor nenhuma, pois felizmente ainda há entre nós o direito de não ter cor nenhuma, ser demonstrado que tem as condições necessárias para exercer o cargo.

Portanto, é através do esforço sustentado e, hoje, muito público. Muito público, pois tem de ser mostrado, porque as pessoas têm de compreender que aqui há uma mudança. Eu acho que há muitos sinais disso, mas que é muito importante que os decisores e quem escolhe compreendam que têm de fazer esta demonstração, porque infelizmente as presunções funcionam muito contra a existência desse esforço.

Eu fico desvanecida com as palavras, Cátia. De facto, entre nós sabemos que ainda há uma realíssima desigualdade de oportunidades, sabemos isso, que há pessoas que nascem em condições em que muitas coisas vão ser-lhe permitidas e facilitadas e muitas em que não é assim.

Deixem-me só que vos conte que no percurso que fiz nas escolhas para a Fundação Champalimaud, desatei a encontrar gente que não estava habituada a encontrar e houve uma coisa que me impressionou imenso.

Disse há bocadinho, hoje, no sector científico em que me movimento há muitos portugueses formados nos melhores sítios com imenso mérito, que têm imensa capacidade e que tem potencialidade para serem grandes cientistas. Muitas dessas pessoas, encontrei no estrangeiro enquanto andei à procura de resposta para cada pergunta que tinha de responder enquanto responsável pela Fundação.

Uma das coisas que mais me deu prazer descobrir foi que, sobretudo nas jovens que encontrei lá fora a fazer formação científica de grande exigência, era muito óbvio que o nascimento não tinha contado nada para terem conseguido chegar onde tinham chegado. Não sei bem porquê, mas era mais visível nas jovens do que nos jovens que encontrei, não sei porquê, não sei explicar isso. Mas era mais óbvio que os rapazes jovens vinham de um meio que, porventura, era mais credível, dada a nossa experiência acumulada de quem consegue chegar a certos sítios, era mais visível nos homens.

Nas mulheres, por alguma coisa que talvez tenha a ver com o esforço pessoal acrescido que às vezes dizemos que é preciso para as raparigas e mulheres conseguirem demonstrar as suas capacidades, nelas era muito menos óbvio que o nascimento tenha contado pelo facto de terem conseguido bolsas.

Isto é essencial, não conheço o exemplo de que falou, mas desmobilizar os mais novos para a ideia de que os mais novos conseguem chegar lá por mérito e se não têm privilégio de nascimento suficiente para lhes garantir as coisas o Estado concede-lhes aquilo de que necessitam para lá chegarem; se nós não conseguirmos isso, estamos a fazer um erro gravíssimo.

Portanto, é verdade que não podemos de maneira nenhuma e estou bastante farta de ouvir essas histórias. Pertenço ao Conselho Geral da Universidade de Lisboa e tenho ouvido e apercebido muitas coisas e esta é uma área prioritária.

Quando falávamos de prioridades e de escolhas se há coisa em que temos de fazer prioridades e escolhas claríssimas, é em premiar o mérito e o esforço na Educação e permitir aos que são mais capazes, se esforçam mais e que têm mais vontade e mais possibilidades de chegar lá pelas suas capacidades e não por outra coisa qualquer, permitir-lhes que isso aconteça é algo vital e uma escolha em relação à qual, contra outras coisas, o que quer que fosse, eu não hesitaria.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho
Vamos entrar agora para o ciclo masculino: do grupo Azul perguntará o Bruno Ricardo Mendes e em nome do grupo Encarnado o Edgar Bento.
 
Bruno Ricardo Mendes

Senhora doutora, agradeço a sua prelecção, aproveito para fazer uma nota prévia relativamente ao binómio genéricos/medicamentos de marca, uma vez que é a minha especialidade e julgo que é necessário fazer esse esclarecimento.

É importante saber-se que os genéricos são parte da solução, mas não a solução no seu todo. Hoje em dia, a indústria da reprodução não sobrevive sem a indústria da inovação. Ou seja, sem inovação, sem consumo de inovação, não temos indústria de investigação e desenvolvimento, nem mais inovação para reproduzir.

Relativamente à pergunta: julgamos hoje em dia que o debate mais importante não se centra na existência, ou inexistência de mérito, mas no reconhecimento e concepção material do mesmo. Mérito existe, reconhecimento existe pouco, oportunidades daí resultantes são hoje raras. Hoje em dia, não posso chegar a uma grande superfície e comprar um pacote de leite com mérito, é necessário que haja investimento, fundos, entre outros.

Actualmente, o Estado português investe entre 5.500 e 6.000 euros por ano, por aluno, o que ao ser transversal ao Ensino Secundário, Básico e habilitações universitárias mínimas, significa que estamos a posicionar o capital público investido em cerca de 90 mil euros por ano por aluno. São 90 mil euros que publicam em revistas científicas internacionais de impacto. São 90 mil euros que são aceites para frequentar as melhores universidades do mundo. São 90 mil euros que integram equipas académicas e clínicas de excelência, mas são 90 mil euros que não são aproveitados pelo Estado português – é um valor sem rentabilidade.

Neste sentido, gostaria de lhe perguntar se uma democracia poderá subsistir sem meritocracia e ainda relativamente à componente de mercado, gostaria de perguntar, fazendo um mero exercício de cenarização a médio-longo prazo, o que espera do mercado científico e de base tecnológica no futuro?

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Edgar Bento

Muito boa noite a todos. Em nome do grupo Encarnado, gostaria de agradecer a sua presença por mais uma excelente aula.

Passaria então a duas perguntas, a primeira é: gostaríamos de saber a sua opinião sobre o estado da investigação em Portugal, particularmente na ausência da criação de valor acrescentado, especialmente na área da saúde.

A segunda pergunta vai também no sentido de saber a sua opinião sobre a potencialidade do turismo de saúde em Portugal.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Leonor Beleza

Quando saliento a importância dos genéricos não me passa pela cabeça diminuir a importância da inovação em medicamentos. Aliás, sendo responsável por uma instituição que está a começar a fazer investigação nessa área, estaria a ser completamente irrazoável.

Aquilo que quero é a existência de genéricos em Portugal ao nível considerado normal nos países que têm maior capacidade e que melhor tratam os seus cidadãos.

Portanto, nem me passa pela cabeça diminuir a importância da investigação no investimento de novas moléculas e em medicamentos novos.

Sobre a pergunta de democracia e meritocracia, penso que actualmente não nos devemos contentar com uma democracia que tem, apesar de serem meros mecanismos formais são os mecanismos fundamentais: a possibilidade de escolha, a liberdade, a possibilidade de eleger, tudo isso é essencial e é o que caracteriza a democracia.

É verdade que a meritocracia aumenta aquilo que se costuma de chamar de qualidade de uma democracia e a prazo é uma garantia de sucesso dos próprios mecanismos democráticos e, portanto, é perfeitamente legítimo colocar as coisas nos termos em que as colocou, tanto mais que a igualdade de oportunidades é uma história básica no desenvolvimento de uma sociedade.

Às vezes, fala-se no aprofundamento da democracia, eu tenho um pouco de medo dessa expressão pela conotação que ela tem com algumas coisas que às vezes não são exactamente evoluções daquilo que consideramos os princípios fundamentais de uma sociedade democrática, mas é evidente que dar oportunidades a todos para participarem no exercício do poder e de voto e todas as formas de participação política em função, sobretudo, daquilo que são capazes é absolutamente fundamental. Até para que haja respeitabilidade das nossas instituições e para o crédito que é reconhecido às democracias.

É evidente que, na área das ciências e da saúde, o mercado e a tecnologia têm um lugar essencial. Quando tomei com os meus colegas as decisões fundamentais em relação ao que é que faria à Fundação Champalimaud, tive muito cuidado em tentar compreender o papel diferente dos vários actores nesta área muito grande dos investimentos e investigação em saúde.

Saberá, certamente, que a indústria farmacêutica é um investidor brutal. Quando olhamos para os investimentos em ciências da saúde, a indústria nos âmbitos de saúde ombreia com os Estados no nível do investimento. Mas há um papel para as instituições que se movem doutra maneira; nós, na Fundação Champalimaud, temos uma colaboração já bem intensa com a indústria: há um papel que é o deles e um que é o nosso e desde que cada um se mantenha no seu sítio, todos nós temos alguma coisa a fazer e devo-lhe dizer que sou extremamente sensível ao desenvolvimento tecnológico.

Aliás, olhamos para a própria Fundação Champalimaud como um local onde o desenvolvimento tecnológico – enfim, não tenho agora muito mais tempo para me alargar sobre isso, excepto se me fizerem depois mais perguntas relacionadas – que utilizamos é visto não só como um instrumento indispensável para aquilo que fazemos, mas como um dos pontos aonde queremos ajudar também em termos de inovação.

Do estado da investigação em Portugal e da investigação em saúde, temos algumas condições que não tínhamos há anos atrás. Temos capacidades, temos pessoas, há portugueses formados há algumas décadas nas áreas das ciências da saúde como nunca houve no passado relativamente recente. Quando se diz que há muitos mais doutorados em Portugal do que o que havia, uma boa parte deles é nessa área. Na área das ciências da saúde, houve um particular cuidado em escolher as pessoas com base na sua capacidade individual e no seu mérito e não com base noutros critérios – eu reconheço isso ao longo de uma série de anos.

Portanto, temos alguma capacidade para fazer coisas, agora temos de fazer dirigir os investimentos para onde eles são mais rentáveis e aqui temos de fazer escolhas, isto é, aquilo que não presta vai ter de ser sacrificado pelo que presta. Não é só olhar para o mérito e dizer, premiar o mérito e entregar ao mérito; é também saber cortar e nesta área vai ser preciso fazer escolhas duras. Acho que elas estão a ser feitas, com toda a franqueza.

Quanto ao turismo de saúde penso que temos virtualidades grandes, que há inúmeras iniciativas que estão a ser tomadas e em parte com a nossa Fundação, portanto, acho que sim. Temos alguns níveis de cuidados de excelência e por isso vendê-los ao exterior faz todo sentido, devemos utilizar e explorar essa possibilidade.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho
Quarta ronda de perguntas: pelo grupo Roxo temos o Diogo Paulino e do grupo Rosa o João Sousa.
 
Diogo Paulino

Boa noite a todos. É um prazer estar na presença de uma personalidade tão ilustre como a Dr.ª Leonor Beleza. Permita só que lhe diga, ou os anos não passaram por si, ou houve um erro de impressão dos dados biográficos.

[APLAUSOS]

A pergunta consiste no seguinte: tendo em conta o facto de haver pessoas, em que por vezes não reconhecemos o mérito nem qualidade, a chegar a determinados lugares de prestígio numa sociedade com cada vez menos valores, onde cada vez mais os meios parecem justificar os fins, qual é que será o papel da sociedade para evitar este tipo de ascensão justificada e num partido como o nosso que defende tanto a meritocracia, como podemos imprimir este espírito na mesma?

[APLAUSOS]

 
João Sousa

Bom dia a todos.

[RISOS E APLAUSOS]

É o que dá dormir pouco, é muito trabalho, muito trabalho. [APLAUSOS]

Bem, começo por dirigir um especial cumprimento à nossa convidada, a Dr.ª Leonor Beleza e vou passar agora à minha pergunta.

Acredito que só com um ambiente de real competitividade e concorrência é que se consegue assegurar e garantir a meritocracia e a elevação do mérito.

A doutora lidou durante muitos anos com uma das classes mais poderosas e mais fortes do nosso país e reconheço-o, como futuro médico, tenho esse despudor para reconhecer isso. Lidou com essa classe forte protegida pelo Serviço Nacional de Saúde e então a minha questão é a seguinte: será que este Serviço Nacional de Saúde ao monopolizar quase todo o sistema nacional de saúde, consegue assegurar e garantir essa concorrência necessária para um sistema de saúde de qualidade?

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Leonor Beleza

Ó Diogo, essa dos anos foi forte. Bom, não posso dizer que não gostei.

[RISOS E APLAUSOS]

Ora bem, acho que aqui, entre nós, baixinho, podemos reconhecer estas coisas. Mas precisamos ter uma atitude activa de não-conformismo e de discussão permanente dessas atitudes muito negativas e dessas coisas que nos deitam abaixo, que nos diminuem, que criam o tal mal-estar difuso e pensar um bocado sobre as coisas que podem ser feitas.

Uma das coisas que podem ser feitas é, repito, tornar muito claro e muito transparente que quando as escolhas são feitas são bem feitas. Hoje, há uma espécie de ónus sobre quem decide e quem escolhe, há esse ónus de demonstrar isso, pois as pessoas deixaram de acreditar nisso, não é?

Portanto, repito: não é só desatar a escolher quem está do outro lado – isso é, do meu ponto de vista, o pior exercício de independência que é possível –, mas é demonstrando activamente, de uma maneira muito clara que se escolhe com muito cuidado. E acho que no partido nós sabemos isso, mas é preciso um certo empenho em demonstrar isso através do exemplo de ser muito público e muito claro, de fazer as coisas bem feitas, pois não há outras maneiras.

Acho que o Carlos Coelho ter muito mérito nisso, porque ele quando vos escolhe para vir aqui faz uma escolha muito rigorosa e vocês sabem isso, que estão aqui porque a escolha foi rigorosa e bem feita. É preciso que esse exemplo seja perfeitamente claro. Felizmente nesta edição – às vezes nós, passando um ano, já não nos lembramos bem – foi tornado muito público como é que a escolha foi feita e isso valoriza, do meu ponto de vista, o papel dos políticos.

Quanto ao "bom dia”, desejo-lhe um bom dia de volta. [RISOS]

Eu não lutei contra a classe poderosa, atenção, talvez tenha de repor um pouco as coisas. Deixem-me confessar, agora que já se passaram anos, quando me tornei responsável pela actividade profissional da maior parte dos médicos deste país, tinha uma ideia de que os médicos são pessoas como as outras. Há um problema, em parte, em que se considerem a si próprios e nós os consideremos assim, mas quando saí do Ministério da Saúde já não pensava bem assim.

Não é que as pessoas não valham todas exactamente o mesmo, pois valem e isso é um princípio básico para nós, mas – e agora não considero isto graxa aos médicos – eles têm na mão uma coisa preciosa para todos nós. E isso em relação a nós, não é só aos médicos, torna-se diferente, porque exercem um poder que nem todos têm e são vistos por todos nós como exercendo esse poder. Isso confere alguma diferença na forma como os tratamos, como os olhamos e provavelmente na forma como também eles se olham para si próprios e como olham para os outros.

Também há outra coisa, é que os bons médicos também passam mais tempo em formação, é uma formação muito mais longa do que em muitas outras profissões. E, por outro lado, só são muito bons médicos se não largam os livros, as publicações e a actualização permanente e o que está nas mãos deles é muito importante.

A certa altura, comecei a perceber que não era uma questão de tratar de maneira desigual, mas é uma questão de compreender que cada profissão tem de ser olhada com olhos bastante conhecedores do que estamos a falar. Eu não lidei, mas sim continuo a lidar com médicos, porque a Fundação Champalimaud trabalha com médicos e eles têm um papel muito importante em muitas coisas, nomeadamente na investigação.

Os médicos foram progressivamente largando a investigação, ou sendo largados por ela, de uma maneira extremamente excessiva. Do meu ponto de vista, é necessário, não só que se faça investigação clínica – e essa precisa delas, não pode ser feita de outra maneira – como investigação médica que foi abandonada ao longo dos tempos.

Nem todos os outros profissionais da saúde sabem para que lado é que fica o fígado e, portanto, aquilo que os médicos sabem e outros não sabem é essencial também na investigação básica.

Eu fiquei pasmada quando no princípio do meu percurso agora numa actividade profundamente ligada à investigação, que não só os médicos tinham desaparecido da grande parte dos laboratórios, como quando eu perguntava onde é que eles estavam, o que é que eles faziam e sobretudo quanto é que ganhavam, as pessoas olhavam para mim como se estivesse a fazer perguntas muito estranhas.

Portanto, há de facto – e agora não estou a falar em cuidados, mas sim na investigação – um papel insubstituível por parte dos médicos e nós, na Fundação, temos feito um esforço muito grande, quer na formação, quer no recrutamento de médicos cientistas. É deles que nós precisamos, por exemplo, como "pão para a boca”.

Relativamente ao Serviço Nacional de Saúde, não é verdade que hoje monopolize, ou esteja sequer perto de monopolizar os serviços de cuidados no nosso país. Quando estou a falar de Serviço Nacional de Saúde, estou a falar das instituições integradas no Serviço Nacional de Saúde. Mas acho que há uma coisa que é perigosa: essa evolução nos dados fundamentais do que é o sistema de saúde português não foi feito de uma forma pública e discutida, com escolhas claramente feitas, mas foi feita através de decisões avulsas de intervenientes na área, que foram tomando espaço, não roubando-o a ninguém, mas ocupando-o, sem uma discussão séria sobre qual é o papel de uns e de outros. Portanto, hoje já não falaria em monopólio.

Acho que há uma situação em que há muitos prestadores de cuidados sem que a definição das regras de posicionamento de cada um e do que faz cada um seja suficientemente clara, infelizmente. Portanto, eu gostaria que na situação actual em que sabemos que temos de introduzir modificações e que o tal documento da Troika, de que falamos muitas vezes e que tem muitas páginas sobre a Saúde, gostaria que essas discussões fossem feitas muitas mais vezes e com mais clareza: na sociedade portuguesa, qual é o papel do Serviço Nacional de Saúde e do sistema de Saúde, em sentido estrito.

Acho que qualquer Estado civilizado deve assegurar a todos os seus cidadãos o acesso a cuidados de saúde, pode ser sob formas diversificadas, mas a questão básica de que ninguém é privado de cuidados de saúde porque não tem meios para esse efeito, essa é uma questão básica para mim, de civilização, e percebo mal os países civilizados que não fazem exactamente isto.

Não é necessariamente o Serviço Nacional de Saúde, mas sim um sistema de saúde de um país, sustentado, regulamentado, criado, seja como for, pelo Estado, que tem de o assegurar.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

A Dr.ª Leonor Beleza conhece as regras da casa e sabe que tem o privilégio da última palavra, portanto que eu não torno a usar este microfone neste jantar, pelo que tenho de dizer duas coisas: a primeira é que dez minutos a seguir a este jantar, faremos um breve intervalo de dez minutos, teremos a gala do boneco lá em baixo na sala de aulas, portanto quem quiser refrescar-se entre o jantar e a gala do boneco tem dez minutos.

Em segundo lugar, para em nome de todos agradecer à Dr.ª Leonor Beleza o facto de ter estado entre nós, responder às nossas perguntas e ainda a mais duas que irão ser feitas.

Esta é, de facto, uma mulher notável, tudo aquilo que disseram sobre ela não foi hiperbólico, mas justo; uma mulher que já teve muitas funções em Portugal e nós não sabemos ainda que mais funções virá a ter. Todos nós, na nossa imaginação e nos nossos desejos, estamos com certeza a vislumbrar algumas funções que ela fará muito bem se o desejar.

Para a última ronda de perguntas, temos uma situação paritária: uma senhora e um cavalheiro. Pelo grupo Verde, a Marta Palma de Carvalho e pelo grupo Amarelo o João Alcobia.

 
Marta Palma de Carvalho

Boa noite a todos. Boa noite, Dr.ª Leonor Beleza.

Disse, há dois anos, que o mérito é o caminho. Com isto, quis certamente dizer que temos de ser os melhores para garantir que as mudanças se dão e que são visíveis, mas que acima de tudo não podemos ter medo de falhar. Não obstante, observamos hoje que a formação académica já não é condição suficiente para com mérito conseguir atingir as metas almejadas. Neste sentido, qual é o caminho que os jovens portugueses devem percorrer para atingir o mérito, não esquecendo que o caminho se faz caminhando?

Obrigada.

 
João Alcobia

Boa noite a todos. Antes de fazer a minha pergunta, gostava apenas de dizer duas coisas: embora nalgumas franjas da sociedade portuguesa o mérito pode não estar tão presente como gostaríamos, julgo que na Universidade de Verão todos foram escolhidos pelo seu mérito e como diz o deputado Carlos Coelho, nós somos uma verdadeira selecção nacional.

Além disso, relativamente ao bem-estar que causou à Dr.ª Leonor Beleza ter visto aquela imagem com a senhora Merkel e com a senhora Dilma, não vi essa imagem obviamente, mas existiram duas políticas que me impressionaram positivamente. Essas mulheres foram: Margaret Tatcher, que foi primeira-ministra no Reino Unido; não sei se toda a gente sabe que ela foi bastante controversa, mas surpreendeu-me muito positivamente porque embora não concordassem com o que ela de facto fazia, ela não se importava com a opinião e se soubesse que aquele era o rumo a seguir e que a médio-longo prazo a população ganharia com isso, não deixava de tomar as medidas por isso. A segunda mulher é Aung Suu Ky, que é actualmente deputada em Myanmar e em 1991 foi Nobel da Paz; ganhou as eleições, mas não lhe foi admitido devido a um sistema autocrático militar na antiga Birmânia, que inclusive obrigou o país a mudar de nome e condenou essa mulher a prisão domiciliária, mas agora já se encontra livre e para mim é uma lutadora, tal como por exemplo o Nelson Mandela.

A minha pergunta é a seguinte: há bocado, disse que este Governo era uma lufada de ar fresco em relação ao mérito, há muito mais ministros independentes e a questão não é essa, não tenho qualquer problema em que os ministros sejam partidários, mas para mim, importante, é que sejam os melhores que o partido, neste caso, tem.

Perante isso, considera que a opinião da sociedade civil está a mudar sobre esses ministros, ou como o povo diz "é tudo a mesma seita, só querem é roubar”; qual é a sua opinião?

[APLAUSOS]

 
Leonor Beleza

Temos falado muito de mérito e está sempre a reaparecer, no passado andei a falar sobre isso e, de facto, sou um bocadinho de ideias fixas e há algumas coisas em que vou insistindo e insistindo.

Qual é o caminho dos jovens com a situação complicada que se vive, em que eles sabem que mesmo estudando e esforçando-se, podem não ter as coisas garantidas? Apesar disso é lutando e empenhando-se pela melhor formação que possam ter e demonstrando que esse esforço faz sentido. Já agora, fazendo outra coisa que me ocorreu e que penso ser muito importante: de alguma maneira, todos vós, estareis envolvidos em actividades políticas, ou cívicas, e penso que as actividades cívicas, sem serem políticas, no sentido estrito são extremamente importantes.

São um campo fantástico de afirmação de jovens e de demonstração de que podemos ser muito melhor. Portanto, permitam-me que fique aqui este conselho, para não me repetir muito, de que se envolvam em actividades cívicas e instituições que são importantes para a sociedade. Demonstrem que a sociedade civil tem um espaço de respiração e de responsabilidade no nosso país, e que não é esperarmos que o Estado, "pai de todos nós”, resolva tudo. Aliás, acho que amanhã vão ouvir falar muito sobre isto que eu acabo de dizer.

Quanto a essas duas senhoras que referiu: a ex-primeira-ministra inglesa por quem tenho uma profundíssima admiração; sabe que, enquanto ela foi Primeira-Ministra, muita gente dizia que ela não queria saber das mulheres, que não era feminista, que não valorizava o estatuto das mulheres e que não queria saber disso e mais o leite das criancinhas. Não sei se sabe, mas ela tomou decisões enquanto responsável da Educação, antes de ser Primeira-Ministra, e as pessoas vinham sempre com a treta de que ela tinha tirado o leite e mais não-sei-o-quê. Ela foi, do meu ponto de vista, agora vou dizer num masculino neutro: um extraordinário líder político. O problema não é a cor nem a política que ajudou a demonstrar sem sombra de dúvidas que uma mulher pode liderar a sério.

O filme, muito recente, que foi feito sobre ela e de que não gostei particularmente, porque não gosto que enquanto ela esteja viva se mostre a fraqueza em que neste momento ela está por razões puramente de saúde. Não gostei dessa exibição, com toda a franqueza, mas o filme mostra claramente a qualidade e a têmpera do líder, repito, masculino neutro, que ela foi e tenho uma profunda admiração por ela.

Já agora, deixe-me que lhe diga que tive o privilégio de conversar com ela e explicar-lhe aquilo que ela explicou. Uma vez que ela visitou Portugal, quando eu era secretária de Estado da Segurança Social tive a sorte de estar com ela durante bastante tempo, porque acompanhei-a numa visita ao Porto com o então Primeiro-Ministro Mário Soares. E a conversa que tive com ela foi basicamente assim:

- O que é que você faz?

- Sou secretária de Estado da Segurança Social.

- Como é que é a Segurança Social em Portugal?

- É assim, assim e assim, mas devia ser assim, assim e assim de outra maneira completamente diferente.

O que ela me explicou logo foi como é que devia ser a Segurança Social e não era nada do que era. Acho que ela fez isso com todos com quem falou. Isso e várias outras coisas, que demonstram que ela estava a pôr sempre as coisas em questão, mesmo quando, na verdade, não eram coisas que tivessem que ver com ela.

De facto, ela tomou, enquanto Primeira-Ministra certas decisões polémicas e era uma pessoa de um temperamento e qualidade extraordinários e, ao contrário do que muita gente pensa, ela tinha uma consciência aguda de que ela era uma mulher num sítio particularmente complicado.

Antes de ser Primeira-Ministra, quando estava a fazer campanha, disse uma coisa que a mim me marcou: "as minhas antecessoras são criaturas que há uns anos atrás reivindicaram o direito de voto junto de Downing Street, da residência do Primeiro-Ministro inglês, mas as minhas ambições não se confinam só ao espaço anterior ao nº 10”. O que ela quis dizer é que, hoje em dia, as ambições das mulheres já não são só de querer votar e que ela, particularmente, queria estar lá dentro a mandar.

Essa atitude apreciei infinitamente e obviamente ela estava a ligar a sua personagem ao que eram historicamente as reivindicações das mulheres.

A Aung Suu Kyi é realmente uma mulher extraordinária, por quem todo o mundo tem uma imensa admiração que suportou aquilo que nós nem imaginamos que possa ter sido a prisão domiciliária durante anos e anos, a separação da família, terem-na impedido pura e simplesmente de estar junto da família em momentos particularmente difíceis. Teve uma vida absolutamente admirável, de dedicação ao povo de que faz parte e todos nós certamente ambicionamos que os militares da Birmânia não voltem a arranjar uma história qualquer, porque algumas vezes no passado deram pequeníssimos sinais de abertura e depois não aconteceu nada. É certo que nenhum dos sinais foi como este que agora é visível.

Esperemos todos que ela tenha muito sucesso e que o país dela venha a ter muito mais sucesso.

Depois, fez-me uma pergunta sobre a sociedade civil e a história de que "eles são iguais aos outros”. Essa forma de dizer que "eles são iguais aos outros” é uma maneira de depreciarem a classe política toda; agora sou uma política um pouco na reforma, mas sou militante do partido. Evidentemente, fico doente com isso, porque é lançado sobre todos e acho que na generalidade os portugueses sabem que muitas das pessoas que hoje estão no poder não são nada disso que essa expressão insinua.

Mas não estejamos à espera que o combate político na situação actual não seja duríssimo, nem que quem esteve na origem das dificuldades não atire todas as culpas e todas as consequências duras e difíceis para quem lá está hoje, pois isso é a reproduçãoad aeternumno combate político nos termos habituais.

O nosso papel é evitar estar sempre a dizer que os outros fizeram e aconteceram; considero absolutamente certa a atitude básica de não estar sempre a dizer isso. Até porque, neste momento, precisamos como de "pão para a boca” da noção, lá fora, de que nós somos um país unido em torno das coisas que se têm de fazer. Isso é muito importante e, portanto, uma contenção por parte de quem está no poder em relação a estar sempre a contar histórias de quem esteve para trás, é muitíssimo importante e valorizada; mas tenhamos os olhos abertos e defendamos quem merece ser defendido, não defendendo à letra esta treta do "eles são todos iguais”, pois isso é uma acusação lançada sobre a classe política em geral e nós não nos podemos deixar de sentir mal com isso.

Finalmente, para dizer o seguinte: ouvi, hoje, aqui inúmeras coisas a que fui e sou extraordinariamente sensível e, portanto, quero vos dizer que estou extremamente grata por tudo aquilo que escutei aqui e permitirão que diga que são acima daquilo que eu mereço ouvir.

Em relação, agora, ao Carlos Coelho, eu tive e tenho muitos privilégios e tenho essa noção claríssima e quero dizer aqui, quando me dizem que eu tive um percurso cheio de coisas. O mérito que eu tenho é apenas ter tentado fazer o melhor que pude em termos de serviço – pois continuo a pensar que é de serviço de que se trata, quando estamos em determinadas situações – em cada situação em que estive e dormir descansada. Mas eu sou uma criatura privilegiada e, portanto, não quero deixar de dizer isso, acho que é justo dizê-lo: tive acesso a muitas coisas a que muitas pessoas não têm – vou dizer uma coisa que gosto muito dizer –, a minha bisavó era médica. Às vezes, aos médicos, apetecia-me muito dizer isto: a minha bisavó formou-se em medicina em 1891.

Portanto, tenho a sorte de ter pela linha feminina uma certa tradição e certa obrigação. Para mim, sempre foi óbvio que tinha de estudar, de trabalhar, de lutar pelas coisas e tenho a sorte de ter uma mãe que me meteu isso na cabeça de uma maneira muito forte. Isso é um privilégio. Quero dizer, não fui eu que criei o privilégio da minha bisavó e em muitas outras coisas a que tive e tenho acesso. O privilégio maior que tenho neste momento é de ter sido designada por uma determinada pessoa como Presidente de uma fundação. É um privilégio, não é uma coisa que escolhemos, portanto é um enorme privilégio e como tal tenho obrigação – é a parábola dos talentos – de responder tentando dar na medida que recebi. É apenas isso que eu faço.

Queria deixar isto dito a todos vós, que as coisas que ouvi calaram muito fundo em mim, mas eu sei qual é o chão que piso e tenho a perfeita noção que em variadíssimas coisas sou uma privilegiada, pertenço a uma geração privilegiada, entre outras coisas, porque vivi e participei no 25 de Abril e me foi dado participar em muitas coisas.

Eu tinha 25 anos quando foi o 25 de Abril e foi um privilégio, depois, ter participado numa data de coisas que aconteceram, mas, repito, tenho obrigação, como cada um de nós tem, de fazer uso dos privilégios e talentos que recebi. Não tenho mais mérito nenhum na vida do que ter uma noção muito clara que me foi largamente transmitida de que servir é servir e, sobretudo, servir não é servir-se.

Obrigada pela vossa atenção.

[APLAUSOS]