ACTAS  
 
8/31/2012
Precisamos de uma Europa federal?
 
Dep.Carlos Coelho

Muito boa tarde.

Vamos dar início ao nosso painel oponente. Desde 2004, por sugestão dos vossos colegas da edição de 2003, incluímos um painel oponente. Ou seja, um tema em que os dois oradores têm opiniões contrárias, não apenas para discutir assuntos da actualidade, mas para vos permitir acompanhar o exercício de um debate que se pretende contundente embora elegante entre dois oradores de primeiro plano.

O Dr. Paulo Rangel é sobejamente conhecido. Foi líder parlamentar do PSD, hoje é Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PPE no Parlamento Europeu sendo chefe da delegação portuguesa e é docente universitário.

A Dr.ª Manuela Franco também é docente universitária, tem carreira em funções diplomáticas, foi Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação na altura em que a Ministra era a Dr.ª Teresa Gouveia.

Os retratos falados de ambos: ohobby,à minha esquerda, é ler e à minha direita é ter juízo; a comida preferida, à minha esquerda, é arroz de frango e à minha direita é pão com azeite e tomate – bastante frugal; o animal preferido, à minha esquerda, é o cão e à minha direita, o celacanto. O livro que nos sugere – pela segunda vez na Universidade de Verão, pois o Carlos Pimenta também o sugeriu – é "As memórias de Adriano” de Marguerite Yourcenar, à minha esquerda, o Dr. Paulo Rangel, e à minha direita, a Dr.ª Manuela Franco "Massa e Poder” de Elias Canetti. Os filmes que nos sugerem, à minha esquerda "Trainspotting” e à minha direita "Sacanas sem Lei”; e a qualidade que mais admiram, à minha esquerda, a frontalidade e à minha direita a consciência de si.

Sem mais delongas, vamos passar ao debate: a questão é se precisamos ou não de uma Europa federal. Para nos darem as primeiras respostas dispõem de 20 minutos cada um. Primeiro, o Dr. Paulo Rangel e depois a Dr.ª Manuela Franco.

Dr. Paulo Rangel, o palco é seu.

[APLAUSOS]

 
Paulo Rangel

Muito boa tarde a todos. Naturalmente, quero agradecer o convite da Universidade de Verão e, em particular, do Carlos Coelho. Queria cumprimentar a Manuela Franco, que conheço destas andanças e doutras já há bastante tempo e que muito admiro e, portanto, é com muito gosto que aqui vou ter oportunidade de debater com ela esta questão da Europa federal.

É extremamente difícil tratar deste tema em 20 minutos, mas esse é no fundo o nosso drama quotidiano, é que qualquer tema é difícil de tratar no tempo que temos. Portanto, sendo esse o nosso drama quotidiano, naturalmente é essa a tarefa que aqui vou empreender.

Quais são as ideias centrais que eu gostaria de deixar a todos sobre a questão do federalismo? A primeira é que este é um conceito estranho para os Portugueses, eles não têm noção do que é o federalismo. Não é um conceito estranho para os Americanos, Alemães, Suíços, Espanhóis, Indianos, Canadianos, Russos, porventura para os Italianos, mas é para os Portugueses, porque de facto somos um estado-nação que viveu sempre numa espécie de auto-suficiência política e por isso para nós é difícil.

Segundo aspecto: é extremamente difícil falar sobre Europa federal num momento de crise profunda que a Europa atravessa, porque aquilo que nós vemos em termos europeus é um recrudescer, um aumentar, das reivindicações nacionais, interesses nacionais, oposições entre os diferente povos e Estados, das desconfianças, dos ressentimentos e das recriminações reciprocas e, portanto, parece que estamos numa altura em que não faz sentido falar de mais integração e mais federalismo.

Portanto, seja porque o conceito nos é estranho, seja porque a realidade nos é adversa, é difícil falar de Europa federal a portugueses em Agosto de 2012.

Mas queria dizer-vos que acho que é necessário – e este seria no fundo o meu caso que trago aqui para debate – integrar mais Europa, que a Europa caminhe para uma federação, que possa constituir uma verdadeira realidade política federal, porque o cenário alternativo que nós temos é de caos, que vai fazer regressar a Europa àquela que é a sua tradição. E perguntam-me os meus amigos e amigas: qual é a tradição da Europa? A tradição da Europa, pelo menos há 2500 anos, é resolver os seus conflitos através de guerras. Portanto, os povos que habitam o continente europeu, os povos europeus, têm por hábito resolver os seus problemas através de mecanismos bélicos.

Aquilo que foi o objectivo inicial da União Europeia foi justamente, depois de dois conflitos terríveis – I e II Guerras Mundiais – procurar estabelecer formas de reparação e afastar a guerra como modo de resolver conflitos entre os vários povos, regiões e nações que integram a Europa. O único e principal objectivo da Europa é o da Paz.

Claro que a questão que nós podemos pôr hoje é que se existindo paz praticamente desde 53/57 que são os anos críticos para a criação da União Europeia, ou da Comunidade Económica do Carvão e do Aço, depois a Comunidade Económica Europeia, o próprio EURATOM, mas no fundo a realidade é a mesma, depois disso tudo praticamente não temos episódios de guerra na Europa, a não ser a guerra jugoslava, nos anos 90, nas Balcãs em condições particulares e sobre as quais não vou adiantar aqui. Se isto é efeito da União Europeia, ou se é da Guerra Fria, isto é, da circunstância da Europa estar basicamente dominada por dois blocos externos à Europa, um os Estados Unidos e o outro a União Soviética.

Embora, dizer que a União Soviética é um bloco externo à Europa seja algo extremamente complexo, porque como sabem a União Soviética – que no fundo é uma espécie de eufemismo para dizer Rússia – é em grande parte europeia. Portanto, quando digo grande parte, não digo em termos geográficos, mas civilizacionais e culturais. Os marcos fundamentais da cultura europeia passam pela Rússia, na Literatura, na Música, no Teatro e por aí adiante. Não há dúvidas sobre a sua pertença àquilo que é coração da civilização europeia, mas a verdade é que havia aqui duas potências externas que impuseram a paz, dividindo a Europa em dois e exercendo uma grande influência.

Mas, neste momento, minhas caras amigas e amigos – e o meu ponto, no fundo, resume-se a isto – não há potências externas com uma influência decisiva ou determinante na Europa. Os Estados Unidos estão concentrados sobre o Pacífico, a Rússia está muito ocupada com as suas próprias questões, a Turquia está hesitante relativamente àquilo que deve fazer, o Magrebe apesar de estar fervilhante não tem uma capacidade de se impor ainda à Europa, a China está demasiado distante e está com uma estratégia de longo prazo. Portanto, os Europeus estão outra vez, depois de 89, entregues a si mesmos e quando isso acontece as potências europeias costumam arbitrar os seus conflitos através da guerra. Esta é a sua herança.

Por isso, a questão que se coloca é se temos ou não uma plataforma capaz de evitar este tipo de conflitualidade dos povos europeus. Isso só é possível existindo naturalmente uma organização com capacidade de influência, persuasão e até de mando, de poder efectivo, para impor uma certa regra e para ser uma plataforma de diálogo. É mais difícil nós atacarmos alguém com quem tomamos o pequeno-almoço todos os dias do que alguém que não conhecemos de todo.

E a ideia é sentar todos os Europeus a tomar o pequeno-almoço todos os dias e é uns exercerem junto dos outros uma certa influência. Portanto, este é um desiderato. A Europa não será um território de paz se não existir a União Europeia e se esta não existir com uma capacidade de intervenção. Qual é o nosso drama hoje? É que nós, porque há aqui uma hipótese, muitas vezes avançada para resolver esse problema, que é a ideia de um mercado interno. Se quiserem, é a ideia inglesa, britânica, sobre a Europa, é que isto seja um grande mercado interno com regras de livre comércio e nada mais do que isso.

Mas, neste momento, já estamos muito mais avançados que isso, muito mais integrados e, portanto, o problema é saber se podemos voltar atrás. Diria que, enfim, para usar a teoria do federalismo, estamos numa fórmula de empate. Actualmente e é por isso que a Europa está num impasse a vários títulos, que não apenas económico e financeiro, mas está num cruzamento, porque estamos muito mais integrados que um Estado-Nação normal estaria, mas não estamos tão integrados quanto estaria uma federação. Portanto, estamos a meio caminho.

Logo, só há uma solução e, aliás, é um problema clássico das federações: todos aqueles Estados que procuraram formar federações, se não dão passos certos para avançar acabam por implodir e fazer regressar ao Estado-Nação original. O problema é que não se regressa ao Estado anterior, regressa-se com capital de queixa, com ressentimento, com recriminação, com ideia de que nós íamos ter aquele mercado e agora já não vamos ter, com ideia de que antes dominávamos este país e a sua Economia e agora já não vamos conseguir.

Portanto, aquilo que nós vamos ter depois de uma desintegração é uma Europa muito mais conflitual e potencialmente explosiva. Por isso é que eu digo que uma desagregação do euro e da União Europeia teria como consequência um conflito armado. Claro que há pessoas que acham e uma vez perguntei a três federalistas ingleses – vejam bem a contradição – que encontrei no Parlamento em Westminster, que estavam lá numa conferência, e na grande Londres que tem 16 milhões de pessoas encontrei três federalistas ingleses e um deles disse-me:"Olhe, o senhor tem uma grande sorte, pois encontrou os três únicos federalistas que existem na grande Londres – somos nós, não há mais nenhum”.

Eu perguntei: como é que a Inglaterra não compreende que isso tem risco de conflito armado? Ele disse-me assim:"Mas a Inglaterra sempre gostou de um bom conflito armado”.[RISOS]

"Portanto, não há problema nenhum, nós estamos habituados. Tivemos as ilhas Falkland, o Iraque, a Líbia, por isso temos sempre de andar nalgum conflito. Daí que, vir-nos dizer que há risco de conflito armado não nos impressionada nada. Estamos habituados a isso e nem sabemos viver sem isso. Portanto, isso não vai conseguir convencer nenhum inglês a tornar-se mais pró-europeu.”

Quando cheguei ao Parlamento Europeu em 2009, uma das coisas que mais me impressionou foi que ao fim de um mês havia centenas dee-mailstrocados entre deputados eslovacos e deputados húngaros. O ódio, a recriminação, o ressentimento que havia entre as duas partes era de tal ordem e não tinha a ver com partidos, que eu disse assim: há aqui um problema! Depois, descobri que havia um problema entre os húngaros e os romenos também; entre os húngaros e os austríacos também; e que os eslovenos também tinham problemas aqui. Depois, vamos aos países bálticos e eles estão sempre com problemas com as minorias russas, porque dantes eram os russos que tratavam mal os povos bálticos.

E quando nós vemos isto, parece uma coisa de eslavos, ou proto-eslavos, lá pela Europa Central, não vos diz nada, mas para quem vive em Bruxelas perceber o conflito que existe entre flamengos e valões todos os dias e perceber que a qualquer momento pode haver uma crise que despolete e faça aparecer a independência da Flandres, levanta problemas sérios. E levanta problemas sérios se nós pensarmos que se a Flandres se tornar independente a Padânia, herdeira da Lombardia, do Piemonte, da Ligúria, da República de Veneza no norte de Itália, naturalmente estará disponível para avançar também para a independência; e que a Escócia também está num processo altamente problemático de secessão do Reino Unido.

Está desejosa de fazer o que fez a Irlanda: adoptar o euro, ligar-se à Europa e, no fundo, combater aquilo que seria o colonialismo britânico. Já nem falo na Península Ibérica, onde o País Basco, a Catalunha e a Galiza, mas em particular os primeiros dois são ameaças constantes. Queria chamar a atenção para o facto de que estes problemas estão no Ocidente da Europa, perto de nós.

Com a crise económica e financeira gravíssima que temos, se começa a haver uma emergência destas forças independentistas, seja no plano da Europa Central, seja no da Europa Ocidental, vamos ter conflitos extremamente graves. Precisamos de uma guarda-chuva, um chapéu que possa acomodar estas tensões, criar espaço para que estas autonomias e estas identidades se manifestem. Essa instituição é a União Europeia.

Portanto, há razões endógenas, interiores, à Europa para avançarmos para mais integração e queria dizer-vos mais: mentem aqueles que dizem que isso é o fim da soberania nacional e"como é que um Estado com oito séculos e meio como é o português pode agora abdicar da sua independência e soberania?”.Mas que soberania é que tem o Estado português? O conceito mais errado que alguém introduziu na Ciência Política, no Direito Constitucional e na política do dia-a-dia é o conceito de soberania que não tem qualquer expressão e não quer dizer nada.

Dou-vos um exemplo: muita gente diz que se nós tivéssemos uma moeda nacional isto era muito simples de resolver. Mas, meus caros amigos, quando nós tínhamos uma moeda nacional, o Bundesbank que é o Banco Central Alemão, definia uma taxa de juro e o Banco de Portugal limitava-se a seguir o que era definido pelo Banco Central Alemão e nada mais. Não era ouvido, nem tido, nem achado. Hoje, Portugal tem representantes no conselho de governadores do Banco Central Europeu. Portugal tem hoje mais peso na definição da política monetária do que tinha no tempo em que estava no escudo.

Isto pode parecer estranho, mas é exactamente assim. Nós temos hoje mais capacidade de intervenção sobre essa nossa realidade do que tínhamos na altura. Aliás, há um bom exemplo: é sabido que o governador do Banco Central Alemão ficou sozinho, recentemente, ainda esta semana, nas discussões do Banco Central Europeu sobre aquilo que se vai fazer em termos de ouro. Estava inclusive a ponderar a sua demissão por causa disso.

Portanto, chamo a atenção para esta ideia que é errada de nós irmos perder aqui poder. Para os Estados médios e pequenos o federalismo é a maior protecção, a situação actual é que não é. O que temos hoje é o directório, aquilo que chamo de constituição aristocrática que distingue entre os países grandes e os médios e pequenos. Se tivéssemos federalismo tínhamos com certeza duas câmaras, uma em que os Estados estão representados de acordo com o seu peso demográfico e outra de acordo com o seu peso efectivo como Estado, como nos Estados Unidos o Arkansas tem um milhão de pessoas e tem o mesmo peso no Senado que a Califórnia que tem 30 milhões.

Claro que, depois, na Câmara dos Representantes tem o peso respectivo da demografia, mas como são precisos votos das duas câmaras o peso do Arkansas é proporcionalmente muito maior do que seria se fosse uma aritmética pura e dura. O que eu digo é o seguinte: se Portugal estivesse sozinho, isolado, que capacidade de definição do nosso interesse é que nós temos? Nenhuma. Vamos seguir aquilo que está definido por outros, mas se nós tivermos dentro do processo somos capazes de o influenciar.

Aliás, não pensem que o Reino Unido que tem esse pensamento soberanista tão exaltado por alguns intelectuais portugueses, tão sublinhado e tão admirado, mas não pensem que está na União Europeia por acaso, está por influenciá-la, porque sabe que se estivesse fora a sua capacidade de influência era zero e seria ultrapassado.

Com isto já vos dei dois argumentos básicos para reforçarmos a integração e avançarmos para um modelo federal cuja descrição, ou composição, não quis aqui fazer embora possa responder a perguntas sobre isso se se der o caso. Primeiro, um argumento de paz no continente europeu. Não diz muito a Portugal, pois como é um pouco periférico tem sido pouco afectado pelos conflitos europeus, mas é, apesar de tudo, um objectivo que julgo relevante.

Segundo ponto: para países médios e pequenos, o federalismo é uma capacidade de aumentar a sua influência nas decisões, porque elas não são tomadas aqui, são tomadas fora daqui. O terceiro e último argumento é para toda a Europa, é que o contexto global em que vivemos, de uma afirmação de grandes potências e de grandes espaços emergentes como a China, a Índia, o Brasil, os Estados Unidos, o México, o Canadá, a Austrália, o Japão, a África do Sul, a Europa só vai ter capacidade de afirmação, mesmo com os seus países mais poderosos, se começar a actuar como um bloco, se for vista como um bloco integrado.

Portanto, se o projecto europeu era importante por razões endógenas à Europa, se projecto europeu é importante para países como Portugal para dar-lhe capacidade de influenciar as decisões que acabam por lhe afectar, o projecto europeu é decisivo para que a Europa se possa manter como uma potência relevante no concerto das relações internacionais.

Senão, a Europa estará submersa num conflito bélico que a consumirá, com pressões externas grandes, designadamente tensões migratórias que também vão trazer tensões muito graves e sem qualquer peso económico ou político na cena internacional.

São estas as razões por que acho que precisamos de mais federalismo e de uma Europa verdadeiramente federal.

[APLAUSOS]

 
Manuela Franco

Boa tarde. Primeiro, lamento o meu atraso que foi devido a um mal-entendido sobre o horário do painel e que, além disso, me põe pouco à vontade para agora responder ao Dr. Paulo Rangel que"esteve de seca”à minha espera estas duas horas.

Como estava a dizer ao Dep. Carlos Coelho, é um prazer estar aqui hoje. Os documentos que mandei para distribuir também por alguma razão foram para o SPAM, ou ficaram retidos na Internet, mas vão chegar-vos à mão. São essencialmente três documentos sobre os quais eu vou falar muito rapidamente porque o meu tempo já está a contar.

Pensei em dar-vos três perspectivas: uma que é de um liberal americano, que como sabem quer dizer de Esquerda, sobre o que é que acontece se a Europa falhar. É interessante porque é uma visão americana com o típico papel de umthink tankamericano em que é feito um estudo muito disciplinado e muito bem arrumado por parte de um analista que é favorável à integração europeia. Mas mandei-vos também dois papéis: um é um resumo e outro é um resultado de um inquérito que foi feito por professores da London School of Economics a vários destes movimentos que têm ocupado a Europa (indignados, ocupas, etc.), tudo isso sobre a questão da democracia na Europa.

Essa é uma questão que o Dr. Paulo Rangel não equacionou e é uma das razões que levam a interrogar a questão da construção europeia. Aquilo que resultou da exposição anterior foi uma preocupação com uma Europa de Estados, foi uma preocupação com questões geoestratégicas, foi uma preocupação com o que é que acontece à Europa se a arquitectura europeia construída até aqui se desintegrar e também como é que do ponto de vista dele Portugal é um país despojado de armas para sobreviver internacionalmente se não estiver na União Europeia.

Eu discordo de todos estes argumentos, aliás sou conhecida e penso que fui convidada por ser uma eurocéptica credenciada, digamos assim, nem que seja por mim própria. O que é que eu tenho a dizer em relação à Europa federal?

É possível que nós, no passado, ou quando a Europa começou a ser feita pudesse ter tido uma estrutura federal. Tal não foi o caso e por não ter sido esse o caso, aquilo que tenho a dizer sobre a ideia da Europa federal é: é possível, nada é impossível no futuro, mas neste momento não é possível nem oportuno.

Não é oportuno, porque a Europa está numa crise dantesca, em que a última coisa que é preciso é criar um cenário de conversa que não leva à acção, mas sim a debate sobre debate, a conflito académico, intelectual ou político sobre conflito académico, intelectual ou político em relação a o que é que a Europa deve ser.

Aquilo que a Europa deve, neste momento, seja ao nível mais integrado, seja ao nível intermédio, seja ao nível nacional, é quebrar o ciclo da fantasia, da ilusão europeia, da utopia e pegar no que há, transformar o que tem em algo mais sólido. E como se diz em bom português"cair na real”. É isso que a crise está a exigir, não é que se avance para cenários supercomplicados, pois eles têm marcado a construção da União Europeia desde o princípio.

Com o andamento das coisas geraram-se conflitos entre as suas dimensões principais, ou seja, a dimensão supranacional, intergovernamental e nacional. Quando chegamos a esta crise temos de dizer que ela não chegou em 2008, ou 2010, mas sim em 2004 quando a Alemanha e a França não cumpriram o Pacto de Estabilidade e não lhes aconteceu nada por isso. Portanto, primeiro ponto: tornou-se óbvio que as regras não eram realmente para valer; segundo ponto que também foi complicado foi acabar ou começar a votação por maioria qualificada, em que sem haver uma estrutura confederal, quanto mais federal, os Estados começaram a ficar numa posição relativa diferenciada.

Em terceiro lugar, o facto de, após sobretudo o Tratado de Lisboa, a votação da Alemanha se ter sobreposto à posição da França, liquidou os princípios básicos em que a União Europeia foi construída, ou seja, de integrar a Alemanha e a França, começando simbolicamente pelos materiais de guerra, o aço e o que dizia respeito à Alsácia, conseguir acabar com essa ideia da guerra na Europa.

É claro, também, que com o caminho que se tomou voltámos a ter aquilo que a Alemanha e a França sempre fizeram uma com a outra que é a ideia do sacro império romano-germânico que é aquilo que está agora de novoplanteado, como diríamos se falássemos espanhol, como cenário de integração.

Portanto, estes aspectos, muito abreviadamente - porque estou de acordo com o Dr. Paulo Rangel em que é muito difícil falar destas coisas em 20 minutos –, mas mostram bem que há condicionantes e que elas diante a crise económica agora, que é um teste real ao modelo político e à ambição política de integrar a Europa, ou damos um passo atrás sobre a maneira como essa união política faz e tratamos os condicionamentos das divergências que já há entre os povos europeus, ou elas se arriscam a ser fortemente aumentados.

Tanto mais que o problema da integração das três esferas de que falei há pouco se revela extremamente problemático ao nível da democracia representativa. Ora, a democracia representativa está questionada, quer por certos elementos da Globalização, quer pela perda de rendimentos provocada pela subida dos países do resto do Mundo e dos países emergentes de oposição à União Europeia, porque esses rendimentos e o chamado Estado Social foram fortemente associados à questão da liberdade política no pós-guerra europeu, mas também existe o problema das minorias, que não existe em Portugal, mas que levou ontem uma senadora do PS francês em Marselha a pedir a intervenção da tropa para regrar a situação em Marselha onde houve guerras de gangues.

Essa situação das minorias é algo que também põe em causa severamente o modelo europeu. Porquê? Porque se eles forem plenamente integrados perante a democracia e igualdade para todos, alteram o equilíbrio de voto, mesmo antes de alterarem o equilíbrio jurídico e podem fazer aquilo que se chama detake overhostil à democracia de um dado Estado, quer por outro lado porque os modelos civilizacionais e culturais não foram suficientemente caldeados e uma população autóctone europeia, em quebra demográfica e em quebra de direitos se sente extremamente ameaçada por modelos que vivem ao seu lado.

A União Europeia com as suas três esferas tem contribuído por um lado para expandir a ideia de direitos iguais para todos e confundir um pouco dentro desta ideia de igualdade para todos o que é que é haver uma lei igual para todos, ou todos terem direito a verem as suas preferências consagradas na lei. Conclusão: há uma situação de instabilidade dentro dos Estados nacionais que são as unidades base de construção da União Europeia.

O verdadeiro perigo de fragmentação, de guerra, na Europa, é nos cruzamentos dos grandes países europeus e não nas nações europeias. E isso é algo que provoca uma instabilidade profunda na gestão política das nações europeias à qual as dificuldades de integração e da Europa ter de repente de olhar para si própria e aparecer aos olhos da sua vizinhança próxima e remota traz um elemento de instabilidade, que, mais uma vez, faz-me dizer que este é o momento de olharmos para todos os perigos, cerrar fileiras e que não é oportuno avançar neste momento com ideias fracturantes como é a ideia de união política.

Isto mesmo pode-se ver nas declarações que foram feitas pelo Mario Draghi que, esta quarta-feira, publicou um artigo num jornal alemão, tranquilizando os alemães sobre que não iria haver inflação e que o banco iria ajudar os outros países comprando obrigações e todo esse debate. Essa intervenção é curiosa, porque o próprio Presidente do Banco Central Europeu diz que o banco não é uma instituição política.

Ora, esta conversa do Presidente do Banco Central Europeu é mais um elemento que vem provar o meu ponto de que a União Europeia vive de uma mistificação política permanente. Ao criar uma situação em que é possível que o banco que é praticamente a única arma que existe neste momento para ganhar tempo para ver se a cúpulas políticas conseguem chegar a um acordo transitório em Dezembro, possa dizer que o banco não é um instrumento da política é extremamente perturbante.

Portanto, concluiria este ponto dizendo que temos de saber a qualquer momento qual é o aspecto principal da legitimidade. Digamos que é um pacto de governo que é estabelecido entre governantes e governados. Esse pacto pode ser democrático, mas também pode vir de um país não-democrático que em determinado ponto histórico aquele pacto do governo é considerado pelos cidadãos como aceitável, ou que se exerce gerando bens públicos e benesses pode ser aceite transitoriamente.

Logo, não há pactos de governo imutáveis e não há regimes internos imutáveis através dos tempos, o que há é que esse pacto de governo tem de ser claro para a população para a aliviar do medo da incerteza do seu futuro e do seu semelhante, de que haja a implosão do sistema de ordem interna, e assim as condições desse pacto de governo têm de ser claras.

No caso da União Europeia não são claras, há uma ciência de mandarins que só quem lá trabalha é que percebe, teria de ter quilómetros de tempo e paciência para saber quais são os regulamentos, cujo custo e dificuldade aumenta os custos da própria democracia todos os dias.

Por isso, esse aspecto da legitimidade é o ponto onde eu mais discordo do meu oponente, no sentido em que há várias maneiras de olhar para a soberania. Nós podemos dizer facilmente, à primeira, que a soberania é uma coisa ridícula na crise em que estamos, estamos aqui agarrados, não temos exército, não temos armas, etc. O que existe e é a razão da legitimidade do Estado nacional, e que é ponto fulcral para percebermos a ordem internacional em que vivemos, é que pós-revolução francesa houve o fim do antigo regime e o novo regime assenta sobre a soberania individual.

Os direitos humanos são uma questão de soberania individual. Esta soberania é, digamos assim, delegada nos órgãos de Governo que a exercem no nome de todos. Por isso, os países deixaram de ser propriedade do soberano e tornou-se muito difícil ir para a guerra sem dar uma satisfação à nação, da mesma maneira que passou a ser muito difícil negociar fronteiras. É muito diferente o Rei dar Ceuta, ou um território como dote da filha que vai casar; a partir do momento em que o Governo deve contas à nação, as fronteiras adquirem uma sacralidade que anteriormente não tinham.

Essa questão que é o respeito pela soberania individual constitui a base da democracia representativa e esse é o elemento em falta na construção europeia. Daí que comecemos a ver bolhas de protesto por todo o lado, cada vez mais irracionais, porque não há um caminho. Ou seja, a concessão que é feita por certos órgãos europeus, em que certo dia a Comissária dos Assuntos Europeus põe uma barraquinha, umaroulotte, nos centros das capitais para dar prospectos sobre a União Europeia, é o que se chama em bom português um"pagode”.

Mas não é levar o eleitor a sério e é por isso também que o Parlamento Europeu é um órgão que tem problemas, no sentido em que embora seja eleito directamente a verdade é que não consegue deitar o governo da União Europeia abaixo, não é soberano, não representa de forma soberana aqueles que o votaram. Podemos dizer que o Parlamento vai conquistar, já conquistou, mas a verdade é que quando lemos debates sobre estas questões estamos sempre a ler sobre que poder têm os órgãos da União Europeia uns com os outros, mas nunca lemos quais são as responsabilidades para com os eleitores.

Portanto, isso é um problema que tem de ser tratado e dentro da abordagem de provérbios que tenho vindo a seguir, há um problema complicado com esta ideia federal porque ela já vem tarde e de certa maneira arriscamos a acabar mais como o Império Austro-Húngaro, como a famosa Cacânia, terra do Robert Musil, do que uma democracia representativa com os seuschecks and balancescomo existe nos Estados Unidos.

Temos de pensar que os Estados Unidos arrancaram para a federação construindo uma nação ao mesmo tempo, eram Estados coloniais e avançaram para uma nação e podia ter corrido mal, mas não é isso que está aqui em causa. O que está aqui em causa é o peso que a União Europeia e os seus Estados já trazem nesta construção e que me leva a dizer que se terá de encontrar realmente uma solução especial, específica, que case a intergovernamentalidade com a legitimidade dos governantes nacionais para produzir uma solução durável.

Porque o que se tem verificado, no caso de Portugal como no caso da Grécia, da Itália e da Espanha, é que a certa confusão que se gerou ao longo dos anos sobre qual era a verdadeira responsabilidade dos Governos numa série de coisas em que os Governos não revelam porque estão fortemente coarctados na capacidade da sua acção política, podem fazer discursos mas a sua acção está coarctada.

É muito difícil explicar aos eleitores como é que efectivamente os mecanismos da União Europeia já coarctaram, mas esse é um facto. Porém, os partidos políticos do arco da governação destes países não vão dizer que estão coarctados pela União Europeia, mas quando há crise já ninguém sabe muito bem como eleitor quem é que é responsável pelo quê.

Portanto, esse patamar intermédio em que estão os chefes de Governo nacionais na União Europeia é extremamente lesivo das condições de representação nacional, porque leva a que as pessoas menos preparadas, ou com menos educação formal, ou cultura política, que é um número bastante considerável nestes países do sul da Europa devido à história autoritária, tendem a desconsiderar o Governo, a demarcar-se dos partidos políticos, porque os próprios partidos políticos, os próprios chefes de Governo e os próprios eleitos, têm maior dificuldade em explicar e não me admirava que alguns deles mesmo sem perceber quais são realmente as teias que prendem a sua capacidade de acção onde importa.

E, sobretudo, quando estamos a governar por comité uma série de áreas de soberania nacional que é o que se passa nas representações do conselho, etc., a própria natureza do jogo multilateral põe em jogo certas alianças e provoca certos votos em matérias de vida interna nacional, seja nas Pescas, na Agricultura, e matérias desse género em que muitas vezes os Governos estão ali para ganharem acolá, mas não podem depois explicar isso aos seus eleitores.

Portanto, muitas vezes aparecem com"uma mão à frente e outra atrás”por estarem verdadeiramente aflitos, porque, ou perdem num lado, ou perdem no outro. Esse jogo torna-se, como eu dizia, extremamente lesivo da capacidade da representação nacional e do que os Governos devem aos seus eleitores.

Essa questão da legitimidade, que se prende com as soberanias, leva-me a dizer, resumindo o meu argumento em dois pontos: o primeiro é que a crise, a meu ver, não é entre as nações europeias, mas sim com a noção de império. De cada vez que houve guerra na Europa, esta foi provocada pela noção de império, por uma força que pretendia integrar e dar uma ordem, que era a sua ordem, ao continente.

Aqui esta ideia sub-imperial, ou um pouco de governo central, no caso da União Europeia, é mais um problema de impor uma ordem a todo o continente que nas suas especificidades aceita mal do que um problema entre as nações. O segundo ponto é que para haver uma federação ela precisa de um centro que será o líder. No caso europeu não há um líder, há uma potência mais poderosa que as outras, mas essa potência que é a Alemanha não é um líder.

Não é um líder, primeiro porque produz uma interpretação extremamente moralista dos seus interesses nacionais e de difícil partilha, tendendo a querer impô-la e segundo, a própria história que levou à fundação da União Europeia é de pouco mais de 60 anos e não consente que a Alemanha lidere. A Alemanha não tem condições para liderar politicamente, porque aquilo que ela fez há 65 anos na Europa há, hoje em dia, muita gente que viu os seus pais serem mortos por soldados alemães e, portanto, isso é algo em que eu acho que a guerra não nos deve travar excessivamente, mas temos de ter cuidado com a maneira como pisamos para também não despertarmos gigantes adormecidos. Em Portugal, não temos talvez tanta noção.

Acabava aquilo que tinha pensado para a minha intervenção inicial, que é o que eu penso que deve ser a cartilha de Portugal nesta situação.

Em primeiro lugar, penso que Portugal deve ter uma posição contra a utopia; deve dizer "não” a ideias como um Presidente eleito directamente, pois não há condições de representatividade; deve abrir os olhos e deixar de defender que a Comissão é o aliado dos Estados mais pequenos e médios, não é, há a Comissão e quem paga é quem manda, mais nada; deve empenhar-se em edificar os seus interesses nacionais e fazer propostas que os defendam directamente; deve reduzir a sua dependência do mercado comunitário; deve separar as águas nas relações com Espanha; deve terminar as fantasias ibéricas e deve identificar quais são as alianças políticas que dentro da União Europeia o ajudam a concretizar os seus interesses e, também fora da União, onde é que consegue reequacionar o seu atlanticismo e reestabelecer uma identidade europeia e atlântica que é aquela que caracteriza a nacionalidade portuguesa.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. Vamos agora passar à fase de debate. Faremos blocos de duas perguntas e vamos alternar as respostas, em blocos de quatro minutos.

Ou seja, depois das vossas duas primeiras perguntas, que corresponderão ao grupo Castanho e ao Laranja, a Dr.ª Manuela Franco dará as primeiras respostas em quatro minutos e depois o Dr. Paulo Rangel e vamos alternando quem começa ao longo do debate.

 
Duarte Marques
Primeira pergunta, Bruno Ferreira do grupo Castanho e de seguida o Gilberto Gomes do grupo Laranja.
 
Bruno Ferreira

Boa tarde a todos. Antes de mais, quero agradecer a possibilidade de questionar este fantástico painel de oradores e deixar um agradecimento especial ao Carlos Coelho por nos ensinar a sair da toca logo às dez da manhã. [RISOS]

Há uma questão que não foi aflorada durante a conferência, mas que se permitirem gostaríamos de ver abordada, que se prende com a política de segurança europeia.

Defendem uma maior integração nesta área? E como a enquadram nestes modelos de governação propostos?

Obrigado.

 
Gilberto Gomes

Boa tarde. Antes de mais, queria deixar um especial cumprimento à mesa: à senhora doutora Manuela Franco, ao eurodeputado Dr. Paulo Rangel, ao senhor eurodeputado Carlos Coelho e ao senhor deputado Duarte Marques.

A minha questão é a seguinte: em que medida se poderá falar, independentemente da resolução da crise económico-financeira, de uma tendência para longo-prazo de uma recrudescência de proteccionismos no seio da Europa e em que sentido estarão ameaçados os avanços do projecto europeu, por exemplo as quatro liberdades e o Espaço Schengen?

Obrigado.

 
Manuela Franco

Muito rapidamente, em relação à defesa há dois patamares de resposta a essa pergunta, a meu ver: uma é a progressiva integração feita pela agência europeia no plano mais pragmático em termos de material, comportamentos e interoperabilidade, procurar produzirbattle groupse todo esse tipo de resposta concreta; por outro lado, em termos de integração de defesa é verdadeiramente difícil conseguir, porque se temos um sinal de soberania nos termos clássicos, é a definição de inimigo e a definição de inimigo comum e de uma fronteira é algo que se atravessa numa política de defesa comum. Daí que ela esteja estado sempre atrasada.

No caso mais concreto de Portugal, penso que deve trabalhar mais com a França e Inglaterra, que são os países que têm desenvolvido mais essa área e com quem efectivamente trabalha, seja neste Governo, seja no anterior, e que procurando minimizar as áreas de atrito, ou divergência, sendo certo que sem dinheiro é muito difícil de produzir armamento.

Por outro lado, é importante poupar, integrar forças, para tanto é necessária uma definição política que tem de existir. Em relação à crise, não consigo responder muito bem a essa pergunta neste momento, pois"está tudo no ar”, acho no entanto que é importante olhar para Schengen, para as dificuldades que as entidades internacionais têm estado a sentir, desde logo a França, por exemplo, em cumprir as normas de Schengen, e as tentativas de suspensão que têm havido e que são um alerta, a meu ver, vermelho, para a pressão sentida pelos Estados europeus neste momento de crise.

Em relação ao proteccionismo, não identifico isso como um problema dentro do espaço europeu. Como sabem, essa é uma questão identitária, a questão da política comercial comum. É verdade que parte dos custos regulatórios da União Europeia se prendem com uma tentativa um bocado centralista de evitar que as medidas do leite e etc., sejam usadas para proibir os produtos, mas penso que, apesar de haver ainda muito para fazer, isso não é por enquanto uma frente que esteja sobre grande ataque.

Penso que isso, neste momento, está preso pelos lados da despesa interna e por que tipos de garantias dos Estados e há toda uma conversa entre o Norte e o Sul que é preocupante, que deve ser olhado como um sintoma e não algo que possamos dizer que está errado. Sim, está errado. E depois? O que é que ela revela? Revela que há uma maneira de gerir as coisas que é profundamente diferente.

Isso é outra coisa que nos deve fazer pensar em quanto tempo medeia entre a crise que nós temos e qualquer espécie de integração política que não revolte os povos e não os empurre para votações em partidos xenófobos e extremistas.

 
Paulo Rangel

Indo directamente à primeira pergunta sobre política de defesa europeia é evidente que acho que nós devemos dar muitos passos no âmbito da defesa europeia.

Queria explicar aqui uma coisa: o lado federal da União Europeia, que o tem também muito avançado, apesar de não ser uma federação, é que é uma federação que se constrói ao contrário das outras federações.

Geralmente, as outras federações, como a dos Estados Unidos, por exemplo, nascem por uma partilha precisamente da política de defesa e de negócios estrangeiros, ou seja, é aquilo que está no centro e depois há uma cláusula de livre comércio. Mas as federações começam desta maneira e a federação europeia começa ao contrário. Isto é, faz-se de todas as maneiras menos na política externa e de defesa que são as áreas comuns nas federações.

Portanto, num certo sentido a União Europeia é uma federação invertida, começou ao contrário, porque eram justamente as áreas mais problemáticas, por causa de estar a avançar com Estados que tinham um registo histórico comum e um registo soberano no sentido tradicional.

Sobre política de defesa, há muita coisa que se pode fazer, muito caminho que se pode trilhar. Vou dar só um exemplo muito preciso de uma área na qual nós podíamos estar algures entre a segurança interna e a defesa a trabalhar na União Europeia: a área da protecção civil, o auxílio a catástrofes, a terramotos, a grandes incêndios, etc. Podíamos ter uma força europeia de protecção civil que seria uma espécie de exército e podia-nos, aliás, trazer grandes poupanças em termos europeus, porque evidentemente não há terramotos na Europa a toda a hora.

Se nós temos uma estrutura que conseguimos mobilizar para cada sítio no momento em que ele ocorre, ela tem uma grandeexpertisecomo tem uma grande capacidade de reacção. Por isso, digo que aqui estou de acordo com a Manuela Franco, no sentido de dizer assim: tudo o que tenha a ver com protecção europeia terá que passar por experiências práticas, por concertações, experiências no terreno, uma bordagem no terreno mais pragmática e menos voluntarista, diria eu.

Portanto, acho que temos um enorme espaço na área da protecção civil para fazer esse trabalho. O segundo ponto é o das quatro liberdades e do proteccionismo. Eu acho que realmente está ameaçado nisto, porque como a União Europeia está num impasse,"ou vai ou racha”– se me permitem usar uma linguagem proverbial que já aqui foi utilizada -, portanto, se ela está precisamente neste momento em que, ou avança e então se torna uma verdadeira federação, ou então recua e um recuo implicará a quebra disto tudo.

Porque temos muitas pessoas a dizer "não” ao federalismo, mas alguém quer o regresso das fronteiras? É que aqui ninguém sabe o que é estar três horas na fronteira de Vigo para ir comprar caramelos. [RISOS] Ou o que é esconder dinheiro nos bolsos, porque havia limites e não se podia levar mais dinheiro para se comprar mais coisas.

Mas se alguém tivesse esta experiência era capaz de achar que se calhar o federalismo não é assim tão mau. Porque aquilo que nós recebemos é um mundo impensável, que aliás é um mundo em que estamos, mas não temos muita noção porque quando vamos para o Reino Unido atravessamos o mar, ou chegamos de avião, ou de barco. Mas se reintroduzíssemos as fronteiras com os seus controlos tradicionais no contexto terrestre, rapidamente veríamos se aquilo que nós queremos é o regresso ao fim das quatro liberdades.

Acho que elas estão em risco e que há um proteccionismo crescente, mas há uma coisa que talvez seja positiva, que é a União Europeia ter um proteccionismo colectivo, porque neste momento o que nós verificamos é que a União Europeia é bastante vítima comercial de alguns parceiros no plano internacional em que depois não há reciprocidade das políticas. Por isso, esse é um aspecto muito importante do proteccionismo face ao exterior. Mas sobre isso falaremos a seguir.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. Dou agora a palavra ao João Diogo Ferreira do grupo Azul e de seguida ao César Vasconcelos do grupo Encarnado.
 
João Diogo Ferreira

Antes de mais, gostaria de cumprimentar todos os que estão presentes nesta sala.

Li o currículo de ambos os oradores e, por exemplo, no do Dr. Paulo Rangel, diz que a qualidade que mais aprecia é a frontalidade e no da Dr.ª Manuela Franco que o filme que sugere é"Sacanas sem Lei”; por isso, gostaria de perguntar que"sacanas sem lei”são estes que aproveitam o estado fragilizado da Europa para imporem os seus interesses sem se preocuparem com os outros Estados-Membros?

Gostaria também de perguntar se haverá uma Europa sem mais poder para a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu, ou também através de uma convergência jurídica ao nível da carta dos direitos fundamentais obter uma maior importância, ou ainda através de uma convergência na esfera fiscal?

Obrigado.

 
César Vasconcelos

Muito boa tarde. Desde já, quero agradecer o facto de, apesar dos mal-entendidos, conseguirmos fazer este debate que deve ser das melhores aulas que vamos ter.

Gostava de colocar a seguinte questão: sendo os países europeus, designadamente os PIGS, alvos de injustiças e queixas por parte de agências deratingamericanas e sabendo nós que a Economia americana não está assim tão aconselhável e continua com oratingAAA, não acham que devia haver uma agência deratingeuropeia? E sendo neste estado actual da União Europeia, ou sendo numa União dos Estados Europeus, quem seriam os pais dessa agência para que ela fosse idónea e imparcial?

 
Paulo Rangel

Agora começo eu. Em primeiro lugar, do grupo Azul; estou a ver que no grupo Azul há muitas questões que são todas as que se podem pôr. Conseguiu a proeza de um minuto pôr todas as questões que é possível colocar a este propósito.

Basicamente, tentarei aproximar à discussão que tivemos. A primeira coisa que me salta aos olhos é que estão nos interesses nacionais e até interesses nacionais que humilham outros. Não faz sentido pensar que pode haver no contexto federal, ou num contexto como a União Europeia que não vá haver sempre a afirmação de interesses nacionais, regionais, ou de sectoriais.

Mas tal acontece também nos Estados Unidos e no Brasil. A Califórnia não defende os seus interesses face a outros Estados e não se pense que não tem com os outros Estados conflitos e que isto não acontece sistematicamente.

Até vou dizer uma coisa sobre a qual talvez não tenham noção: é que os Estados com mais renitência em assinar a Constituição Americana foram a Virgínia e Nova Iorque, que eram os únicos dois que tinham condições de sobreviverem sozinhos na esfera internacional, ao contrário das outras colónias e não foi por acaso que isso aconteceu logo no momento original.

Isto ocorre de facto, há aqui interesses nacionais e não há dúvida que haverá sempre Estados que terão sempre uma posição mais forte que outros, mas isso teriam em qualquer circunstância. O que eu acho que o federalismo pode fazer é colocar isso dentro de uma certa regra e ordem, suavizando esse efeito.

É claro que a visão comum para 80 milhões de pessoas há-de sempre ter mais peso em qualquer circunstância do que aquela que tem um país que tem dez ou quatro. Isso há-de sempre ser assim e foi sempre assim, nunca diferente. Outra questão que entronca aqui é sobre as instituições europeias. Nisto, devo dizer que estou totalmente em desacordo. A ideia de que a União Europeia não tem legitimidade democrática é o maior disparate que alguma vez foi afirmado na esfera pública, mas que é constante, está aí, toda a gente escreve sobre isso.

As pessoas votam no Parlamento Europeu, os líderes que estão no Conselho Europeu são eleitos nos países, a Europa é o espaço de democracia e de direito e se não existisse a União Europeia alguns dos países neste momento eram ditaduras. Portanto, a União Europeia é um garante da própria democracia nacional. Os cidadãos nacionais da Roménia, da Hungria e, porventura, até doutros países, não teriam democracia se não estivessem na União Europeia, estão num estado complexo, já estariam numa situação totalmente diferente do que têm hoje.

Portanto, a União Europeia é um espaço grande de democracia e um espaço grande democrático. Para ser ainda maior só haveria uma maneira: o federalismo; era elegermos um parlamento bicâmaral, com uma câmara a representar os Estados e outra câmara os cidadãos. É porventura, elegermos um Presidente. O Parlamento Europeu hoje já pode destituir a Comissão. Tem de votar o poder, votar todos os elementos, por isso temos todos os instrumentos para fazer uma democracia europeia e para a reforçar.

O problema da Europa é justamente não se dar força às instituições europeias e não o contrário, porque elas têm muito sentido. Agora, só em relação às agências deratinguma palavra muito rápida. A única coisa que vou dizer é o seguinte: não podemos fazer no papel as agências deratinge construirmo-las a nosso bel-prazer. Há uma coisa que posso garantir que é que estamos dominados por uma ideia anglo-saxónica.

Aliás, a intervenção da Manuela Franco deu três exemplos sobre a Europa, mas não pegou num alemão, italiano, francês, que eles sim fazem a realidade europeia, pegou em ingleses e americanos. Porque as pessoas para saberem como vai a Europa lêem o Financial Times; se lessem o Die Welt, ou o Corriere della Sera, talvez a sua visão fosse diferente. Esse é que é o ponto. No dia em que começamos a ler os jornais europeus talvez deixamos de ligar às agências deratingamericanas.

 
Manuela Franco

A primeira coisa que faço depois de ler as notícias dos jornais europeus é procurar a verdade aos jornais anglo-saxónicos, nomeadamente as mentiras que os agentes europeus dizem todos os dias aos seus constituintes.

O Financial Times é o jornal mais pró-europeu inglês; a pessoa tem de ir catar aos blogues do Daily Telegraph porque agora o Financial Times é pago e não se consegue ler, depois de ir buscar o Wall Street Journal vai-se cotejar com outro europeu, nomeadamente também há outros jornais europeus que fazem crítica e blogues, e ao fim de ler uma hora de jornais, entre o que dizem uns e outros, acabo por ter assim uma ideia de que talvez não esteja completamente manipulada.

Penso que há aqui duas coisas diferentes. Uma coisa é dizermos que a União Europeia é um espaço de democracia, que eu subscrevo completamente, outra coisa que eu subscrevo completamente é a ideia de que a União Europeia garante nesses Estados limítrofes que admitiu também em situações limites, nomeadamente no caso da Bulgária, Roménia, o caso da Hungria que não era tanto um candidato revelou-se ainda pior, em que há corrupção nacional. Ai de Portugal se tivesse um quarto dos problemas quando aderiu à União Europeia do que tinha a Roménia.

Portanto, isso são situações pós-Guerra Fria e que mostram que o tempo da União Europeia – aliás referido pelo Paulo Rangel – e o tempo da Guerra Fria passou e o modelo ficou obsoleto. A União Europeia tem de encontrar outras formas de avançar, porque o que ficou em cima da mesa com o alargamento em 2004 e com a integração de países, que a meu ver tinha de ser feito, porque essa fronteira é uma fronteira prévia da Europa em relação à Rússia – não concordo com a definição que foi dada exactamente à Rússia, mas isso não é relevante aqui para o nosso debate –, aquilo que estamos a ver que está recolocado em cima da mesa e é também um factor de instabilidade grave, é a questão da definição da fronteira da Europa.

Porque a partir do momento em que acabou a União Soviética e passou a ser Rússia, a questão da Europa passou porque de um conceito que era geopolítico, histórico e sobretudo político, integrou uma realidade geográfica que estava separada pela cortina de ferro e produziram-se uma série de factos que mudaram as características da situação. Nomeadamente, ficou em causa a fronteira oriental, a fronteira entre a Turquia e a Rússia, que pela primeira vez não têm fronteira.

Reequacionou-se a situação de tal forma que durante muito tempo havia a questão da adesão da Turquia. A Turquia só podia ser admitida na União Europeia se esta fosse uma organização – e eu defendi isto – que incorporasse uma carta de direitos consagrados entre a forma como os Estados se relacionavam num espaço comum, porque o mercado interno não é apenas um mercado, é necessário haver liberdade e outras coisas que são superiormente importante como seja a mobilidade, o direito de estabelecimento, etc.

Qualquer pessoa que se está a dar mal em Nova Iorque pode ir para a Califórnia, põe uma tabuleta na porta e ninguém sabe quem ele era anteriormente. Portanto, essa mobilidade não deve ser tomada só como um adereço de um movimento capitalista; não, é algo muito importante.

Todo esse constrangimento geoestratégico de que estava a falar é um poderoso acelerador de mudança, porque como não havia – e repito – uma fronteira definida, isso ficou muito evidente e a entidade geopolíticaper seficou também fragilizada. O que quero dizer é que há um arco de protecção do sistema democrático, há uma série de sanções e uma série de coisas, mas não podemos dizer que a legitimidade democrática que assiste aos órgãos da União garante a forma como os assuntos de política interna que são tratados e afectam diariamente a vida dos cidadãos e estão garantidos com uma representatividade democrática.

A representatividade é pôr o Governo na rua e isso não se pode fazer em relação ao que se passa em Bruxelas, portanto, enquanto isso não estiver garantido…

 
Duarte Marques
Muito obrigado. Dava agora a palavra ao Guilherme Correia do grupo Roxo e de seguida à Tânia Coutinho do grupo Rosa.
 
Guilherme Canedo Correia
Muito obrigado. Aproveito para cumprimentar a mesa, o Dr. Carlos Coelho, o Presidente da JSD, Duarte Marques, a Dr.ª Manuela Franco e o Dr. Paulo Rangel.
 
Dep.Carlos Coelho
Ó Guilherme, peço desculpa, mas nós já tínhamos convencionado que íamos dispensar os cumprimentos para sermos mais rápidos. Ninguém leva a mal, mas é para sermos mais rápidos.
 
Guilherme Canedo Correia

Quanto ao tema em discussão, eu alinho bastante pela lógica federalista no seguimento do Dr. Paulo Rangel e considero – na minha humilde opinião – que para termos um verdadeiro federalismo nós tenhamos um acto de constituição de soberania originária e nessa medida teríamos de ter uma assembleia constituinte.

O problema é que a lógica de uma assembleia constituinte europeia teria de ser concebida para que cada interveniente tivesse um voto. Por outro lado, as circunstâncias que vivemos com uma vaga de federalismo provocada pela crise, pelo ataque ao euro, pode desequilibrar as forças na consideração do que é um voto no sistema europeu.

Será que o facto de o eixo franco-alemão assumir, ou parecer assumir, as rédeas da solução da crise pode desequilibrar a balança a favor desse mesmo eixo retirando poder numa hipotética assembleia constituinte europeia em que nós pensemos num contrato social para a Europa?

 
Tânia Coutinho

Boa tarde. A minha pergunta vai no sentido do actual contexto da crise. A dívida soberana do euro trouxe à tona as fragilidades que existem nos Estados no que toca às dimensões de solidariedade e coesão, características fundamentais de uma união. Tendo em conta estas preocupações, tendo a Alemanha como o centro motor do desenvolvimento industrial e financeiro e com as sérias dúvidas que existem sobre a capacidade da Alemanha atingir objectivos para a Europa, e tendo em conta a situação da Grã-Bretanha como um assumidíssimo eurocéptico, em que medida é que podemos ter esperança num modelo federal?

Outra das perguntas que gostaria de colocar tem a ver com a importância que tem sido dada ao estabelecimento de uma união económica como uma prioridade superior ao estabelecimento de uma união política, visto que dado o conservadorismo patente nos estados europeus é difícil estabelecer as duas de modo rápido e bem conseguido. Através do que tenho lido no meu percurso tenho verificado que é sempre dada uma maior evidência à União Económica em prol da União Política.

Em que medida é que isto não se torna perigoso para a democracia se pudermos considerar que esta prioridade dada coloca um pouco em esquecimento todas as questões de âmbito não financeiro que temos de considerar que também existem na vida de um cidadão, como por exemplo a cultura de uma identidade europeia?

 
Manuela Franco

Gostaria de dizer que em relação à questão federal em tempos já pensei que fosse uma boa solução, mas simplesmente os tempos correram, essa solução não foi escolhida e não podemos parar o Mundo. Há um histórico, há uma maneira de funcionar, há uma burocracia, há uma maneira de gerar leis, há umethosque é a maneira como as coisas são produzidas, as directivas, todo esse grupo de tentar formar e formatar a base dos povos europeus para uma gestão comum e é possível que no futuro essa gestão venha a existir.

Eu penso que será muito difícil. Para concordar com o Dr. Paulo Rangel será muito difícil prescindirmos da integração europeia como ela está, não creio que haja números ou mobilização; simplesmente, como é que se chega a uma solução? Vamos prescindir de ter uma democracia representativa e vamos ser geridos por uma burocracia tipo austro-húngara que governa por decretos que depois são ratificados pelas câmaras nacionais, chegam quando chegam, depois algum empobrecimento, depois os correios deixam de funcionar bem, etc.

É possível – quem se interesse por isso –, ler como é que foi negociada a transição no fim do império romano e verificarão que também havia um discurso às elites que se dirigia a negociar uma realidade difícil com um "eleitorado”, ou um povo, que não o podia compreender. Esse é um momento que nós temos, de mudança de paradigma, da maneira como as coisas funcionam internacionalmente, da maneira como a democracia representativa funciona.

A meu ver, devemos ter o cuidado de garantir que mantemos a capacidade de controlo sobre os órgãos que decidem as nossas vidas, o mais longe possível.

Gostaria de acrescentar agora o que não respondi em relação às agências derating. A Fitch é uma agência deratingfrancesa, os seus donos são franceses, portanto a ideia de que há uma malevolência contra a União Europeia está errada, os líderes europeus deixaram de poder fazer de conta que estava tudo bem, porque o dinheiro do mercado não vai para lá. O dinheiro é mal dado? Seguramente. Mas nós estamos num momento em que a gestão financeira por via da Internet proporciona um certo tipo de aproveitamento contra o qual não há nada a fazer.

Ou seja, como é que os Estados conseguem reformular a maneira como estão no sistema internacional, gerir o mundo virtual e ao mesmo tempo garantirem a protecção a nacionais, cidadãos e negócios, identidade e ponto de vista cultural e ao mesmo tempo num sistema internacional de Estados e ao mesmo tempo tentarem acompanhar a mudança tecnológica sem parecerem que estão completamente ultrapassados.

Nem há quinze anos, as praças fechavam em Hong Kong e depois é que abriam em Nova Iorque; actualmente há um circuito 24h por dia. Portanto, não é só para o terrorismo. É muito difícil os Estados conseguirem, sem coarctar a liberdade de circulação, de consulta de Internet, etc., sem coarctaremshort-selling, ou esse tipo de situações em que há uma exploração não adequada. E, de certa maneira, a União Europeia foi um pouco acordada para isso, mas o que é verdade é que a sua situação de divergência entre a apresentação de actor global, um pouco narcísica da União, no sentido da beleza em que se via e não via o outro, foi de certa maneira colhida de surpresa por este tipo de instrumentos que podemos dizer que são – e confesso que escolhi o nome do filme um pouco a pensar nisso – os tais"sacanas sem lei”.

 
Paulo Rangel

Indo aqui a vários pontos que estão relacionados, começando pela questão constituinte, a ideia é altamente discutível. Foi assim nos Estados Unidos, em França, mas não foi assim em Inglaterra. E, hoje, – vou dizer aqui uma coisa, enfim, os juristas compreenderão, mas os outros não – a Europa já tem uma Constituição, ela só não está é escrita, mas ela é uma realidade constitucional, não tenham dúvidas disso; agora, se ela é federal ou não, isso é outra questão.

O tipo de desenvolvimento político já é claramente constitucional, portanto já tem qualquer a ver com isto e não houve nenhuma fundação constitucional, havia o tratado constitucional, mas esse foi chumbado e desapareceu. Por isso, acho que não tem necessariamente de ser assim. Depois, sinceramente, quanto ao eixo franco-alemão, quero dizer, não há bem um eixo franco-alemão. A França, a Alemanha e o Reino Unido e noutro segmento a Itália, a Espanha, a Polónia, terão sempre na Europa em qualquer modelo um papel que não terá Portugal, nem a Grécia, nem a Dinamarca, nem a Suécia.

Terão sempre, quero dizer, terão enquanto as coisas forem assim, porque isto também muda muito e a Alemanha e a Itália são uma realidade com 150 anos, podem desaparecer a qualquer momento, assim como desapareceu o muro de Berlim sem nós contarmos, também podem acontecer coisas extraordinárias que nós não estamos à espera e não estamos agora a ver.

Eu percebo, a propósito da questão do eixo franco-alemão, que a solidariedade é um caminho de dois sentidos; não se pode ser apenas solidário para receber, também tem de se ser solidário com quem está a pagar, porque também lhes custa pagar.

Portanto, é preciso compreender que há aqui este aspecto. Não que eu esteja de acordo com a política alemã neste momento sobre esta matéria e nesse sentido até sou mais crítico do que é o PSD oficialmente sobre esta matéria, mas a Alemanha é a única que está disponível para pagar alguma coisa, o Reino Unido e a França não querem pagar nada. Os alemães são muito injustamente encostados à parede. Queria deixar isto muito claro, para dizer que acho que neste momento se impunha alguma solidariedade, mas obviamente ela tem de ter garantias sobre a maneira como os Estados vão-se comportar a nível orçamental e financeiro.

Claro que isto não vale apenas para a Europa do Sul. O Reino Unido está numa situação catastrófica. Esta crise não tem só a ver com o euro. Os índices do Reino Unido e dos Estados Unidos estão catastróficos. Tem a ver com um modo ocidental de viver as gestões financeiras e económicas nos últimos 20 anos que foi um tanto irresponsável e tem a ver com esta mudança extraordinária que referiu a Manuela Franco, que é a mudança para a qual eu vos queria alertar e a causa pela qual eu sou um federalista, é que hoje a circunscrição em que nós votamos não é aquela em que as decisões se tomam e a única forma de aproximarmos o direito de voto dos cidadãos à sede de poder é fazer a integração da Europa.

Se nós não tornamos a Europa federal o que vai acontecer é que vamos acentuar este fenómeno: estamos a votar em Portugal para as eleições legislativas, mas o nosso voto conta só para a junta de freguesia, porque as decisões que dizem respeito às grandes questões não são tomadas aqui, são tomadas noutra sede, muitas vezes nem na sede territorial, mas noutros universos.

Por isso, é preciso aproximar isto. Só queria que analisassem isto muito bem: alguém pensar que só os órgãos de comunicação social dos Estados Unidos e do Reino Unido é que falam a verdade revela muito sobre a forma como estão a olhar para a Europa. Alguém acha que os alemães, os franceses, os austríacos, não falam a verdade? O que eles falam é a sua verdade que não é verdade dos que só lêem em inglês.

Portanto, como toda a gente só lê em inglês, não em alemão, italiano, ou francês, a generalidade das pessoas vão ler aquilo que conseguem ler.

 
Manuela Franco

Vá, eu aqui tenho direito a um minuto de defesa. Não é uma questão de não ser verdade o que vem nos jornais, não ponho em causa, mas há versões de um modo geral na imprensa da Europa que funciona com o Governo; têm um chamado "respeitinho” ao que o Governo diz que aceita sem questionar aquilo muitas vezes que os Governos dão.

Veja-se o caso em Portugal e o comportamento em relação à política externa, é ao lado, não se encontra praticamente um jornalista que faça uma crítica que podia ser a dizer bem, ou mal, deste Governo ou doutro, mas não há. Há, de um modo geral, na área da política externa aquilo que os Governos dizem. No caso francês é bem pior do que no caso português.

Portanto, aquilo de que vou à procura como leitora de jornais internacionais e porque muitos jornais há em inglês, é da dissonância, porque depois quando encontramos uma notícia dissonante em relação a uma certa versão podemos ir apurar até encontrar e depois perceber se essa dissonância é uma manipulação política.

Sei que estou a usar o tempo, mas aproveito para vos recomendar; é feito, em Portugal, um esforço muito grande para responder a notícias não verdadeiras. Eu não penso que os anglo-saxónicos sejam anjinhos, não, trata-se de descobrir. Há umsiteque é www.peprobe.com, que é um esforço feito e financiado por pessoas e fundações portuguesas, em que há só dados oficiais para os investidores em Portugal e isso permite deslindar notícias mais ou menos manipulativas independentemente da sua origem.

 
Dep.Carlos Coelho
Muito bem. Paulo Rangel, para a réplica.
 
Paulo Rangel

Só muito rapidamente, o seguinte: basta pensar o que foi o escândalo da News of The World, ou a forma como os jornais anglo-saxónicos pegam nos temas, para perceber a seriedade de que estamos a falar. Sobre a questão europeia posso dizer e vou dizer aqui uma coisa que não devia dizer, masin cameravários deputados ingleses disseram a dois ou três deputados europeus que foram convidados por eles, que eram reféns da imprensa inglesa, porque não podiam sequer ter uma posição moderada pela Europa, porque iriam ser imediatamente perseguidos não apenas do ponto de vista político, mas até pessoal.

Se isto é uma imprensa séria e verdadeira, aquela que nós lemos, então está tudo conversado. O que digo com isto é o seguinte: não podemos ser maniqueístas e estar sempre só a olhar do ponto de vista anglo-saxónico. Não estou a dizer que não é importante ter esse ponto de vista, é fundamental e para Portugal que está na linha do Reino Unido em termos geopolíticos ainda mais importante é, mas não pode ser a única fonte.

 
Duarte Marques
Obrigado. Dava agora a palavra ao João Almeida do grupo Verde e depois ao Izidoro Gomes do grupo Amarelo.
 
João Avó Almeida

Muito boa tarde, Dr.ª Manuela Franco e Dr. Paulo Rangel. Actualmente, parece-nos que vivemos numa União Europeia com diferentes velocidades de desenvolvimento. De que forma é que o federalismo conseguia atenuar este facto?

Obrigado.

 
Isidoro Gomes

Muito boa tarde a todos. Gostaria de congratular os nossos convidados pela excelente exposição e de forma particular cumprimentar o nosso eurodeputado Paulo Rangel pelo excelente trabalho que tem vindo a desenvolver em Estrasburgo.

Como referido pelo líder da JSD, Dr. Duarte Marques, sou da Juventude MPD, o partido político cabo-verdiano e estou aqui a intervir em nome do grupo Amarelo. Sempre que posso partilho com os demais os meus sentimentos sobre a Europa. Sou africano e amo a Europa.

[RISOS, APLAUSOS]

É com base nessa paixão europeia que me surgem algumas inquietudes. Por exemplo, frequentemente o Primeiro-Ministro britânico David Cameron ameaça referendar a continuidade do Reino Unido na União Europeia. Aliás, o programa do partido conservador nas últimas eleições falava em reduzir a União Europeia a um círculo intergovernamental, sem tratados nem regras, à força da lei. Diz mesmo que nunca perderá poder para Bruxelas.

É de recordar também, não com menos intensidade, isto na sequência da crise financeira, social, económica, grave que a Europa atravessa, neste caso o modelo continental em particular, comentar os intervenientes, líderes europeus, como os espanhóis dizem"não somos portugueses”, os italianos dizem"não somos irlandeses”, nós dizemos que não somos como os gregos. Já não para falar do alastramento de forças hediondas do nacionalismo.

Ora, com base neste desconfiança permanente com base europeia, com países outrora federalistas a redescobrirem o nacionalismo e o populismo e perante a crise de fé na Europa e impotência política, eis que pergunto aos nossos ilustres convidados se é imprevisível ou não o desmoronamento de um dos maiores projectos do século XX.

Tenho uma segunda pergunta muito pequenina [RISOS]: porque para além da crise na Europa, continua a ser um continente próspero, perguntava, atendendo os instrumentos constitucionais vigentes na União Europeia se poderá, ou não, essa organização alargar-se ao Atlântico Sul, no campo político e no campo da defesa.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Paulo Rangel

Muito rapidamente, quanto à primeira questão, a Europa sempre viveu em estádios muito diferentes de desenvolvimento socioeconómico entre as suas várias regiões. Deve-se dizer que o que supostamente devia ter acontecido era que devia haver uma aproximação, designadamente dos países que entraram na década de 80, que é o caso da Grécia, de Portugal e de Espanha, não é seguro que isso tenha acontecido, pelo menos em alguns índices.

Portanto, isto sim, julgo ter sido um fracasso das políticas de coesão e solidariedade da União Europeia. Se o federalismo vai trazer mais coesão económica e social, não estou seguro que sim, acho que ia trazer um quadro político mais estável e mais claro e portanto de capacidade de escrutínio democrático. Porque nos grandes espaços e isso é uma constante, não há democracia sem federalismo; portanto, não há democracia no Brasil, ou na União Indiana, nos Estados Unidos, ou no Canadá, sem federalismo. O federalismo é uma condição de democracia nos grandes espaços e então num espaço altamente diversificado como a Europa, ainda será mais.

Agora, trazer mais desenvolvimento económico-social, penso que uma coisa não estará ligada à outra.

Depois, quanto à questão inglesa: acho que a presença do Reino Unido na União Europeia é muito importante, mas ele tem de saber o que quer fazer, não podem ficar todos reféns do Reino Unido. Se realmente os ingleses querem sair da União Europeia devem poder sair, é uma liberdade que lhes devia ser dada.

O que acho é que tanto o senhor Cameron, como mesmo os outros, alguns extremistas, eurocépticos, não querem é referendo nenhum, porque eles não querem sair, querem estar sem estar – esse é que é o seu grande objectivo. Aliás, acho que o senhor Cameron esteve muito mal quando invocou o exemplo dacity; acho que devo dizer o seguinte: ele deveria estar muito bem se na altura ele fosse campeão de um modelo europeu diferente, ou seja, um intergovernamental por exemplo.

Dizer, por exemplo, que está contra o eixo franco-alemão, que não aceita o tratado fiscal, ou compacto fiscal como foi chamado, porque defende outra política para a Europa e vai liderar os países que defendem outra política para a Europa. Agora, vir dizer que não defende porque isso afecta os interesses dacity, isso mostra de facto quão mesquinho é o raciocínio geoestratégico do Reino Unido hoje em dia.

Depois, queria dizer que isto obviamente tem que ver com a desconfiança entre os Estados, que tem vindo a aumentar e é evidente. Há um lado de diagnóstico que partilho com a Manuela Franco que é dizer que é mais difícil hoje, mas é mais necessário, é mais urgente, o projecto federal europeu do que era por exemplo há 15 anos atrás. Não tenho dúvidas sobre isso.

Há mais desconfiança; dou-vos um exemplo: o caso do pepino espanhol ocorrido há um ano e tal. Há dez anos era impensável que uma agência pública alemã viesse dizer que tinha a ideia de que eram os legumes espanhóis que tinham provocado uma série de mortes com base numa bactéria. Eu que vivi na Alemanha, sei que um jornal alemão poderia fazê-lo, mas uma agência pública não.

Mas como há uma espécie de preconceito e pulsão para dizer que no Sul não cumprem e no Norte cumprem, criou-se uma ilusão e depois veio-se a saber que tinha sido uma exploração alemã que tinha dado origem a tudo isto. Claro que há espaço para compreender o Atlântico Sul, mas desde logo devíamos começar pela Nato que além do Atlântico Norte se devia estender ao Atlântico Sul.

Depois disso, eventualmente pensar-se nas parcerias que o Atlântico Sul poderá ter na Europa. Não tenho dúvidas de que Cabo Verde está numa situação muito especial face a todo o resto de África e talvez tenha aí alguma porta, ou janela, entreaberta.

 
Manuela Franco

Começando pelo Atlântico Sul: sim; Cabo Verde é um país que merece o nosso respeito por ser um país cujo presidente, aliás já não é esse já, mas o anterior chefe de Governo se ter empenhado em estabelecer um Estado de Direito como condição de desenvolvimento e é um caso exemplar que todos deveriam dar um tempo especial a esse assunto como exemplo.

Porém, a questão do Atlântico Sul é uma questão muito dificultada porque um país como o Brasil não está interessado em partilhar coisa nenhuma sobre o Atlântico Sul porque tem problemas de projecção de poder, não tem Forças Armadas, não tem Marinha e tem sempre medo que alguém descubra; é um país que pretende preservar a Amazónia Azul, ou como eles lhe chamam Cone Sul. Esse é um problema sério, também há toda uma diversidade de actores e o facto de ter havido o Tratado do Atlântico Norte e ainda haver, às vezes ainda permite uns certos laivos de interpretação do tipo anos 60 sobre colonialista, ou de projecção de poder do Atlântico Norte.

Penso que teremos de ver como é que a crise na Europa corre para ver como é que a aliança transatlântica se vai redefinir. Entretanto temos uma NATO que é o que se chama hoje em dia desecurity providerem certas áreas, mas a própria forma como os aliados da aliança atlântica se reequacionam, as suas relações, está um pouco presa desta reformulação europeia e da relação transatlântica e portanto teremos de ver mais à frente como é que toda esta saga se vai definir.

Gostava de contrariar aqui este aspecto decity, ou seja, quando existem essas preocupações inglesas são naturais na medida em que acityé uma fonte de rendimento colossal para a Economia britânica e nesse contexto o que é que nós tínhamos? Tínhamos a Bolsa alemã a rivalizar com a Bolsa inglesa, tínhamos a Bolsa francesa a tentar criar condições e a pensar em instalar uma Bolsa em Paris, e o comissário que fazia os regulamentos era um senhor francês.

Nós podemos dizer que os Ingleses foram muito competentes em deixar que o comissário que regula aquelas matérias fosse um francês. Mas, normalmente, esse jogo de interesses existe entre todos os Estados que têm algum interesse e nós podemos ver nas cimeiras europeias e no desenvolvimento da política europeia, quando vocês agora vêem que ainda antes das cimeiras acabarem já os chefes de Estado ou de Governo fizeram conferências de imprensa, disseram o que se tinha passado, depois há várias versões contraditórias.

Portanto, essa dinâmica é algo que se tem de ter em conta porque – o Dr. Paulo Rangel já referiu várias vezes – o Brasil, a Índia, os Estados Unidos, são países que nunca foram um país independente antes de serem um conjunto de Estados. Os Estados que os integram foram integrados na nacionalidade, por assim dizer, antes de terem um perfil. Claro, podemos falar da Índia, mas é relativo, na medida em que alguns Estados e principados ainda têm problemas; houve a partição do Paquistão, mas sempre houve um império anterior, que foi o império Mogul que sempre teve uma integração política da mesma maneira que a China.

O facto de esses países terem estado adormecidos durante uns séculos não retira que tenham uma tradição administrativa e burocrática imperial, em que a relação do centro com as partes e a projecção de uma identidade para o exterior é algo de profundamente arreigado. E isso é profundamente assim e não permite muito bem uma comparabilidade com o que seria o caso europeu que é o inverso, que é como se fosse um regionalismo invertido, há quem diga.

Queria também dizer outra coisa; estou a exceder o meu tempo, mas eu sei. Em relação à união fiscal, é preciso também ter presente o que é que quer dizer a união fiscal. Nos Estados Unidos, o que é que quer dizer a união fiscal? Quer dizer que o Minnesota e outros Estados e capitais muito ricos pagam por Estados como o Mississippi que têm uma despesa acima dos 112% do PIB.

Nós temos de ver, quando falamos de união fiscal na Europa, se estamos a falar disso, ou se estamos a falar de haver um tesouro nacional que tenha decisões em como afectar esses recursos, se aquilo que a união fiscal vai produzir é regras de comportamento para quem tem pouco emagrecer ainda mais.

 
Duarte Marques
Dava agora a palavra às duas últimas perguntas, pela Marta Tavares do grupo Bege e depois para a Sofia Pires do grupo Cinzento.
 
Marta Tavares

Muito boa tarde, Dr.ª Manuela Franco e Dr. Paulo Rangel.

Em nome do grupo Bege queríamos fazer a seguinte pergunta: sendo o euro o reflexo do marco alemão e o Banco Central Europeu criado à imagem do Banco Central Alemão e aproximando-se a construção da União Europeia de um Estado federal tal como por si já defendido, estaremos nós, a Europa, a caminhar para uma nova hegemonia alemã, uma progressiva submissão dos Estados europeus?

Não quero, de todo, concordar com esta possibilidade, mas de facto gostaria de saber a sua opinião até porque é uma questão que me inquieta enquanto cidadã europeia.

Muito obrigado e queria desejar-lhe os maiores sucessos na importante função que é representar Portugal na União Europeia.

Obrigada.

 
Sofia Pires

Muito boa tarde a todos. O Primeiro-Ministro italiano, Mario Monti, afirmou recentemente que para garantir a sobrevivência da União Europeia os Governos devem ser capazes de dispensar a sua ligação aos parlamentos nacionais.

Gostaria de saber qual é a vossa opinião e se consideram que devem existir limites. Muito obrigada.

 
Manuela Franco

Em relação à preponderância alemã já me referi a isso quando falei. É evidente que a Alemanha é neste momento o país mais poderoso de entre os membros da União Europeia, mas penso que a Alemanha pode exercer o seu poder, pode procurar moldar as práticas da União Europeia às suas convicções da forma como deve ser feito isto, ou aquilo.

Além disso, deve-se ter em conta que a Alemanha passou por um processo de reunificação e que aplicou a si própria duras receitas de emagrecimento e de recuperação do próprio Estado Social e uma série de coisa, portanto já fez algum trabalho que muitos dos outros Estados não fizeram, mas não acredito que seja possível haver uma união europeia liderada do ponto de vista político pela Alemanha, nem acredito que haja muitos países europeus a aceitarem essa preponderância da Alemanha se ela se tornar óbvia.

De certa maneira, a aliança com a França enquanto estiver numa situação de paridade permitia que a França assumisse esse perfil, digamos, de quem ditava qual era o melhor comportamento e a melhor projecção externa da União Europeia. Isso está um pouco desequilibrado neste momento.

Agora assistimos, a meu ver, a um recuperar desta relação franco-alemã, foi criado um grupo bilateral para pensar na união política, foi anunciado na semana passada, e portanto estamos a ver o que é tradicional na União Europeia que é diante da crise chegarem-se à frente para procurarem responder aos problemas e levar a União mais à frente.

Não penso que seja possível que a Alemanha assuma posições de liderança política no continente europeu.

Em relação à outra pergunta, também já falei disso: penso que não, que foi um erro de tradução, não acredito que o Primeiro-Ministro Monti quisesse dizer aquilo que foi escrito pela imprensa. Ele referia-se a uma questão que é extremamente complicada e que eu já referi aqui, que é dos três patamares e que obviamente em situações de crise – nisto, quero juntar sobre a Alemanha aquilo que me esqueci – não podemos esperar que a União Europeia seja ao mesmo tempo uma entidade democrática, representativa e que governe no sistema de leis de excepção.

Não podemos esperar que, mediante as crises, se suspendam estes ou aqueles requisitos legais e nós temos isso visto exigido da Alemanha, por exemplo, que não mandasse aquilo que tem de mandar para o seu Tribunal Constitucional. Nós não podemos contornar um certo tipo de problemas: é claro que a União Europeia é morosa, é claro que não é um Estado nacional e é complicado para responder a uma série de situações e não precisa que sejam de crises, basta pensar, por exemplo, na política externa europeia em que não é possível ter uma que corresponda à realidade quando ela tem de ser concertada anteriormente.

Se vamos aprovar, por exemplo, o orçamento da União Europeia para as perspectivas financeiras que vão durar até 2013, quando esse orçamento é aprovado, por exemplo, dinheiro para a cooperação em África, essa perspectiva é aprovada anteriormente. Por exemplo, o Secretariado, a Comissão, só pode gastar aquilo que está aprovado e previamente definido.

Aquilo que foi aprovado por um Governo de mudar as rubricas orçamentais sem haver uma aprovação do colectivo, isso é uma parte do problema que leva muita gente a dizer que se fosse federal funcionaria melhor, mas são passos de gigante quando o que eu defendo é que neste momento temos de ir na base de quase como naquele jogo português"mamã, dá licença?”.[RISOS]

 
Paulo Rangel

Sobre a questão da hegemonia alemã devo dizer em primeiro lugar que não sei se houve assim tanto tempo de hegemonia alemã na Europa, penso que não, que o que houve foi uma espécie de guerrablitz; ou seja, a Alemanha cresce e de repente resolve aparecer com um plano imperial.

Ao contrário, por exemplo, do Reino Unido, ou do império austro-húngaro, ou da França, ou da Rússia que tiveram muita influência no tempo, acho que a Alemanha foi muito mais impaciente, não sei se teve essa hegemonia e influência toda.

Não acho que haja um excesso de influência alemã, há naturalmente uma visibilidade grande. Há uma coisa que os Alemães fazem e que qualquer outro pode fazer que é preparam-se extraordinariamente para as questões europeias, isso é visível no Parlamento. Só o Parlamento alemão tem 50 funcionários em Bruxelas e claro que português tem um, portanto isso mostra qual é o desequilíbrio. Eles acreditam que na União Europeia se tomam decisões muito importantes para eles e levam aquilo muito a sério, nesse sentido acabam por ter às vezes um peso superior àquele que deve ter.

Mas, mesmo assim, quer no Conselho, quer na Comissão, o seu peso não é assim tão forte quanto se pensa, porque a França, o Reino Unido, a Itália e mesmo os países nórdicos não aceitam de maneira nenhuma a hegemonia alemã. Portanto, não tenho medo nenhum que isso aconteça, embora ache que os alemães são muito inflexíveis e isso é um aspecto que os prejudica muito na política externa, mas eles não conseguem perceber isso.

Por exemplo, os nórdicos são extremamente planificados como eles e se vêem que a realidade mudou não conseguem improvisar, mas já tinham um plano alternativo. Não são como os anglo-saxónicos que têm um plano, mas são capazes de se adaptar, ou mesmo os franceses que também têm essa tradição diplomática, mas os nórdicos são muito como os alemães, mas têm capacidade de perceber que se o Mundo mudou constroem um novo plano, enquanto os alemães continuam e isso é que cria essa ideia de que eles são bastante renitentes.

Depois, há uma coisa à qual eu já queria dedicar algum tempo, que é a questão dos Parlamentos nacionais e dessa afirmação do Mario Monti. Ele não foi realmente bem compreendido, mas eu vou dizer que ele tem toda a razão, porque o problema que se põe é o seguinte: os Governos vão para o Parlamento negociar, não podem interromper as negociações para vir perguntar ao Parlamento. Se alguém estudou os teóricos da separação dos poderes, o Locke, o Montesquieu, sabe que o poder diplomático, aquilo a que o Locke chamava de poder federativo, está sempre entregue ao Governo e não ao Parlamento.

O que é que os Parlamentos têm de fazer: criar as balizas da política externa e ao fim de dizer se concordam ou não com a negociação que foi feita, mas não se pode pôr os Parlamentos a negociar.

Aquilo que a Alemanha está a fazer hoje em dia e que é o que a Dinamarca, ou a Finlândia já faziam, é pôr o Parlamento a interferir nas negociações europeias. Aconteceu no ano passado, em Outubro, uma cimeira ter sido interrompida no dia 23 e apenas retomada no dia 26 para o Parlamento alemão se pronunciar. Isto não tem absolutamente sentido nenhum, em termos de teoria constitucional e teoria de separação de poderes.

O Parlamento não tem de interferir nas negociações diplomáticas, ele tem é de depois ratificar e aí pode dizer que o acordo a que se chegou é mau e que não o aceita. Agora, não pode dar mandatos como dá o Parlamento dinamarquês em que põe os Governos a telefonar para os Parlamentos a perguntar se pode dizer isto ou aquilo. Isto é completamente contrário à separação dos poderes, é a parlamentarização da política externa e é totalmente anti-democrático, demagogia, populismo, confiar funções executivas a câmaras parlamentares e isso não pode ser.

E foi isso que o Mario Monti quis denunciar. Uma coisa é o Parlamento ter um papel decisivo antes e depois e dizer "não, não queremos este tratado”, ou "não queremos esse pacote” e parar tudo, outra coisa é o Parlamento ir acompanhar as próprias negociações diplomáticas.

Portanto, queria deixar isto claro: isto não significa menos democracia. Aliás, é um pouco como acontece agora com o semestre europeu que toda a gente diz que os orçamentos são fiscalizados pela União Europeia, mas isto não retira os Parlamentos nacionais, eles podem aprovar o documento que vai para a União Europeia e, por isso, influenciá-lo. Depois, quando tem de aprovar o orçamento verificar se concorda ou não com as recomendações da União Europeia. Isto não lhes retira competências, apenas obriga-os a actuar em dois momentos quando eles actuavam num só.

Portanto, há também um lugar para os Parlamentos nacionais, mas eles não podem substituir aos Governos nas negociações internacionais. Nenhum de nós faz negociações às claras, tem de se fazer com algum recato, isso é essencial para a democracia funcionar.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, chegámos ao fim do nosso debate. Vou convidar agora os nossos oradores a fazerem um comentário final em dois ou três minutos no máximo em que podem aproveitar para referir algum aspecto que tenha sido esquecido, ou alguma resposta que tenha ficado por dar, ou alguma pergunta que gostassem que tivesse sido colocada, ou finalmente reiterar os seus argumentos fundamentais.

Portanto, vamos ouvir primeiro o Dr. Paulo Rangel, depois a Dr.ª Manuela Franco, para mantermos a lógica inicial, com a resposta final a esta pergunta:"Deve, ou não a Europa ser mais federal?”.

Dr. Paulo Rangel, tem a palavra.

 
Paulo Rangel

Tenho vindo a trabalhar um conceito que está ainda elaboração, mas que no fundo dizia o que é que eu acho que a Europa precisa. Aliás, ouvi aqui o Izidoro e achei graça porque vai exactamente ao encontro do conceito em que estou a trabalhar.

Os interesses nacionais, como vimos aliás no Futebol e em muitas manifestações nacionais, são dominados pela paixão. Portanto, é próprio da identidade nacional termos uma aproximação de paixão, somos apaixonados pelas nossas nações e temos uma relação de paixão com elas. E aquilo que eu acho que a Europa precisa é precisamente que nós amemos Europa. Não precisamos de estar apaixonados por ela, mas precisamos de ter amor por ela.

Por isso, se alguém me pede para distribuir as relações afectivas pela nação que é Portugal e por essa segunda nação, ou segundo espaço de identidade e de afirmação que é a Europa, eu diria paixão por Portugal e amor pela Europa que é uma coisa mais racional, mais madura, mas também menos intempestiva e menos conflituosa.

Portanto, se alguém me pergunta o que é que temos de incentivar nas tais barraquinhas que a comissária põe nas capitais, é precisamente isso, um amor à Europa, uma afectividade com esta realidade sob pena, julgo eu, de – respondendo agora a uma pergunta que não respondi – cairmos no desmoronamento da União Europeia, porque acho que esse perigo existe, com consequências muito graves para todos nós. Se alguns dizem que é um discurso de Estados e não é bem um discurso de cidadãos, eu diria que obviamente no dia em que os cidadãos perceberem que esse bem que é a paz desapareceu eles perceberão que este não era um discurso de Estados, mas sim de cidadãos, pelos cidadãos que têm dignidade humana e que devem estar à frente de qualquer dignidade política.

 
Manuela Franco

Gostaria de encerrar, dizendo que a meu ver o que é importante é que haja uma capacidade de entendimento, de relacionamento e de propriedade do processo político, que ele possa ser usado e reusado e usado de novo com resultados, que as pessoas não estejam remotas desse meio de acção e possam considerá-lo uma coisa sua. Pode ser uma coisa sua que não gostam, ou uma coisa de que gostam, mas sou favorável que esses afectos sejam intermediados por capacidade de acção para que o discurso não seja simplesmente produtor de ideias bonitas, mas que dê às pessoas suficiente capacidade e proximidade ao poder para elas não se verem naquelas situações de atirarem bombas, irem para a rua fazer manifestações e sentirem de modo geral que ninguém quer saber delas.

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. Peço para os avaliadores virem para aqui. Vou acompanhar os nossos convidados à saída. Em nome de todos nós, muito obrigado Dr. Paulo Rangel e muito obrigado Dr.ª Manuela Franco.

[APLAUSOS]