ACTAS  
 
8/30/2012
Lições do passado e Ambições para o futuro
 
Dep.Carlos Coelho

Muito bom dia. Desde 2003 que a Economia faz parte das matérias estruturantes do currículo da Universidade de Verão, e que temos tido o privilégio de ter personalidades importantes nacionais a darem a aula de Economia.

Não é a primeira vez que o professor António Borges está entre nós, já esteve cá em 2008 e em 2009. É, portanto, a terceira presença deste ilustre economista na Universidade de Verão e agradeço-lhe o facto de uma vez mais ter dito sim ao nosso convite.

O professor António Borges é professor da Universidade Católica, foi Vice-Governador do Banco de Portugal, foi também Vice-Presidente do PSD. Tem comohobbya agricultura e a natureza; como comida preferida a cozinha portuguesa, especialmente o peixe grelhado – é um homem frugal. O seu animal preferido é o cavalo – um animal de raça. O livro que nos sugere é o "Development as Freedom”. O filme que nos sugere é "A Vida dos Outros” e "Crash – no limite”. E a qualidade que mais aprecia é o espírito de iniciativa e o gosto por trabalho em equipa – uma das coisas que nós tentamos reforçar na Universidade de Verão é exactamente o trabalho de equipa.

Senhor professor, muito obrigado por estar entre nós e o palco é seu.

[APLAUSOS]

 
António Borges

Muito bom dia a todos. Neste dia maravilhoso, dos melhores que há aqui pelo Alentejo, estarmos a trabalhar aqui nesta sala já é um grande sinal de empenhamento e de vontade de contribuir para o futuro.

Em primeiro lugar, muito obrigado pelo convite, é um grande gosto estar aqui. Como sabem, toda a vida fui professor universitário e trabalhei com jovens como os que aqui estão e isso, em minha opinião, é a actividade profissional mais gratificante que uma pessoa pode ter. Espero que hoje seja mais um exemplo disso mesmo.

Deixem-me lembrar-vos, antes de começar, que têm mesmo a responsabilidade do futuro do país e não as pessoas como eu, são vocês e notem isto mais do que nunca hoje porque o país do futuro, o país que queremos, não é o que tivemos, é outro diferente e não são as pessoas do antigamente que o vão fazer, são os novos.

Já agora, deixem-me lembrar que se há alguma coisa de notável no actual Governo, com as suas forças e fraquezas evidentemente, é que se nota que há uma geração nova no poder, gente muito mais nova, a geração já a seguir à minha e que realmente está a mostrar agora o que vale e a seguir serão provavelmente vocês.

Vamos então falar da situação económica, dos desafios do país, falar também um bocadinho de Europa, mas sobretudo de Portugal e falar em termos que nos permitam reflectir tranquilamente sobre o futuro.

O que eu tinha para vos dizer, espero que consigam ler mesmo os que estão mais longe o que está aqui no ecrã, tem estas várias componentes.

Primeiro queria falar-vos sobre o tom que é necessário para tratarmos de questões económicas, aquilo que eu chamo de tranquilidade ou serenidade, se quiserem. A Economia precisa de lucidez, seriedade, rigor. Não se fala de questões económicas com polémica excessiva ou com vontade de inventar problemas que não existem.

Depois, uma grande parte desta tranquilidade vem da experiência do passado. Portugal está hoje numa situação difícil e não é a primeira vez, já no passado conseguimos dar a volta à situação, muitas vezes mais depressa do que se pensava e é essa capacidade que nós temos de recuperar de situações difíceis que nos dá confiança para o presente.

O programa está a correr bem, digam o que disserem o programa está a correr melhor do que se pensava e isto digo com conhecimento de causa porque – como sabem – estava no Fundo Monetário Internacional (FMI) quando o programa foi desenvolvido e acompanhar agora a execução mostra que há muitas dimensões que estão melhor do que se esperava e muito melhor do que outros países em situação semelhante.

Realmente, aqui entramos na questão central, a nossa prioridade, o nosso objectivo fundamental, que é de regressar o mais rapidamente possível à normalidade. O que é a normalidade? É um país como os outros, que não precisa do apoio de ninguém, não está dependente de A, B, ou C, traça o próprio destino, tem o mesmo acesso que outros aos recursos e à confiança dos mercados, e que portanto é um país normal. É isso que temos de voltar a ser e o mais depressa possível.

É claro que ainda vamos a meio do caminho, ainda há muitas batalhas por ganhar, nada está decidido e há aindadossiersdifíceis à nossa frente, que temos de enfrentar com coragem e dedicação, mas as coisas estão no bom caminho. E porque estão no bom caminho, o que nos interessa é falar do futuro. Que país temos, uma vez ultrapassada esta emergência? O que é que queremos fazer do nosso país, que modelo de sociedade e que valores queremos pôr em cima da mesa? E como é que isso se compatibiliza com a nossa integração na Europa? Qual é o futuro da própria Europa?

Sou muito confiante, muito optimista, quanto ao futuro da Europa, ao contrário do que se vê por todo o lado. Julgo que o que está realmente à nossa disposição é a possibilidade de criarmos um novo país. Um país que ultrapasse muitas, muitas, heranças que já lá vão, mas que ainda condiciona muito a nossa maneira de trabalhar e de olhar para os assuntos.

Temos, agora, a possibilidade de criar realmente um país novo e é isso que vamos discutir. Em primeiro lugar, tranquilidade. Vou-vos dar um exemplo muito próximo da minha experiência pessoal: como sabem, estive muitos anos no INSEADE, a escola de gestão que foi das primeiras, senão a primeira, a ter um desenvolvimento muito grande na Ásia. Depois quando eu estive à frente da escola decidimos abrir um outro campus na Ásia e fizemo-lo em 1997. O que tem 1997 de particular? Vocês se calhar são muito novos para se lembrarem, mas 1997 foi o ano da grande crise asiática.

A Ásia que já estava num crescimento grandíssimo, de repente se confronta com uma crise dramática, difícil, com envolvimento do FMI, colapso financeiro numa série de país, enfim, o habitual nestas situações, o que levou muitas pessoas a dizerem na altura que era o fim da Ásia, que o milagre asiático afinal não existia e que a Ásia estava acabada.

Foi precisamente nessa altura que tomámos a decisão de ir formalmente para a Ásia, com um campus novo, com um investimento substancial e com um projecto que alterava completamente a estratégia da escola. Porquê? Porque eu e os meus colegas que estavam na altura a tomar estas decisões, tivemos a consciência de que os asiáticos, embora tivessem dificuldades muito sérias e muito graves eram capazes de as resolver.

Porque nas muitas viagens que fiz para lá e nessa altura ia todos os meses, constatava que os asiáticos perante as dificuldades mobilizavam-se e colectivamente, olhavam para o desafio, para o problema e como é que iam ultrapassá-lo. Como é que em conjunto, enquanto nação podiam dar a volta àquilo, pôr o país de volta nos carris e regressar ao sucesso que tinham tido até então. Foi essa determinação, seriedade, esse compromisso colectivo de fazer o país avançar, que acabou por resolver a crise asiática em relativamente pouco tempo e lançar as bases do crescimento que ainda se mantém.

Pelo caminho, ajudou bastante o projecto que eu tinha criado, porque de facto quando as coisas correm bem, correm bem para todos. O que de facto se passa – e este é dos pontos mais importantes que convém ter presente – quando há um programa de ajustamento, quando é preciso reequilibrar uma economia, fazer sacrifícios, impor disciplina, há sempre imensa oposição inevitavelmente. Essa oposição acontece mesmo quando a maioria do país quer que o programa seja executado, que as coisas avancem e os problemas se resolvam, mas há muitíssimos interesses, estabelecidos e fortíssimos, que impedem depois os governos de concretizarem o que querem.

Isto acontece em todos os programas de ajustamento, são sempre um combate entre quem governa e estes interesses estabelecidos que estão sistematicamente a opor-se à mudança. O caso mais dramático – como sabem – é o da Grécia que está na situação difícil que conhecemos, embora a maioria da população queira ficar no euro, queira efectivamente que o programa seja executado e os governos, uns atrás dos outros, têm tido as maiores dificuldades em adoptar as medidas, porque realmente a oposição que aparece nas ruas, nas manifestações e por todo o lado, acaba por bloquear aquilo que é a vontade da maioria colectiva – que é a parte mais triste desta situação.

Portanto, quando estamos numa situação destas, com uma fortíssima resistência à mudança, é evidente que se torna muito fácil que as coisas rapidamente descambem para um nível de polémica, de oposição, para uma gritaria – eu diria –, que não acaba por ter qualquer contacto com a realidade democrática, isto é, com a base política de um programa de ajustamento, que no fundo é aquilo que a população quer e que legitimou o Governo para executar.

É muito importante – e nesse aspecto, devo dizer, que as coisas têm corrido bem – que quem tem de tomar decisões, que as tome com tranquilidade e serenidade, com independência de toda esta gritaria.

Sobretudo, de facto, com determinação e com muita verdade na comunicação. Isto para dar o tom em relação ao tipo de debate que eu acho que se justifica.

Reparem, temos aqui um gráfico que nos dá o crescimento económico português desde 1980. Portugal é a linha vermelha, a Europa é a linha azul, cada ponto representa a taxa de crescimento económico do país. Trinta e dois anos. O que é que vemos aqui? Que, de facto, o que se passa em Portugal é o que se passa na Europa.

Portanto, estamos muito integrados na Europa e vamos andando como a Europa vai, com os mesmos ciclos em grande parte dos casos, o que é normalíssimo. Em segundo lugar, há períodos em que fizemos muito melhor que a Europa. Por exemplo, toda a década de 85 a 93 e depois os anos seguintes, de caminho da entrada no euro fizemos bastante melhor que a Europa. Só que começámos claramente a divergir da Europa mais recentemente, mais ou menos a partir do ano de 2000.

Já tivemos as nossas dificuldades, se bem que se recordam, em 1983-1985 tivemos cá o FMI e rapidamente recuperámos, em muito pouco tempo e a seguir tivemos de facto o tal período muito acima da média. A mesma coisa se vai passar agora, não tenham dúvidas sobre isso. As pessoas que acham que a crise é uma coisa permanente, inevitável, são derrotistas, não olham sequer para aquilo que é a nossa performance em situações semelhantes num passado relativamente ainda recente.

É precisamente esta experiência pela qual passámos que nos deve dar alguma serenidade em relação àquilo que é o futuro. O que é que se passou em 83-85? O país estava numa situação praticamente idêntica. Tal como aconteceu no ano passado, o país estava na bancarrota. O que é que quer dizer bancarrota? Quer dizer que não há dinheiro para pagar às pessoas. O ano passado, o Governo da altura não tinha dinheiro para pagar aos funcionários públicos, não tinha dinheiro para pagar aos pensionistas, não tinha dinheiro para pagar aos empregados do sector público. Chegamos a esse ponto de bancarrota antes de pedirmos ajuda para resolver os problemas.

Pois em 1983 foi exactamente igual. Não tínhamos dinheiro, nesse caso, para pagar importações. As reservas do Banco do Portugal tinham desaparecido. Tínhamos dinheiro para dois ou três dias de importações, quando pedimos ao FMI que nos viesse ajudar. Portanto, uma situação de bancarrota para um país que depende fundamentalmente daquilo que importa, na altura, é evidente que a situação de bancarrota se traduzia por essa incapacidade de comprar aquilo que nos fazia falta.

Foi preciso reequilibrar a Economia, tal e qual como agora. Também nessa altura houve uma fortíssima oposição à mudança. Os senhores não estavam cá, ou se estavam eram novinhos, mas de facto lembro-me perfeitamente do que foi a oposição, a violência dos ataques à política do Governo que na altura era de coligação PS-PSD, dirigido pelo Dr. Mário Soares que executou o programa do FMI contra uma oposição fortíssima de todos os lados, uma gritaria tremenda em toda a Comunicação Social, etc.

No entanto, o programa é hoje considerado como umcase studyde sucesso, dos mais bem-sucedidos na história do FMI, precisamente pela rapidez com que em menos de dois anos se deu a volta à situação, se pôs o país de novo num bom caminho e se lançou um processo de crescimento económico que depois durou muitos, muitos, anos. A nossa Economia reajusta rapidamente. Somos um país bastante flexível, em que as pessoas se desembaraçam; se não vai por aqui, vai por ali, se tiver dificuldades em vender aqui vai vender naquele.

De uma forma ou de outra acabam por se adaptar e graças a isso temos uma capacidade de ajustamento muito rápida. Já nessa altura foi assim e agora também está a ser. Isto passa sempre por muito maior abertura ao exterior, pois um dos grandes problemas do nosso país foi o de nos fecharmos sobre nós próprios, nos últimos anos, e o que é preciso é exactamente o contrário.

Isso é que é compatível com a integração europeia; em 83-85 foi o que permitiu depois a entrada na União Europeia e ponto fundamental desta questão é que já nessa altura o futuro do país passou a ser liderado por novas empresas e novos empresários. Este ponto é muito importante. Todos estes momentos de crise são também momentos de mudança profunda, no sentido em que se acaba com um modelo e se recomeça com outro.

Foi nesta altura, em 83-85, que apareceram muitas daquelas que são hoje as grandes empresas do país e apareceram lançadas por pessoas que nunca ninguém ouviu falar. Estas pessoas fizeram coisas fantásticas, começando quase do nada e lançando empresas que são hoje grandes pilares da economia portuguesa.

Pois eu tenho esperança que hoje, com o programa de ajustamento que estamos a atravessar também seja o caso de aparecerem novos empresários, novos investidores, novos criadores, que lancem as novas bases da economia portuguesa para o futuro e não fiquem agarrados ao passado.

Reparem, aqui a azul é a trajectória da economia portuguesa em 83-85 e a vermelho é a trajectória actual e estão sincronizadas no sentido em que a intervenção do FMI no passado e este ano da Troika ocorre no mesmo trimestre. Reparem no paralelo entre 83-85 e o que se passa agora; é exactamente igual. Até mesmo ao trimestre, que é uma coisa que parece caricata e com o último dado, o mais recente, baixou um bocadinho a evolução do PIB, copia ainda mais o que se passou há 30 anos atrás. Portanto, não há nada de novo nisto.

É uma coisa que já conhecemos e assim como em 83-85 se deu a volta muito rapidamente, digo-lhes que há muito boaschancesde se dar a volta em Portugal, não está garantido, ainda há muitas incertezas, mas também há a possibilidade de nós repetirmos a rapidez de recuperação que tivemos em 83-85.

E mais, em 83-85, na linha azul aqui, isto são os gastos públicos em percentagem do PIB, praticamente não se fez esforço nenhum de redução do peso na Economia, enquanto que agora se está a atacar finalmente aquele que sempre foi o grande cancro das despesas públicas e se está a conseguir resultados. Note-se que é isto, evidentemente, que está a causar toda a oposição e toda esta gritaria pois precisamente se está a tocar em coisas que muita gente pensava serem intocáveis.

Há aqui um elemento novo, que é uma das diferenças entre 83-85 e hoje. Reparem aqui na linha vermelha que tem uma queda abrupta que acontece no final do ano passado e no início deste ano, que é o consumo privado. De facto, os consumidores em Portugal, de repente o ano passado perceberam que tinham de apertar o cinto.

Isto foi muito para além de tudo o que muita gente pensava que pudesse acontecer. Reparem que há trinta anos atrás não foi assim e de facto desta vez, quando o Governo começou a anunciar as dificuldades que estavam à nossa frente e a necessidade imperiosa de cortar nas despesas, os consumidores foram os primeiros a reconhecer que é preciso poupar mais. Há aqui uma queda muito rápida no consumo, que foi muito maior do que se esperava.

É isto, aliás, que explica porque é que as receitas fiscais baixaram tanto como estão tão abaixo daquilo que se previa, como toda a gente sabe, não é verdade? Mas isto representa de facto uma capacidade de ajustamento mais rápida e mais séria do que eram as nossas melhores previsões e veio permitir um reequilíbrio da Economia muito mais rápido do que se pensava.

Há muita gente que diz: "Ah, mas em 83-85 era diferente porque podia-se desvalorizar a moeda e hoje não podemos, hoje estamos agarrados pelo euro”. Pois, reparem, aqui a azul temos a taxa de câmbio real de 83-85. Houve de facto ali uma queda pontual, mas rapidamente a taxa de câmbio voltou ao valor anterior e ficou ali no nível zero, ou um bocadinho mais que isso, nos anos seguintes.

Isto é, qualquer desvalorização, mesmo aquelas desvalorizações dramáticas daquela altura, é rapidamente comida pela taxa de inflacção e, portanto, a taxa de câmbio volta ao normal. Portanto, não se pense que a desvalorização é uma medida milagrosa que resolve todos os problemas. Pelo contrário, o grande mérito do programa de 83-85 foi que se conseguiu reequilibrar a Economia mesmo sem desvalorização como aqui está demonstrado neste gráfico.

Hoje, aquela linha vermelha é sobretudo a taxa de câmbio do euro relativamente ao dólar e outras moedas. Portanto, não está de maneira nenhuma sob nosso controlo, mas diria que não é esse o factor fundamental do reajustamento, não é isso que interessa ao país. Agora, aparece aqui o elemento mais importante de todos, que é o da balança de pagamentos, ou seja, a balança de transacções correntes.

A linha azul, há trinta anos atrás, estávamos numa situação dramática que chegou aos 15% do PIB, uma coisa sem precedentes, mas em muito pouco tempo conseguimos recuperar e pôr a balança quase em equilíbrio. Hoje, apesar de dez anos seguidos de défices muito altos, o Banco de Portugal prevê que no final deste ano já tenhamos a balança de pagamentos equilibrada.

Este ponto é de uma importância crucial, porque significa que estamos de facto a gastar aquilo que produzimos, nem mais, nem menos. Até agora, o país esteve sempre a viver acima das suas possibilidades, desde há muitos anos. Esse gasto acima das possibilidades do país, essa despesa além do rendimento que podemos gerar, é o que explica o défice externo, como vocês sabem.

Quando o défice externo desaparece é porque finalmente estamos a gastar aquilo que produzimos e isto significa que somos uma Economia equilibrada. Já não estamos a gastar com base nos empréstimos que os outros nos fazem. Tornamo-nos independentes do financiamento externo, se quiserem; acabou a hemorragia e este ponto é para mim a primeira prioridade de qualquer programa de ajustamento, é tornar o país equilibrado, torná-lo sensato como qualquer família, empresa, que tem um certo rendimento e tem de se manter dentro desse rendimento, não se pode viver do crédito indefinidamente.

Mais cedo, ou mais tarde, as coisas rebentam, não é? Ora, Portugal está já desde há muitos, muitos anos, pela primeira vez a viver dentro das suas possibilidades. Isso é de uma importância crucial. Aqui aparece o aspecto mais negativo que é a subida dramática do desemprego no final de 2011, princípio de 2012, que não se verificou de facto há trinta anos atrás e que não tem explicação pelo comportamento do PIB. Isto é, embora o PIB tenha caído, esteja em queda, não justifica este salto tão grande no desemprego no final do ano passado e princípio deste ano.

De facto, um grande número de postos de trabalho que existia no passado não tinha qualquer sustentabilidade. Estavam, por lado, com preços muito altos, com produtividade extremamente baixa e sobretudo a viver em empresas cuja viabilidade dependia da continuação de um financiamento que tinha acabado. Aqui, estamos a pagar o preço de muitos, muitos erros que foram cometidos ao longo dos anos e que vai demorar a corrigir. Se eu não consigo ler calculo que vocês ainda menos.

Aqui, o último ponto que gostava de chamar à atenção é que os salários reais que têm baixado e que estão aqui na linha vermelha, também tiveram uma queda em 83-85. O país reequilibrou, voltou ao crescimento e a recuperação tornou compatível com a subida dos salários. É normal numa Economia que funciona, em que se corrigem os erros de mercado o mais rapidamente possível e depois se criam as condições as condições para que os salários cresçam, como toda a gente deseja.

Porque é que sou optimista quanto à execução do programa? Porque é que me parece que as coisas estão a correr bem e até em muitos aspectos melhor do que se pensava? Porque, em primeiro lugar, a situação de bancarrota desapareceu? Como é que aparece a situação de bancarrota? Vivíamos exclusivamente do crédito externo, daquilo que os outros países estavam dispostos a financiar.

Quando acabou o crédito externo ficámos completamente descalços, completamente incapazes de reagir e foi por isso que tivemos de pedir ajuda externa. É esse cenário que agora começa a ser posto de parte e precisamente porque a primeira prioridade para voltarmos à normalidade é reequilibrar a Economia, pôr a despesa compatível com o rendimento, cortar despesa excessiva. O que é despesa excessiva? É tudo aquilo que está para além daquilo que nós produzimos.

É claro que se pode cortar mais aqui, mais além, mas o que é fundamental é de facto cingirmo-nos àquilo que somos capazes de produzir. Aí, sim, recuperar a credibilidade e as bases para o crescimento económico. O que é que é superior ao esperado? O comportamento do consumo privado e público. Nunca ninguém pensou que o Estado fosse capaz de reduzir o consumo público como está a acontecer. O consumo privado ajustou mais rapidamente do que estava pensado. O investimento também baixou e bem, porque como sabem Portugal andou a insistir muitos anos em investimento não produtivo, o que se chama verdadeiramente de esbanjar dinheiro, constituir dívida porque é impossível depois pagar pois aqueles investimentos não rendem.

Portanto, o investimento tinha de ser necessariamente reduzido e era uma parte substancial. Tudo isto foi feito, bem feito e mais depressa do que se esperava. Portanto, num instante ficámos com o país equilibrado, com a balança a zero, o que é extraordinário. A confirmar-se tudo isto será dos reajustamentos mais rápidos das Economias mais avançadas recentes e portanto, melhor até que outros países que tiveram o mesmo sucesso mas demorando mais tempo, o que nos deixa bastante confiantes quanto ao futuro.

E com isto, graças a Deus, começamos a ter uma recuperação da nossa credibilidade a nível internacional. Hoje, quem olha para Portugal olha com olhos diferentes, percebe que o país está noutro caminho e que é só uma questão de tempo até chegar lá.

Portanto, muitos investidores começam a olhar para Portugal como uma oportunidade de investimento. Reparem que há uma coisa notável no que respeita ao nosso país, é que a dívida pública portuguesa transformou-se no activo mais interessante, mais rentável, desde Janeiro até agora.

Em Janeiro, a taxa de juro da dívida pública portuguesa estava em 18%, dívida a longo prazo, hoje está a 9%, pouco mais e não é preciso ser um génio da Economia para perceber que a baixa destes valores significa que quem comprou dívida há seis meses atrás fez uma verdadeira fortuna com a dívida pública portuguesa. Isso não passa despercebido a ninguém.

Há aqui, portanto, uma alteração radical da nossa posição, que permite ao Governo financiar-se como está a fazer, com emissão de dívida bem-sucedida. Às vezes, com taxas de juro surpreendentemente baixas e isto está a dar ao Governo uma folga financeira. Como as privatizações estão a correr bem, o Estado começa a ter algumcash. Uma coisa contrária a exactamente há um ano atrás em que não tínhamos um tostão para pagar salários a funcionários públicos.

Só dois ou três quadros, muito rapidamente (pois não temos muito tempo), para dar um bocadinho de substância ao que estamos a dizer. Reparem no problema número um do país que era dramático, o da poupança nacional. Portugal é a linha negra. Só a Grécia é que está próximo de nós. Desde que entramos no euro, desde que o crédito se tornou fácil, habituamo-nos a gastar.

Isto foi toda a gente, mas em particular as famílias. Portugal, que era um país de taxa de poupança bastante alta, de repente tornou-se num dos países com a mais baixa do Mundo, certamente os países avançados. Comparando com outros países, como vêem aqui, é notável ver como desligamo-nos completamente, passámos a gastar e a gastar e a poupar muito pouco, o que evidentemente tem consequências dramáticas.

A mesma coisa no que diz respeito à formação de capital, ou investimento. Reparem como tínhamos taxas de investimento muito superiores a outros países que aqui estão, como a Alemanha, França, Polónia, Estados Unidos e nós com taxas de investimento muito mais altas. No entanto, o país não crescia. Estivemos uma década inteira a crescer menos de 1%. Como é que é possível investir isto tudo e não crescer?

É evidente que há aqui um problema de qualidade do investimento e não de quantidade. A primeira prioridade nesta matéria tem de ser cortar no investimento inútil, que não é produtivo, cortar em tudo aquilo que representa esbanjar dinheiro. E mesmo assim, como os senhores vêem aqui, ainda estamos a investir mais do que outros países que crescem muito mais que nós, nomeadamente nos Estados Unidos da América, onde há uma preocupação de eficiência do investimento brutal, mas mesmo a própria Alemanha.

Isto é, apesar de termos investido em valores muito mais baixos, ainda estamos muito próximos daquilo que outros países fazem. Aqui está o que se passa no sector público. Se calcularmos o saldo do sector público primário, isto é, excluindo o pagamento de juros, reparem como nos estamos a aproximar muito rapidamente do equilíbrio. Isto é notável, pois mesmo em 83-85 não fomos capazes disso.

A Grécia está muito longe disso, embora também tenha feito alguns progressos, mas nós estamos quase lá e portanto podemos antever aquilo que eu chamo do regresso à normalidade. Hoje Portugal está sob vigilância, sob controlo, não podemos tomar as nossas decisões sem que nos autorizem e é isso que é preciso acabar e quanto a mim o mais depressa possível. Pôr fim ao programa, ter sucesso no programa e para isso precisamos, de facto, de recuperar a nossa credibilidade externa, de voltarmos aos mercados e financiarmo-nos em condições normais como qualquer outro país se financia.

Isto é só uma questão de confiança e essa confiança estamos a ganhá-la dia-a-dia de uma forma convincente, por isso não precisamos nem de mais tempo nem de mais dinheiro. Mais tempo e mais dinheiro significa prolongar aquilo que é uma situação de verdadeira inferioridade do país que não é precisa, não faz falta e que trava e adia o nosso regresso ao crescimento económico, que esse é que é o ponto: nós queremos dar a volta rapidamente para voltar a crescer como os outros países, ou melhor até para recuperar o nosso atraso.

Mais tempo e mais dinheiro significa aumentar a nossa dependência e que os estrangeiros nos têm de ajudar mais, a União Europeia, o FMI, o que significa que o regresso aos mercados se torna mais difícil, porque quanto mais dependentes ficamos de ajuda externa, mais secundarizamos os investidores privados e mais difícil é para eles se interessarem pelo país no futuro.

Podemos, depois, debater este ponto mais em pormenor se quiserem, mas é um ponto crucial. De facto, mais tempo e mais dinheiro é o que a Grécia está sempre a pedir e ninguém quer seguir o exemplo da Grécia. Ninguém quer um programa que não resulta, que não é executado e em que o país se mantém permanentemente sob dependência e sob tutela externa, simplesmente porque não tem condições para recuperar a sua credibilidade.

Está tudo ganho? Não, há ainda questões muito importantes, das quais a mais importante é relançar o crescimento económico. Para o ano, no fim deste ano, no fim de 2014, não sabemos. Há boas probabilidades que seja para o ano mas não está garantido. Normalmente, o crescimento económico deveria vir com toda a naturalidade pela recuperação de competitividade do país pelas exportações e a seguir pelo investimento no sector exportador.

Realmente é investimento produtivo e justificado pelo crescimento das exportações que, como sabem, estão com bom comportamento, não é verdade? Portanto, o passo seguinte seria normalmente o crescimento das exportações e o investimento. Daí um crescimento económico sustentável e de longo prazo.

O que é que falta neste momento? O crédito. Temos um problema muito sério de crédito, o crédito não cresce, pelo contrário, diminui, o crédito às empresas em particular e portanto isto trava a rapidez da recuperação económica. Aqui temos de facto um problema com os bancos, que não é um problema português, é um problema europeu. É talvez o problema mais difícil da Europa inteira, o problema dos bancos que estão muitíssimo cautelosos, conservadores, prudentes e não emprestam.

Em todos os países da Europa e em Portugal é mais grave do que nos outros, mas não é um problema exclusivamente português. Podemos, depois, discutir o problema dos bancos que é fundamentalmente político, porque, como sabem, os bancos são hoje o centro de uma extraordinária hostilidade. Toda a gente ataca os bancos, na Europa inteira e nos Estados Unidos, toda gente os ataca por terem sido responsáveis pela crise, por terem uma economia baseada em rendimentos extraordinárias e bónus altíssimos, por terem cometido erros que agora nós é que pagamos, por precisarem do dinheiro dos contribuintes.

Tudo isto criou um ambiente de extrema hostilidade frente aos bancos e muitos Governos têm ido atrás dessa vaga da opinião pública e de facto vão fazendo afirmações que deixam os bancos um bocado aterrorizados. Dizendo, por exemplo: "Bem, se vocês forem à falência vão e não está cá ninguém para vos ajudar.”

É claro que nessas situações é evidente que não têm outra hipótese senão tornarem-se extremamente cautelosos e os banqueiros estão sempre a pensar no pior cenário possível e a prepararem-se para ele. Portanto, mesmo quando têm capital, mesmo quando têm liquidez, acabam por conservá-lo e guardá-lo para não correrem riscos.

Este é que um dos grandes travões do crescimento económico quer na Europa, quer em Portugal.

Ora, o Governo tem estado para resolver este problema através da recapitalização dos bancos que foi extremamente bem sucedida, mas isto demora tempo a voltar a uma certa normalidade. Depois, é preciso recuperar a produtividade; este tem sido o grande calcanhar de Aquiles de Portugal nos últimos dez anos ou mais, porque de facto a produtividade não tem crescido. Sem produtividade não há competitividade, não há crescimento económico.

O erro dos últimos dez anos foi pensar-se que se podia criar crescimento económico simplesmente gastando mais. Ou nos tornamos mais eficientes e mais produtivos ou não há crescimento sustentável. Temos de recuperar o crescimento da produtividade, o que implica um novo modelo económico de facto: uma Economia mais aberta, mais concorrencial, com indústrias novas muito mais avançadas e inovadoras e uma Economia sem a protecção do Estado.

Uma Economia em que cada um sobrevive pela sua competência, pelo seu mérito, não porque tem mais ou menos protecção do Estado, como até agora. Reparem, este é talvez o elemento mais drástico da comparação entre 83-85 e de agora: o crescimento do crédito, que em 83-85 retomou a sua normalidade e agora tem vindo a cair. Isto é só o crédito ao sector não-financeiro, ou seja, às empresas e tem de facto caído de uma forma preocupante.

Este gráfico é um bocado mais difícil de ler, porque tem muita informação, mas vinha só chamar a atenção para o seguinte: estão aqui três décadas (80-90, 90-2000 e 2000-2007) e nelas se compara a produtividade de Portugal com outros países. O que é importante é que entre 80-90 e 90-2000 a produtividade em Portugal cresceu tanto como na grande maioria dos países europeus. Estava perfeitamente na média, era um país como os outros, com o mesmo potencial de crescimento e a mesma realização.

É só a partir de 2000 que a produtividade deixou de crescer como devia. Portanto, nada de pessimismo em relações ao que se passa com o nosso país. Os últimos dez anos foram de grandes erros de política económica, que de facto levaram a uma grande queda de produtividade. Está nas nossas mãos voltar a um crescimento de produtividade normal como tivemos noutros tempos.

Aqui temos a contrapartida disto, que são os custos unitários de trabalho. Estão aqui muitas linhas, mas as duas no topo do lado direito são Portugal e Espanha. Os dois países em que a produtividade não cresceu, os custos unitários de trabalho cresceram mais, os países ficaram fora da concorrência internacional, perderam a sua competitividade e naturalmente que os problemas não podiam deixar de vir a seguir.

Falemos agora um pouco do futuro. O que é que nos espera depois de pormos a Economia no país? Se vamos recuperar o crescimento económico e voltar à normalidade, qual é o passo seguinte? Aqui o ponto fundamental é que somos um país europeu, quisemos estar na Europa e no euro, e portanto temos de nos adaptar àquilo que a Europa fará. Aquilo que a Europa faz é muito para além daquilo que se lê nas parangonas dos jornais hoje em dia.

A Europa está numa fase de transformação muito profunda por força do euro, com um potencial de crescimento económico extraordinário. Deixem-me desde já mostrar-vos o que é esse crescimento económico. Temos aqui o crescimento económico de uma série de países europeus, uns estão no euro, outros não, mas é como se estivessem, como a Suécia e a Polónia que é praticamente como se estivessem, dado o tipo de integração e comportamento da sua taxa de câmbio.

Reparem, temos aqui o crescimento do PIB de dez anos, entre 2001 e 2011 e até dez anos difíceis, sobretudo no fim desse período que foi de recessões. No entanto, temos aqui um crescimento económico espectacular em países como a Áustria, a Polónia, a Suécia, a Finlândia; todos eles países com um crescimento económico ao longo desta década superior ao próprio dos Estados Unidos da América.

Portanto, as pessoas que dizem que a Europa está acabada, que não tem futuro, que está em decadência, não olham para os números. Alguns países europeus, como nós, tivemos uma década tremenda, péssima, mas outros tiveram uma década espectacular, com os melhores comportamentos que vimos no mundo inteiro. Portanto, temos é de adoptar um modelo semelhante ao deles, aprender com eles: um modelo de rigor, competitividade, de abertura da Economia e de orientação para o futuro.

Reparem, neste outro gráfico a taxa de abertura da Economia é crescente em quase todos destes países. Nalguns casos, na mesma década, temos aumento da abertura da Economia de mais de 50%. Mais exportação, mais importação, mais integração económica, é isso que está na base do sucesso dos países europeus mais bem comportados.

Este modelo europeu – temos de ter isto presente – é um modelo de muito maior integração económica. Hoje, a razão que torna as empresas alemãs tão competitivas, é porque eles mais do que outros quaisquer, souberam aproveitar a Europa como base de produção. As empresas alemãs, hoje, não produzem na Alemanha, produzem na Europa inteira: na Polónia, em Portugal, em Itália, onde é melhor, mais eficiente, onde há mais condições. Integram tudo isto, depois, debaixo de uma marca forte e tornam-se competitivas a nível global, tirando proveito da Europa inteira.

Isto é, são muito menos alemãs do que já foram, são muito mais europeias. Hoje, o investimento alemão na Alemanha é baixo, muito investimento alemão é fora da Alemanha. Isto é que é realmente um modelo económico de integração bem sucedido: tirar proveito da diversidade europeia para ganhar competitividade e impor a sua capacidade concorrencial no mundo inteiro.

Nós temos de encontrar, nestas novas definições das cadeias de valor, qual é o lugar do nosso país? Quais são os sectores em que vamos buscar o nosso nicho e sermos nós parte deste grande processo? Ou os sectores em que eventualmente sejamos o líder deste grande processo, que também existem, ao contrário do que se possa pensar.

De facto, estamos a caminho de um novo modelo económico, muito mais competitivo, muito mais sustentável e muitíssimo robusto, porque precisamente não tem na sua base nenhum despesismo excessivo, nenhuma inflacção exagerada, antes pelo contrário, um grande rigor em termos financeiros e monetários, mas depois uma capacidade concorrencial fortíssima.

É isso que a Europa nos promete de uma forma que mais ninguém pode prometer. Portanto, quem tem pessimismo em relação ao futuro da Europa, a meu entender, vai ter uma grande surpresa, sobretudo em comparação a grandes áreas do mundo onde os problemas só estão agora a aparecer.

Agora, de facto é preciso muita racionalidade económica – este é que é o ponto: não se pode esquecer a lógica da Economia, investir em coisas que não rendem e esperar, que não acontece nada. Não se pode esbanjar dinheiro público em projectos que não fazem sentido, que levam as pessoas a terem comportamentos e incentivos errados e depois pensarem que não há consequências.

Todos os países bem sucedidos são países em que a racionalidade económica e a exigência e o rigor das decisões é muitíssimo aplicada. De facto, há uma série de mitos que a Europa, quando olhamos em pormenor, evidentemente nega oustraw mancomo eu aqui lhe chamo. Ostraw mané uma figura que se constrói para depois se abater, mas depois na realidade nunca existiu. O primeiro é o da austeridade, que a Europa está submetida a uma austeridade devastadora. Nada disso, a única coisa que a Europa está a fazer e bem é garantir que os países têm as suas Economias equilibradas, que não gastam mais do que aquilo que produzem, que o Estado temdeficitsrelativamente pequenos.

Isto não é austeridade nenhuma, isto é um princípio de longo prazo de equilíbrio saudável de funcionamento da Economia e nesse contexto dá muito mais garantias para o futuro do que, por exemplo, nos Estados Unidos da América (EUA) onde há umdeficitfiscal e público absolutamente aterrorizadores e vamos ver o que se passará a seguir às eleições americanas, porque os problemas com que eles vão ter de se confrontar são de uma dimensão completamente sem precedentes.

Isso, na Europa, não temos e ainda bem. Outro mito é o do Estado Social, é a ideia de que a Europa não pode pagar o seu modelo social, que é demasiado caro e que temos de o destruir porque ele não tem sustentabilidade económica. Isto é completamente falso. Viram como um dos países que tem a melhor performance é a Suécia que tem um dos Estados Sociais mais avançados da Europa, com maior apoio e maior tranquilidade e atenção aos mais desfavorecidos.

A própria Alemanha que é o maior dos países, tem um Estado Social fortíssimo e pesadíssimo. Isso é uma questão política: se queremos pagá-lo, pagamos, como os Suecos pagam e isso não impede que haja crescimento rapidamente. Agora, vocês vão à Suécia e não encontram disparates, dinheiro mal gasto, desperdício económico e financeiro, mesmo as empresas públicas e administrações públicas são sujeitas a um rigor e eficiência extraordinários. As pessoas sabem que se esbanjam dinheiro deitam tudo a perder.

Por último, o que pode ser um novo Portugal? O que pode ser o país do futuro? Isto não é do vosso tempo, evidentemente, mas eu ainda vivi no tempo do Dr. Salazar e lembro-me bem do que era a vida nessa altura, política – felizmente demos passos gigantes em frente – mas a vida económica era muito igual à de hoje, porque o Estado estava em tudo, metia-se em tudo e porque as empresas passavam a vida a pedir ajuda.

Pedir ajuda, pedir apoios, subsídios e especialmente protecção, ao Estado, combater os concorrentes através do Estado, dar favores ao Estado e o Estado dava-lhes favores a eles; esta herança ainda cá está, ainda não abandonámos, esta promiscuidade entre o poder político e o poder económico, esta ideia de que é o Estado que deve ajudar as empresas pois sem isso elas não são capazes, mina completamente o futuro do país e daquilo que deve ser um país competitivo, concorrencial, a combater de igual para igual com os outros.

Isto é também um problema político gravíssimo, porque depois os interesses económicos acabam por capturar os interesses políticos e estes acabam por se envolver excessivamente com os económicos e com tudo isto acabamos numa situação que resulta no que resultou: na bancarrota.

Precisamos de um modelo novo, primeiro de novas empresas e de novos empreendedores. Gente que hoje não sabemos quem são e não interessa quem são, mas o que interessa é que eles apareçam.

Criar as condições para que eles apareçam e com sucesso. Eles aparecerão como já apareceram noutras fases do nosso desenvolvimento económico. E que esses empreendedores sejam capazes de olhar para o futuro e não para o passado, de pensarem em negócios novos e não na protecção do que têm e que sejam capazes de depois, em condições de competitividade, criarem empresas sustentáveis.

Sempre com a perspectiva da competitividade internacional, claro, pois não faz sentido montar negócios que não passem por este crivo, senão significaria atar uma grelha aos pés do país e obrigá-lo a afundar-se. Há uma revolução inteira a fazer-se, que só a vossa geração é que poderá fazer.

É de facto acreditar que o modelo é outro, que o Estado complica, falha, atrasa, prejudica e que as empresas têm de ser competitivas e têm de ser elas a liderar a Economia. O Estado o que tem é só definir as regras e sair doshow. No entanto, há coisas que só o Estado é que tem de fazer e essas têm de ser muito bem feitas. Não faz sentido o Estado estar a envolver-se em projectos gigantescos de controlo extraordinários de empresas para a esquerda e para a direita e depois não dar boa educação, boa saúde, boa justiça e outras coisas que só realmente o Estado pode fazer.

Com um modelo económico completamente diferente, que está à nossa frente e que é possível pôr em prática precisamente porque estamos numa fase crucial em que estamos a combater os interesses estabelecidos, todos estes incumbentes que vêm dizer que o futuro não é este é outro. Se ganharmos esta batalha, então de facto temos outro país à nossa frente com uma oportunidade como raramente aparece e como digo, só os jovens podem agarrar essa oportunidade e fazê-la avançar.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Muito obrigado, senhor professor António Borges.

Vamos agora dar início à fase das perguntas sorteadas. Vou dar a palavra ao Rui Guilherme Araújo do grupo Verde.

 
Rui Guilherme Araújo

Antes de mais, gostaria de saudar toda a mesa, em especial o Dr. António Borges pela presença nesta Universidade de Verão e de resto todos os presentes colegas.

Passo à pergunta: ao contrário de Portugal, os EUA são o país mais empreendedor do Mundo. Que medidas deveriam ser tomadas para nos tornarmos um país mais empreendedor e mais atractivo ao investimento estrangeiro?

Muito obrigado.

 
António Borges

Muito bem, aqui está uma pergunta que vai directamente ao assunto: como é que nos tornamos mais empreendedores?

Os Estados Unidos são de facto um país onde há imenso empreendedorismo. Vivi lá vários anos e conheço bem o país que temos de reconhecer que é diferente de todos os outros, nomeadamente europeus e mesmo asiáticos.

A primeira coisa que torna o país mais empreendedor é que – isto talvez a maior parte dos senhores não se tenham dado conta – os jovens não são ajudados pela família, a não ser na educação. Isto é o modelo típico da sociedade americana. É um modelo em que a família educa os jovens, dá-lhes uma formação se possível superior e depois, meu amigo, que se desembarace.

Os Americanos, ao contrário dos Europeus e dos Asiáticos não deixam heranças aos filhos. Os Americanos quando chegam à altura da reforma, depois de terem educado os filhos, gastam aquilo com que ficaram, vão para a Flórida, compram uma casa simpática, um barco para andar no mar e gastam aquilo com que ficaram e não deixam nada aos filhos.

Isto é, os filhos têm de se desembaraçar por si próprios, logo daí vem uma enorme disciplina que é de que cada um luta por si e pelos seus interesses. Depois, há de facto todo um conjunto de instituições que facilitam o empreendedorismo. Primeiro, os Estados Unidos têm um sistema financeiro completamente diferente do europeu.

Como sabem o sistema europeu é quase completamente dominado pelos bancos, estes representam quase 80%, ou nalguns países como o nosso quase 100% do financiamento disponível. Nos Estados Unidos são pouco mais de 20%, o resto é o mercado de capitais, os mercados financeiros em que existe uma diversidade de comportamentos. Os bancos têm de ser conservadores, prudentes, estão a emprestar dinheiro que não é deles, que é dos depositantes, e portanto não se podem pôr em aventuras.

No mercado de capitais existe um tipo de investidor cujo objectivo é meter-se em aventuras, os chamados fundos deventure capitale semelhantes. Por isso, há muito mais disponibilidade para essa tomada de risco. Depois, há uma outra coisa muito importante que tem que ver com o mercado de capitais: se eu sou um investidor bem sucedido em Portugal, posso de facto fazer fortuna ao fim de dez, vinte, trinta anos, se sou um empreendedor bem sucedido nos EUA faço fortuna ao fim de dois anos.

Porquê? Porque logo que o meu projecto começa a correr bem posso ir para a bolsa e vendê-lo. Portanto, eu com mais um amigo lanço uma coisa chamada youtube, aquilo por acaso corre bem e dois anos depois recebo dois biliões e meio de dólares, que é um montante completamente inimaginável para uma pessoa normal, não é verdade?

Há aqui, de facto, uma recompensa de capitais e de que em Portugal nem se fala. Tem de se perceber que quando há muito maior apetite pelo risco e muito mais vontade de lançar empresas nos Estados Unidos também há condições muito mais favoráveis. E quando optamos por um modelo de Economia quase exclusivamente baseado nos bancos e a Europa, como se sabe, tem uma grande hostilidade em geral aos mercados financeiros, é evidente que estamos a prejudicar o empreendedorismo, o aparecimento destart-upse oventure capitale tudo mais.

Para além disso, nos Estados Unidos há também uma aceitação de que o risco implica falhanço e que se uma pessoa falha recomeça e parte para outra, enquanto na Europa e em Portugal uma pessoa que falha fica imediatamente catalogada e é "este não tem mais nenhuma hipótese; se quiser vá trabalhar”.

Portanto, há de facto um conjunto de circunstâncias que tornam o empreendedorismo realmente mais fácil. Agora, não sejamos pessimistas, as condições são favoráveis, Portugal é um país de empreendedores. Nos períodos em que a Economia esteja a crescer, em que houve abertura, em que os grandes incumbentes por força das dificuldades foram se reduzindo e foram diminuindo a sua actividade e em que se criou espaço para novas empresas, apareceram de facto empresas novas.

Uma série de grandes empresas portuguesas, como a SONAE, o Grupo Amorim, o BCP, o BPI, tudo isto são empresas que há trinta anos não existiam ou senão eram minúsculas como a SONAE que era uma pequena fábrica de painéis de madeira. E na altura certa, pessoas de quem nunca se tinha ouvido falar apareceram, criaram empresas, impérios, modificaram a Economia, trouxeram indústrias novas para Portugal e hoje são eles os pilares da Economia portuguesa. Num período de uma geração, não é?

Por isso, não pensemos que não há empreendedores em Portugal. Claro que há. Nós não somos é capazes de os identificar. Nem é o Governo que tem a obrigação de os identificar e dizer "tome lá o dinheiro e vá fazer”.Não, têm de ser as pessoas a avançar. Agora, se não há condições para ser bem sucedido então ninguém vai avançar, só os loucos e esses não interessam.

Portanto, é preciso criar condições para isso, ter uma Economia voltada para o futuro e não para o passado, pôr de parte os velhos incumbentes e criar espaço para que novas empresas apareçam e elas aparecerão.

 
Duarte Marques

Muito obrigado, senhor professor.

Entretanto, vou dar a palavra ao Miguel Santos Pereira do grupo Amarelo na esperança que o microfone comece a funcionar, senão temos de arranjar uma alternativa.

Experimenta lá, Miguel.

 
Miguel Santos Pereira
Bom dia.
 
Duarte Marques
Está óptimo.
 
Miguel Santos Pereira

Bom dia. Em primeiro lugar, gostaria de saudar a mesa, em especial o professor António Borges por nos ter agraciado com a sua presença.

Doutor, modelos semelhantes ao New Deal têm sido recorrentemente adoptados para alguns países como um escape para sair de crises económicas, como foram exemplo no passado alguns países da América do Sul. Sendo assim a pergunta que coloco é a seguinte: será que teríamos um regresso mais rápido ao crescimento económico do nosso país com a implementação de um modelo deste género, ou será este um risco demasiado grande tendo em conta a nossa cultura e actos passados?

 
António Borges

Ora bem, o New Deal é um caso muito especial. É um modelo que se pôs em prática na Grande Depressão. Nos Estados Unidos da América, anos trinta, a Economia estava completamente deprimida: 30% queda no produto, 30% queda na taxa de desemprego, capacidade não utilizada por todo o lado e de facto uma situação dramática de recessão.

Nessas circunstâncias e contrariamente à doutrina económica da época, o Presidente Roosevelt lançou o New Deal que se traduziu por uma intervenção muito maior do Estado no estímulo da despesa. Isto justificava-se plenamente pois tratava-se de uma Economia com uma grande capacidade não utilizada, com uma taxa de desemprego que resultava de escassez de despesa, retracção da procura, e de o New Deal veio permitir pôr a Economia americana outra vez a crescer.

Não é isso que se passa em Portugal hoje em dia, nem na Grécia, Espanha, ou Irlanda. É uma situação de despesa excessiva. A razão pela qual nós nos encontramos na situação em que estamos é porque andámos a gastar demais por tempo demais e portanto endividámo-nos de uma forma que depois não fomos capazes de pagar.

Portanto, o problema português nunca é de falta de despesa, é um problema de competitividade, de recuperação da nossa capacidade produtiva e assim para cada doença o seu remédio. Quando os grandes economistas americanos como o Paul Krugman, por exemplo, defendem uma política claramente Keynesiana e acha que o senhor Obama não está a gastar o suficiente e devia gastar ainda mais, é porque tem um modelo Keynesiano em que a capacidade não disponível não está utilizada.

Não é para uma situação como a nossa, ou como a espanhola ou a grega, em que o problema é o oposto: gastarmos demais e muito mais do que somos capazes de produzir. Se fossemos gastar mais agora, estimulando a Economia através da despesa, íamos agravar muitíssimo os nossos problemas, além de, evidentemente, perdermos toda a credibilidade que é necessária para voltar aos mercados.

Nos casos da América Latina não estou a ver propriamente muitos exemplos bem sucedidos de New Deal. Os exemplos bem sucedidos da América Latina, como por exemplo o Chile e o Brasil, nomeadamente no tempo do Fernando Cardozo e de Lula, estando agora o Brasil com dificuldades muito sérias também, não foi o New Deal que lhes permitiu a recuperação económica e o crescimento rápido, mas sim a capacidade de disciplinar as finanças públicas.

 
Duarte Marques
Muito obrigado, professor. Dava agora a palavra ao João Lourenço do grupo Bege.
 
João Lourenço

Uma vez mais, bom dia à mesa e ao Dr. António Borges. A minha questão vai de encontro a dois tópicos que já focou ao longo desta apresentação, nomeadamente o decréscimo significativo das poupanças dos portugueses e a queda do consumo dos privados e também das famílias.

Em primeiro lugar, queria questionar sobre qual o peso dessa quebra de consumo para a nossa Economia. Depois, seria também importante sabermos se será uma oportunidade para reeducarmos os portugueses para a gestão das suas economias e de que modo isto deve ser feito. E se é possível ainda chegar às gerações mais antigas nesta reeducação.

Obrigado.

 
António Borges

Muito bem, a pergunta é muito oportuna porque ninguém fala da importância da poupança. Reparem que todos os países que estão em dificuldade, a Grécia, a Espanha e Portugal, são países que deixaram de poupar, deixaram a taxa de poupança cair para valores que se tornaram incomportáveis e passaram a gastar mais do que deviam.

Reparem, muito mais do que isso, nos chamados milagres, da China, da Índia, ou da Ásia em geral. Não há milagre nenhum: os chineses têm uma taxa de poupança de 40% a 50%, ano após ano. Portanto, de facto, as gerações actuais chinesas estão a viver muito abaixo daquilo que podiam para libertarem recursos para o futuro, para os seus filhos e netos.

De facto, é isso que permite crescimentos económicos de 8%, 9%, 10%, pois há taxas de poupança que permitem um crescimento económico muitíssimo mais rápido. E permitem outra coisa também: dão muita robustez à Economia e portanto permitem absorver erros. Os chineses, ou os indianos, têm feito muitos erros na condução da sua política económica e constantemente a imprensa ocidental aponta esses erros como sendo catastróficos e na realidade pouco se passa, há uns acertos e a Economia retoma o crescimento.

Porquê? Porque quando se tem essa almofada da poupança é evidente que se absorvem erros com muito mais facilidade. Quando se está ali à pele a gastar tudo o que se tem e a pedir emprestado para se gastar ainda mais é evidente que o mais pequeno erro faz-nos ficar totalmente despidos de qualquer protecção ou fonte de solidez.

A poupança é, portanto, muitíssimo importante. Portugal foi durante muitos anos um dos países com taxa de poupança do Mundo. Reparem que entre 1960 e 1972, pleno salazarismo e marcelismo, Portugal foi a segunda economia com crescimento mais rápido do Mundo. Mais que nós só Taiwan. Extraordinário: em plena ditadura, emigração, guerra de África e tudo aquilo, Portugal consegue crescer mais rápido que todo o Mundo excepto Taiwan, um crescimento na ordem dos 7% ao ano.

Porquê? Porque temos uma taxa de poupança altíssima que permitiu financiar muito investimento e tínhamos acabado de entrar na EFTA que nos deu a entrada nos mercados europeus e uma capacidade orientadora extraordinária. Digamos que de uma forma foi a frugalidade dos portugueses na altura que permitiu o crescimento económico e, por outro lado, a decisão de entrar na EFTA, que realmente ao contrário de todo aquele isolacionismo do governo salazarista e tudo mais, foi uma porta que se abriu e que permitiu um grande crescimento económico.

Portanto, reparem a importância que a poupança tem. Foi este o activo que tivemos e esbanjamos completamente. A partir do momento em que não há poupança não podemos investir. Se não podemos investir, mesmo sem poupança, temos de pedir emprestado, o que nos faz ficar completamente dependentes do estrangeiro.

Se investimos mal não podemos pagar aos estrangeiros e ficamos inevitavelmente arrumados. Não é preciso nenhum doutoramento em Economia para saber isto, não é verdade? Portanto, a poupança é um elemento essencial e é isso que se está a passar agora. Estamos de facto a voltar a um crescimento da poupança extraordinariamente importante e muitíssimo desejável.

Ao pôr o país de volta nos carris é preciso fundamentalmente poupar mais, poupar ao nível europeu. Não é preciso voltar aos 35% que havia na altura do Dr. Salazar, mas sim é necessário voltar pelo menos à média europeia, pelo menos, aos 20% ou 25%, que é o normal na Europa. Se conseguirmos lá chegar então temos outro crescimento económico com condições completamente diferentes.

Qual é a importância que este aumento da poupança está a ter? É claro que este aumento faz-se travando o consumo e este caiu como vimos. É isso que está a gerar toda esta incerteza no que respeita às receitas fiscais. Uma grande parte das receitas fiscais – como vocês sabem – são impostos sobre o consumo, nomeadamente o IVA, ou IA, ou os impostos sobre os combustíveis. É uma série de impostos que representa uma parcela brutal do orçamento do Estado e que são impostos sobre o consumo.

Portanto, quando o consumo cai os impostos caem. O facto de o consumo estar a cair mais do que se pensava inicialmente faz com que os impostos caiam mais do que se pensava. Em certa medida – se quiserem – o que se está a passar com as receitas fiscais é um bom sinal, é um sinal que a Economia está a reajustar muito mais depressa do que toda a gente pensava.

Agora, não está a ter um impacto tão grande quanto isso no crescimento económico. Há de facto uma recessão, como é óbvio, mas se tivéssemos uma recessão comparada com a queda do consumo seria muito pior. Porquê? Porque uma grande parte do consumo é importada. Portanto, ao cair o consumo caem também as importações. Estão a perceber? Isto é, uma grande parte daquilo que gastamos em consumo não é para estimular a economia portuguesa, é para estimular as economias estrangeiras.

Por exemplo, a compra de automóveis caiu 50% mais ou menos, a compra de combustíveis caiu bastante, vão aos supermercados e vêem que desapareceram os produtos exóticos e de luxo, os mais extravagantes, não é verdade? Porque realmente ao haver um regresso à poupança o principal sacrificado são as importações e portanto o impacto na Economia é muito mais pequeno do que se poderia pensar.

É por isso que em certa medida eu considero que isto é muito positivo para o país, precisamente porque representa pô-lo num certo equilíbrio e ao mesmo tempo com bases mais sólidas para o futuro.

É claro que a poupança precisa de incentivo e hoje estamos a observar uma coisa muito interessante que é o regresso dos Portugueses aos produtos financeiros. Pensava-se que isso era impossível, mas não. Hoje são muitas as empresas que estão a emitir obrigações a 6%, empresas grandes, tranquilas, que de repente se tornaram atraentes para os Portugueses. Está a haver um regresso a estes instrumentos, o que é muito positivo, é bom para as empresas, sobretudo quando não há crédito, é bom para as famílias que vêem a sua poupança bem remunerada e é bom para o país que fica menos dependente do capital externo.

Portanto, prova-se que os portugueses até respondem bem aos incentivos para poupar e muitas vezes são as pessoas de mais idade que têm poupanças acumuladas que gerem com cuidado e que vêm investir nestes produtos.

Agora, notem que há aqui um aspecto extremamente interessante: quando compro obrigações da SEMAPA, ou EDP, ou REN, ou seja do que for, tenho um rendimento seguro, pois estou convencido que não vão à falência, mas e se Portugal sair do euro? Aí se calhar fico a perder. Mais valia comprar obrigações alemãs do que portuguesas.

Isto mostra que a maioria das pessoas que investem nestas obrigações não tem medo da saída do euro. Isto é, têm mais confiança no futuro do país e na capacidade do país de ultrapassar esta crise do que aquilo que nós lemos nos jornais todos os dias. Os investidores portugueses, o pequeno aforrador – porque isto é vendido no retalho -, estão dispostos a comprar produtos financeiros portugueses, o que significa que acreditam que esses produtos vão ser sólidos, rentáveis e que não há crise monetária e financeira no nosso futuro.

 
Duarte Marques
Muito obrigado, professor. Dou agora a palavra ao João Estrela do grupo Cinzento.
 
João Estrela
Bom dia a todos. Professor doutor António Borges, tendo sido nomeado pelo Governo responsável pelas privatizações, pergunto-lhe se não acha que em vez de investirmos em vender as empresas públicas que dão lucro não devíamos tratar de tirar o peso das empresas que dão prejuízos ao Estado, podendo assim tornar as empresas lucrativas mais benéficas para este?
 
António Borges

Muito bem. Em primeiro lugar uma correcção, eu não sou responsável pelas privatizações, sou um consultor do Governo, que estuda osdossiers, faz algumas propostas e depois quem decide ou não é o Governo.

Eu não decido nada, atenção, nem tenho responsabilidade nenhuma nessa matéria. Sou apenas consultor do Governo, dos vários ministros que têm responsabilidade na área, esses sim que têm a responsabilidade na área das privatizações e em geral as decisões costumam ser tomadas no Conselho de Ministros. É o Conselho de Ministros que decide, evidentemente em última instância, todas as privatizações.

Em segundo lugar, não podia estar mais de acordo consigo. As privatizações não são feitas com base no lucro. A grande maioria delas é feita com vista no interesse nacional, por isso o que interessa é encontrar um modelo que permita defender a Economia nacional, as empresas que estão a ser privatizadas, torná-las mais eficientes, permitir que elas cresçam e desenvolvam.

Ao mesmo tempo, como disse e muito bem, de facto libertá-las de forma a deixarem de ser um peso para o Estado; as duas coisas: libertá-las do peso do Estado e que elas deixem de ser um peso para o Estado. Reparem, por exemplo, num caso evidente que é a TAP. A TAP é uma empresa das mais importantes para o país, é dos nossos maiores exportadores, a exportação neste momento é uma extrema prioridade; é uma empresa que tem uma posição muito forte no mercado, ao contrário da grande maioria das companhias de aviação de países pequenos que não têm grande mercado, estão limitadas ao seu país e pouco mais.

A TAP construiu para si mesma um mercado gigantesco, no Brasil e em África, com um potencial extraordinário. Por isso, é um activo da maior importância. O que é que se passa com a TAP? Por duas razões muito claras a TAP está condenada, se não for privatizada desaparece. Porquê? Em primeiro lugar porque a TAP é do Estado e como tal não consegue resolver os seus problemas.

Todo e qualquer problema da TAP é político, não é empresarial, seja que problema for e isto vai manietar toda e qualquer administração. Portanto, é sempre uma empresa que não pode ser bem gerida. Cada vez que há um problema a administração diz: "Senhores governantes, se faz favor, decidam”. E não têm outra hipótese, pois seja qual for o assunto tem sempre uma importância política que acaba por ultrapassar.

Isto não é maneira de gerir uma empresa, nunca foi. A TAP não tem capacidade de resolver os seus problemas enquanto se mantiver no controlo do Estado, por isso a privatização procura encontrar um parceiro que tome conta da TAP e que faça uma boa gestão da TAP. Ponto número dois: a TAP é uma empresa completamente descapitalizada. Tem uma posição no mercado fortíssima, mas não pode tirar proveito dela, não pode investir, tem muita dificuldade em comprar aviões e em pegar nesta posição fantástica e tirar verdadeiramente proveito dela.

Mas o Estado também não pode pôr lá um tostão; primeiro, porque não tem; segundo, porque a Europa não deixa. Porque toda a problemática de meter dinheiro do Estado significa que se o Estado metesse dinheiro na TAP estava a praticar concorrência desleal.

Portanto, na actual conjuntura se a TAP não fosse privatizada, seguramente ia definhar e desaparecer. Além do mais, historicamente, a TAP tem tido prejuízos, uns atrás dos outros, por razões que acabo de explicar: está subdimensionada; porque tem uma gestão política, não consegue resolver os seus problemas e portanto é um peso orçamental enorme ao longo dos anos.

De facto, o objectivo aqui é, para já, acabar com este peso para o orçamento de estado; segundo, libertar da tutela política e terceiro, criar condições para que a empresa possa crescer e desenvolver-se de uma forma que é extremamente importante para a Economia portuguesa.

O mesmo se passa com outras privatizações, como a ANA, por exemplo, em que o objectivo não é só o encaixe. É claro que temos a obrigação de ir buscar todos os tostões que somos capazes, pois o país precisa desse capital, mas o objectivo é que se trata de um sector principal, o da aviação.

Mesmo hoje, reparem que o tráfego aéreo continua a crescer, em plena recessão, mês após mês, ano após ano. Portanto, sendo um sector de grande importância para o país temos de criar condições para ele continuar a crescer. Esse é que é o objectivo número um das privatizações.

 
Duarte Marques
Muito obrigado, professor. Tem a palavra Eduardo Bragança do grupo Castanho.
 
Eduardo de Bragança

Bom dia. Queria cumprimentar a mesa e também agradecer ao professor António Borges pela introdução também aqui a esta temática das privatizações.

Vou correr o risco de agora incorrer num exercício interessante que é o da minha pergunta que vem também exactamente no sentido das privatizações. Vou tentar acrescentar algo útil à apresentação que o meu colega fez.

Espuma dos dias à parte, aqui o grupo Castanho tinha pensado numa pergunta sobre as privatizações mas mais numa óptica de enquadramento genérico que pode ou não ter Portugal como base. Portanto, é uma pergunta de enquadramento. Assumindo como vector transversal, este processo de privatizações, o facto de vivermos num mundo possível com os compradores e investidores possíveis e tendo como base o propósito de acrescentar o máximo de valor a cada transacção, gostava de ouvir a sua visão sobre três perspectivas de privatizações.

Uma primeira será a perspectiva que está em debate nacional e gostava de ouvir a sua visão sobre ela: a privatização como nacionalização indirecta por estados estrangeiros. Um segundo ponto: a privatização como a transferência dos centros de decisão para outras geografias com uma geopolítica potencialmente distinta da nossa e se isso faz ou não sentido num estado-nação como Portugal com a sua dimensão.

E agora talvez o ponto mais distinto da intervenção do meu colega: o fenómeno de privatização como factor justificativo de uma descida da carga fiscal a médio-longo prazo.

Muito obrigado.

 
António Borges

O da carga fiscal é o mais simples de todos, porque evidentemente que quando o Estado privatiza está a fazer, em muitos casos, duas coisas: a libertar-se de um peso, porque muitas destas empresas que estão a ser privatizadas representam hoje um peso muito grande para o orçamento de Estado e os exemplos são múltiplos. Por outro lado, está a vender activos, a realizar um encaixe que abate dívida pública e portanto reduz a carga fiscal futura.

Efectivamente, temos hoje uma carga fiscal elevada, não é das mais altas da Europa mas é alta. Portanto, temos de ter essa preocupação: não deixar os impostos subir por aí fora e mesmo com esse objectivo as privatizações têm a sua razão de ser.

Mas a razão de ser principal não é essa, a razão pela qual achamos que as privatizações são tão importantes é que representam uma lógica de funcionamento das empresas completamente diferente. Uma empresa que é do Estado, uma empresa que tem uma tutela do Estado, tem sempre uma tutela política.

Os senhores bem vêem, por exemplo, o que é o drama no país cada vez que se fazem nomeações para as empresas que não são privatizadas, do Estado, ou para as empresas em que o Estado tem influência de uma maneira ou de outra. É uma coisa dramática, as escolhas são sempre questionadas. Mesmo quando o Governo não quer intervir, quando diz que não teve uma palavra nas nomeações da EDP e no entanto os privados escolheram nomear para a EDP pessoas próximas do Governo.

Porquê? Porque acham que nomeando pessoas próximas do Governo ficam apoiados, ou confortados. Portanto é este modelo que temos de questionar. As empresas são uma coisa e o Governo é outra coisa, são coisas completamente diferentes. Precisamos que as empresas tenham uma lógica empresarial de eficiência, de competitividade, temos de criar concorrentes, todas elas têm de ter concorrência e se não tiverem têm de ser altamente reguladas mas por reguladores independentes, separados das empresas – o Estado não tem de gerir empresas, não gere bem em país nenhum praticamente, com a excepção da Escandinávia.

A Noruega e a Suécia são os únicos países onde eu vi empresas públicas realmente bem geridas, o resto em geral é um desastre. E faz muita pena ver empresas muito boas que não se afirmam como podem, porque estão sujeitas a tutelas políticas que acabam sempre por secundarizar as empresas ao interesse político de quem está no poder, ou seja quem for.

A questão fundamental é essa: quebrar a ligação entre empresas e poder político. Neste sentido, por exemplo, não me preocupa tanto se for um Estado estrangeiro a tomar conta. Não é desejável, mas quebra a ligação entre o governo português e a empresa portuguesa. Esse é que é o ponto, é que o Estado pode tratar o governo estrangeiro como trata qualquer outro concorrente.

Enquanto, se tiver os seus próprios agentes a gerir as empresas, cria-se aquela situação que nós conhecemos, que acaba por deturpar completamente a gestão. Não estou a dizer que seja uma situação favorável, mas claramente é melhor do que se manter tal e qual como está hoje nas mãos do Estado.

Depois, vem toda a polémica dos centros de decisão nacionais. Há muitos anos atrás, já foi talvez no início dos anos 90, ou perto disso, apareceu um manifesto a favor dos centros de decisão nacionais. Cá em Portugal gostamos muito de manifestos e volta e meia aparecem. Apareceu um manifesto a favor dos centros de decisão nacionais, que eu assinei, entre outros economistas.

Foi redigido pelo meu amigo Vítor Bento, que todos conhecem, que foi conselheiro de estado e foi escrito com muita cautela. Por isso é que pude assinar. O manifesto dizia justamente que se os centros de decisão puderem ser nacionais era melhor, porque realmente por um lado queremos ter um melhor controlo sobre os nossos activos e as nossas empresas e se forem estrangeiros muitas vezes acontece que eles dão privilégio aos seus nacionais.

Portanto, ter todas as empresas portuguesas geridas por espanhóis, italianos, alemães e ingleses, não é propriamente o modelo que temos em vista. O problema não é esse, mas sim que a lógica de defesa dos centros de decisão nacionais têm levado a uma espécie de chantagem que faz com que as empresas consigam extorquir ao Governo toda a espécie de protecção, de ajuda, de apoios, sobretudo o condicionamento da concorrência por forma a manter a empresa por controlo de nacionais.

Isso acaba por viciar completamente o funcionamento das empresas e destruir o seu valor económico e acaba por ser uma peso terrível para o país. Isto é, quando as empresas partem do princípio que têm de ser um centro de decisão nacional e que o Governo tem de fazer tudo o que puder para manter esta situação, acabou-se a disciplina.

Sobretudo passa-se para outra escala, pois os dirigentes passam a ter como único objectivo não a sustentabilidade da empresa, a rentabilidade, mas o império, aumentar o seu alcance, o universo no qual são o centro de decisão. Aquilo a que assistimos em Portugal nos últimos anos foi justamente isso: uma série de empresas apoiadas pelo Estado com o único objectivo de ganhar mais poder no país, mais alcance nas suas decisões, porque sabiam que o Estado lá estava para as proteger da concorrência, arranjar financiamento se for preciso, esconder prejuízos quando eles existiam, entre outros.

Isso vicia o funcionamento da Economia e acaba por perder valor, como nós constatamos e infelizmente só quando o problema já está catastrófico é que nos apercebemos do que se está a passar.

 
Duarte Marques
Muito obrigado, professor. Dou agora a palavra ao Rafael Dias de Almeida do grupo Laranja.
 
Rafael Dias Almeida

Bom dia. Professor António Borges, recentemente o Governo aprovou um diploma que instituiu a prestação de trabalho social por parte dos beneficiários do RSI em idade activa, uma medida defendida por muitas figuras da nossa sociedade mas que por motivos eleitoralistas nunca fora aplicada pelo anterior Governo.

Existe uma citação atribuída a Milton Friedman que assenta na premissa de que o nosso sistema político se baseia em aumentar os impostos sobre o trabalho e subsidiar o não-trabalho. Como podemos incentivar a faixa da população que se acomodou, a olhar para o mercado e a querer ser competitivo, a perceber que o tempo de um Estado excessivamente paternalista tem de acabar e que está na altura de ser competitivo, trabalhar e tornar Portugal num país onde a massa de trabalhadores permite chamar trabalhadores de fora e reinventar Portugal a nível internacional?

Obrigado.

 
António Borges

Muito bem, é uma questão pertinente porque tem que ver com toda a problemática da produtividade e da contribuição dos trabalhadores para o progresso e para o futuro do país, sem a qual não se consegue nada, não é verdade?

Em primeiro lugar, relativamente ao RSI convém ter presente que esta exigência de que para receber o RSI as pessoas têm de estar disponíveis para trabalhar é muito comum no estrangeiro. Por exemplo, nos Estados Unidos há muitos anos que não háwellfare without work, não há, as pessoas têm de estar disponíveis para trabalhar e no que aparecer, senão não têm direito a receber.

Compreende-se que a pessoa seja desfavorecida, desafortunada, por alguma razão, não consegue emprego, tem dificuldades e portanto merece o apoio da sociedade, sem dúvida, mas tem de estar disponível para trabalhar, nem que seja a favor da comunidade. Isso é uma lógica de disciplina que faz todo o sentido: a comunidade apoia e tem alguma coisa em troca, além de que representa um incentivo muito mais racional.

De facto, toda a problemática do Estado Social é essa. Nós precisamos de facto de apoiar os desfavorecidos, ninguém pode negar isso, mas a questão é fazê-lo bem, inteligentemente, sem distorcer incentivos. Se estou numa situação em que trabalho bem, ou mal, falto, ou não, sou preguiçoso ou não, e tenho sempre o mesmo rendimento, sempre as mesmas garantias, é evidente que isto não é bom para ninguém, não é bom para o trabalhador nem para a empresa.

Isto assim é mesmo incentivo para que as pessoas se desinteressem, se desleixem, não é? Vou-vos contar uma história que acho extraordinária e é extremamente reveladora do que estou a dizer. Regressei para Portugal em 1990, depois de estar muitos anos no estrangeiro, fui trabalhar para a universidade e o departamento tinha lá uma secretária. Quando eu cheguei disseram: "Senhor doutor, tem um problema com esta secretária.”Perguntei porquê e responderam-me: "Porque ela recusa-se a trabalhar. Vem, traz um romance e está aí a horas e sai a horas, mas passa o dia a ler o romance”.

Eu fui falar com ela e perguntei-lhe: Mas o que é que se passa? Dizem que você não quer trabalhar? Ela respondeu-me: "Ah, pois não, é que eu sou sobrequalificada. Eu era aqui secretária, mas entretanto formei-me, tenho uma licenciatura e portanto já não sou qualificada como secretária, recuso-me a trabalhar como secretária.”

Na tentativa de resolver a situação perguntei-lhe o que é que ela achava que era compatível com a formação dela. Ela respondeu:"Dar pareceres e se não for assim não contem comigo.”[RISOS]

Fui falar com as autoridades e não se pode fazer nada, só processos disciplinares e disseram-me logo para nem sequer pensar nisso. A senhora lá ficou a ler o seu romance todos os dias à custa do erário público e de facto, o que é que podemos dizer?

Isto é rocambolesco, mas é verdadeiro. Não se aplica à grande generalidade dos portugueses, mas de facto o incentivo a não merecer o emprego existe, porque aconteça o que acontecer a situação não se altera. É isso em que realmente é preciso ter um grande cuidado: por um lado, o comportamento positivo, que contribui para a produtividade, para o crescimento da empresa, ser bem recompensado e aqueles que decidem pela outra opção fiquem para trás.

Tem de haver essa distinção. Agora, deixem-me dizer-lhe duas coisas: a experiência da grande maioria das empresas portuguesas não é tão má quanto isso, não têm razão de queixa, são pessoas que trabalham, que têm brio, orgulho no que fazem e sentem-se parte da colectividade e querem que as coisas avancem. Depois, há casos que se tornam muito mediáticos, de empresas completamente minadas por factores políticos, sindicatos politizados e não-sei-que-mais, em que as coisas são quase uma guerra civil permanente.

Mas esses casos são relativamente excepcionais e isso reflecte-se no facto de haver poucas greves e as que há não têm quase sucesso nenhum, porque a grande maioria da população não é tão mau quanto se pensa.

Depois, também temos de ter presente que temos alguns sindicatos que são bastante construtivos. Falam com alguns dirigentes da UGT e eles dizem que o grande problema do país é a falta de produtividade. Portanto, temos de resolver esse problema. Depois, também querem naturalmente a recompensa das melhorias, mas são os primeiros a pôr em cima da mesa a questão central: como é que melhoramos a produtividade?

Só esse comportamento é que permite um acordo de concertação social como houve no Outono passado, que foi uma coisa que deixou o Mundo inteiro de boca aberta. Como é que é possível num país ao fim de seis meses, ao contrário da Grécia, ter um acordo em que se muda radicalmente as coisas na maneira de se trabalhar em Portugal com o acordo dos sindicatos, do sindicato mais importante; isto de facto deixa-nos encorajados. Temos, por um lado, de reconhecer a importância dos sindicatos quando eles são construtivos e reconhecer que isso também implica que têm a sua autoridade e o seu direito para lutarem por eles.

 
Duarte Marques
Muito obrigado, professor. Dava agora a palavra à Andreia Almeida do grupo Azul.
 
Andreia Almeida

Em nome do grupo Azul, gostaria de congratular a organização da Universidade de Verão pela presença ilustre do Dr. António Borges.

O cenário histórico que nos retratou de Portugal não é de todo aquele com que nos deparamos com um peso do pessimismo. Tendo vigente que não se pode viver do crédito para sempre e aniquilando todo o problema do défice, está, como disse, na altura de relançar o crescimento económico sustentado num modelo europeu cada vez mais exigente e competitivo.

A racionalidade económica tem sido um dos nossos problemas, pensar estrategicamente para fazer valer as nossas vantagens competitivas, veja-se o investimento não-produtivo do passado. Gostaria de saber quais são para si os sectores que podem catapultar o crescimento e, por oposição, aqueles que são o nosso calcanhar de Aquiles.

Na sua opinião quais são os mercados promissores para a panóplia de produtos que nos caracteriza?

Obrigada.

 
António Borges

Tem toda a razão: aquilo que é importante para o país é de facto relançar o crescimento económico noutra base, com outra política. Aquilo que foi de facto o extraordinário esbanjar de recursos em todos esses anos representou uma política mal conduzida. Este é que é o grande problema quando o Estado se põe a dirigir a Economia. A possibilidade de errar é enorme e assim aconteceu.

Então quando se começa a misturar interesses económicos e interesses políticos e quando eles em conjunto começam a decidir o que é que se faz e o que não se faz e para onde é que vai o dinheiro, é evidente que é o país inteiro que paga um preço altíssimo. Foi exactamente aquilo que aconteceu.

Aquilo que aconteceu nos últimos anos, neste Governo anterior, é que as decisões económicas, de investimento e financiamento, eram tomadas empetit comitépor um ou dois empresários e dois políticos, em geral com o Primeiro-Ministro, seguido de um telefonema para os bancos a dizer para se dar um crédito para ali e outro para acolá, e a coisa estava resolvida.

Resultado: bancarrota. Tenhamos consciência do que se passou exactamente. Portanto, toda e qualquer pessoa que defenda um modelo dirigista em que o Governo é que diz para onde é que vai o dinheiro, quem é que privilegiamos e quem é que não privilegiamos, é uma decisão sujeita a este tipo de consequências. Claro que o caso português terá sido talvez um caso extremo, mas é um caso dramáticos nos seus resultados.

Portanto, mais eficiente é vacinar - a meu ver – toda a gente quanto a esse modelo. Note-se que há outra questão muito importante nisto: é precisamente por este modelo ter levado a uma perda de competitividade como ilustrei ali nos gráficos (a produtividade a não subir, etc.) significava que era um modelo que estava condenada.

Logo, o Governo andou a protelar a mudança, a correcção, estimulando o mercado interno com os argumentos do New Deal, muito usados pelo Primeiro-Ministro: "temos de gastar mais”, dizia o Primeiro-Ministro da altura.

Como no mercado externo não tínhamos grandes possibilidades pois estávamos a perder competitividade, então estimula-se o mercado interno e faz-se um crescimento orientado para aí. Um resultado ainda mais catastrófico, pois não só fomos perdendo eficiência, nos endividando e ficando com todos esses prejuízos, mas também ficámos com a Economia mais fechada.

Portanto, ao contrário daquilo que significava a nossa entrada no euro, que era uma economia mais aberta e mais integrada, ficámos exactamente com o oposto, uma economia mais fechada e portanto mais longe do centro de prosperidade que é o resto da Europa.

O que é que significa o oposto disso? Significa basicamente em primeiro lugar abrir a Economia, permitir concorrência, chamar os estrangeiros para virem concorrer em Portugal para disciplinar as nossas empresas. Muitas das empresas que prosperaram loucamente em Portugal nos últimos anos foram as que prosperaram à custa da protecção. Isto é, da proibição da entrada de estrangeiros no país.

Ficaram com monopólios enormes, com redes excessivas, como toda a gente sabe. Como é que se combate isso? Com mais concorrência, chamando empresas estrangeiras para competir, pois isso introduz eficiência da qual todos nós beneficiamos. Esse é um primeiro ponto: abrir a Economia, orientar o crescimento económico para a exportação, pois evidentemente que uma empresa que exporta é uma empresa ganhadora, competitiva, senão não consegue.

Aí está o teste da eficiência automaticamente garantido: só quem tem bons produtos e sabe vendê-los é que pode vingar na exportação. De facto já temos aí outra garantia de racionalidade. Depois, é encontrar – e aqui é que está toda a ciência, se quisermos, da boa gestão – nichos de mercado em que nós somos bons e são muitos em que temos competência e capacidade para fazer melhor do que outros.

Muitas dessas empresas já existem mas não conseguem crescer ou não têm acesso. Reparem, por exemplo, em empresas altamente tecnológicas que têm tido imenso sucesso em Portugal; o que é que geralmente lhes acontece? São compradas. Vem um estrangeiro qualquer, põe uns cem milhões em cima da mesa e as pessoas vendem.

Porquê? Porque sabem que Portugal não os acarinha, não os apoia, não os permite crescer rapidamente, por isso pensam que é melhor ficarem já com uns 700 milhões e pronto, já fizeram a sua fortuna.

Ora bem, isto é um resultado precisamente de uma orientação política contrária às empresas novas e a favorecer as antigas e já existentes. Agora, como é que se escolhem as empresas novas? Não se escolhem, tem de se deixar que elas apareçam, tem que se criar condições para que elas apareçam, têm de acarinhar e apoiar no sentido de fornecer as condições para elas singrarem, mas não é ao Governo que compete escolher, porque ao dizer que se quer uma está-se a prejudicar outra e se calhar essa é que tinha interesse.

De facto, sou favorável a uma situação em que se criem condições para que as empresas vinguem e depois logo se verá quem é que aparece com mais capacidade e com mais condições para singrar. Aqui é preciso ter ideias muito, muito claras. Como sabem, tive uma intervenção no caso da Cimpor como parte das minhas funções de consultor do Governo.

Trata-se de um grande empresa portuguesa que foi vendida a interesses brasileiros há muitos anos atrás e depois os brasileiros entenderam-se lá entre eles e um deles ficou com o conjunto da Cimpor e tomou o controlo da empresa. Nessa altura fui chamado à assembleia da república para explicar porque é que eu tinha recomendado essa operação ao Governo.

O deputado do partido comunista que estava presente nessa sessão da comissão de Economia fez um discurso em que basicamente dizia:"Como é que é possível que um sector tão importante para o país, como o do cimento, não esteja controlado pelo Estado?”. Eu disse-lhe: Ó meu caro amigo, se você acha que o cimento é o futuro do país, então o senhor está no século XIX.

[APLAUSOS]

Ora nós temos hoje - e isto também se dirige a vocês – uma elite e com esta palavra vão muitas responsabilizações, é uma elite jovem de grande potencial. Sabem que eu estive e ainda estou muito ligado ao ambiente universitário do mundo inteiro e sei do que estou a falar, não estou aqui com ilusões.

Comparo as pessoas que saem das melhores universidades portuguesas com as que saem das melhores universidades estrangeiras e não há diferença nenhuma; os portugueses, se calhar, até são melhores. Portanto, sai muita gente da universidade, em Ciências, em Engenharia, em Gestão, em Medicina, no que quiserem, que fica tão bem ou melhor do que os seus melhores concorrentes do que na Europa toda.

Este é o ingrediente número um para uma nova economia, novas indústrias, inovação, alta tecnologia, ciência aplicada nas empresas, etc. Esse ingrediente, nós temos e muitos investidores estrangeiros já se deram conta e a prova disso está em virem cá para recrutarem pessoas. Portanto, o que precisamos é de uma política económica diferente, que encoraje a que estes recursos sejam utilizados em Portugal, em empresas portuguesas, emstart-upsnacionais e realmente noutro segmento de indústrias que não as do século passado.

 
Duarte Marques
Muito obrigado, professor. Dou agora a palavra à Margarida Gervásio do grupo Encarnado.
 
Margarida Gervásio
Nós sabemos que o Professor doutor colaborou com a União Europeia na criação da União Económica Monetária e isso deu-lhe uma experiência e conhecimento únicos e é a partir daí que gostávamos de perguntar se na altura, quando isto foi criado, se foi tida em conta a possibilidade deste cenário de crise em que vivemos actualmente.
 
António Borges

É uma pergunta muito interessante e de facto está presente em muitos discursos e posições políticas até ao mais alto nível, nomeadamente no mundo anglo-saxónico (Inglaterra, Estados Unidos). Há muita gente que diz que o euro está ferido de morte, porque o modelo, tal como foi constituído, está errado e não pode nunca funcionar.

O senhor David Cameron, ainda não há muito tempo, fazia um paralelo entre a União Europeia e o Reino Unido dizendo que o Reino Unido compreende-se porque a Escócia e a Inglaterra estão de tal maneira integrados que faz sentido que tenham uma moeda única, agora a Europa não, por várias razões.

Não é que a situação inglesa dê alguma vantagem à Inglaterra que está numa recessão pior que países da zona euro e a Escócia quer tornar-se independente, mas foi o exemplo que ele escolheu para atacar o euro. De facto, pode-se pôr a questão: os senhores não previram na altura?

Participei em 1992-1993, estava no Banco de Portugal e participei na elaboração do Tratado de Maastricht e da criação dos estatutos e tudo isso do Banco Central Europeu (BCE). Alguns dos artigos, aliás, até foram escritos por mim. Na verdade, na altura, preocupou-nos mais a indisciplina das finanças públicas, desde o primeiro dia. Toda a gente sabia, na altura, que se as finanças públicas não fossem disciplinadas a união monetária entrava em colapso.

Portanto, desde o primeiro dia que aparece um limite aosdeficitsorçamentais, no Tratado de Maastricht. E na altura fomos muito criticados por isso. Todos os economistas Keynesianos achavam que não devia haver limite aodeficitpúblico porque estávamos a limitar a política económica e apesar disso ficou no Tratado e lá está.

De facto, se tivesse sido cumprido o Tratado não tínhamos tido a crise que temos. Não tenham a mais mínima dúvida. A crise resulta do facto de nunca ninguém se ter preocupado, a começar pela própria Alemanha, com o cumprimento das regras de Maastricht e portanto, a partir daí quando começaram comdeficitsinaceitáveis, de 10% e 15% ao ano, como aconteceu na Grécia e assim, é evidente que não havia união monetária que resistisse, não é?

Nesse aspecto o modelo estava certo, a execução é que falhou, quando os países se recusaram a impor essa disciplina a si próprios. Note-se que, em boa verdade, o que se passou na Grécia e em Portugal tem grande cumplicidade das autoridades que durante muito tempo escolheram fechar os olhos. Houve muita falta de disciplina que as autoridades europeias toleraram, aceitaram, deixaram andar e de facto, sendo assim, as coisas depois correm muito mal.

Agora, não quer dizer que o modelo fosse perfeito e agora há a possibilidade de mudar porque entretanto aprendemos com a experiência. Talvez a maior diferença, desde essa altura até agora, está nas responsabilidades do Banco Central Europeu.

Na altura – e isso posso vos dizer porque estive lá e assisti a tudo – a obsessão alemã e nomeadamente do Bundesbank era que o BCE tivesse só um objectivo: a inflacção e estabilidade de preços. Portanto, não podia haver mais nada nas obrigações do BCE, no estatuto e no mandato, que não fosse uma taxa de inflacção muito baixa, tudo o resto era secundário e devia ser excluído para não comprometer aquela orientação.

Nos Estados Unidos da América, por exemplo, o Banco Central que é a Reserva Federal tem vários objectivos: estabilidade de preços, mas também o desemprego, o crescimento económico e no meio disto tudo acaba por ter uma performance muito diferente dos europeus, muito mais tolerante para a inflacção, entre outros.

Ora, os alemães não queriam isso, queriam uma completa focalização na inflacção e que mais nada interesse ao BCE. Hoje estamos a mudar de ponto de vista, pois estamos a dizer que o BCE também precisa de se preocupar com a estabilidade financeira e em particular que só o BCE pode intervir quando há problemas ao nível do sistema bancário.

Portanto, como sabem, houve agora toda esta polémica por causa do apoio aos bancos espanhóis e graças a essa situação deu-se um grande passo em frente quando se permitiu que o apoio aos bancos espanhóis pudesse ser feito pelos fundos europeus e não pelo Estado espanhol, sob condição de que os bancos espanhóis fossem supervisionados pelo BCE.

Isto é uma mudança radical de paradigma, porque estamos a dizer que o Banco Central Europeu agora também passa a ter responsabilidades de supervisão dos bancos. Isto é de facto um bom passo em frente, porque sendo o BCE a única salvação para os bancos, o chamadolender of last resortpara o sistema bancário, é muito importante que saiba exactamente o que se está a passar em cada banco. Para quando for a altura de tomar a decisão tomá-la com tranquilidade e dizer: "Estou confiante que o banco está bem, está aqui o dinheiro”.

Isso que está agora em cima da mesa e que implica uma grande mudança no BCE é, a meu entender, um grande passo em frente.

 
Duarte Marques
Muito obrigado, professor. Dou agora a palavra ao António Reymão do grupo Roxo.
 
António Malheiro Reymão

Muito bom dia. Em nome do grupo Roxo queria desde já cumprimentar a mesa e em especial o Dr. António Borges e dizer-lhe que é uma honra tê-lo aqui.

A minha pergunta é relativa às parcerias público-privadas e é a seguinte: embora percebamos que as parcerias público-privadas implicam um risco de ruína para o parceiro público, como podemos aprender com este erro de modo a evitar erros semelhantes no futuro?

Com a sua vasta experiência, peço-lhe para comparar o caso português com a realidade das parcerias público-privadas no Reino Unido que tanto sucesso tem tido. Será que isto tem que ver com uma cultura portuguesa de usar o erário público para financiar interesses privados?

Muito obrigado.

 
António Borges

Exacto. A sua última afirmação vai directa ao alvo. Como sabem, criou-se em Portugal o conselho das finanças públicas, dirigido pela Dr.ª Teodora Cardoso que vem do Banco de Portugal, é um economista reputada, independente e que não tem nenhum particular predilecção pelo actual Governo no poder.

No entanto, na cerimónia de inauguração do anúncio de criação do conselho das obras públicas ela começou por aplicar no ecrã uma citação do senhor Alexis de Tocqueville em que ele diz justamente que a Democracia é um grande regime até os políticos se darem conta que podem comprar os eleitores com o próprio dinheiro dos eleitores.

Portanto, isto explica exactamente e reparem que não é inocentemente que a Dr.ª Teodora Cardoso faz esta citação, pois aplica-se exactamente às PPP portuguesas. Como comprar apoios políticos de toda a espécie com o dinheiro dos próprios contribuintes, não é verdade?

As PPP são um modelo importante e tivemos cá em Portugal algumas bem-sucedidas noutro tempo. Tivemos casos como o da Brisa, por exemplo, da auto-estrada A1 que existe há muitos anos e funciona bem.

Quanto muito será talvez uma rentabilidade excessivamente boa para a Brisa, mas fora isso tem corrido dentro da normalidade e representou uma possibilidade de fazer um investimento que o estado não podia ter feito e os privados fizeram em condições de que toda a gente beneficia.

Portanto, o problema não é com o modelo em si, embora ele não seja fácil. Quando comecei a trabalhar como consultor do Governo, também nesta área, fui imediatamente a Inglaterra, justamente, onde existe um conselho para as PPP, presidido por um senhor que conheço bastante bem, antigo presidente da Shell e que tem precisamente a obrigação de fazer uma supervisão das PPP. E não é nada fácil criar modelos que funcionem bem.

Porque o que estamos a fazer com uma parceria público-privada é substituirmo-nos ao mercado. É estar a dizer que o mercado não está a funcionar e vamos nós substituir o mercado, criar as condições, os incentivos, fixar os preços, entre outros. Isto é muito difícil de fazer e em Inglaterra enganam-se.

Em Inglaterra há muitas coisas que fizeram de que se arrependem e que se pudessem ter feito de outra maneira tinham feito. Portanto é sempre difícil, mas pode ser uma solução em certos casos. No caso português há aqui várias problemáticas. Uma primeira problemática era a de lançar projectos que não poderiam ser feitos de outra maneira e que se pagariam com o crescimento económico.

Foi o caso das chamadas SCUT, as auto-estradas sem custo para o utilizador. Portanto, os privados faziam a auto-estrada e o Estado ficava a pagar uma renda indefinidamente em função do tráfego. Não havia portagens mas contavam-se os carros e consoante o número que passasse os privados recebiam esse dinheiro.

Isto era um modelo já de si difícil de justificar. Como é que o Estado tem de dinheiro para pagar esse investimento? Era preciso confiar que aqueles investimentos iam ter um tal peso no crescimento económico, que iam gerar rendimento fiscal que o Estado podia usar para pagar. Rapidamente se verificou que havia ali um grande optimismo.

Mas apesar de tudo – a meu entender – foi um modelo relativamente honesto, optimista mas relativamente honesto na sua tentativa. Depois, entrou-se numa segunda fase das chamadas concessões, em que o objectivo já não era bem esse, era – como eu dizia há pouco – estimular o mercado interno, atribuir recursos a certas empresas favoritas do regime e com isso ir criando despesa que mantivesse o país a crescer mesmo face às dificuldades todas que íamos confrontando.

É claro que isto é um crescimento completamente ilusório. Porque como toda a gente percebe, um crescimento à base de despesa financiado com dívida externa, é de loucos, não é verdade?

Mas mesmo assim permitiu durante alguns anos, ao Governo anterior, andar a dizer ao país que estávamos a crescer 1% ao ano, o que na altura já era um grande sucesso. Portanto, permitiu dar uma imagem de crescimento quando na realidade era tudo com pés de barro como depois se veio a verificar.

Mas nesta fase toda a lógica perdeu o sentido e daí – como diz – isto ter-se tornado numa coisa completamente ruinosa para o país. E porque é que a lógica económica perdeu o sentido? Porque todas as justificações foram encontradas e aqui é que claramente entra a desonestidade. É que houve muita gente a fazer estudos para o Governo para justificar as PPP que hoje ninguém tem a mais pequena lata de falar neles, porque são de tal maneira escandalosos e de tal forma escandalosamente longe da realidade que não tem pés nem cabeça.

Mas tratou-se de fazer negócio, toda a gente faz negócio, não é? Portanto, criou-se um sistema de decisões que não tinha qualquer justificação possível, em que se foi canalizando para esses investimentos recursos brutais que o país não tinha, em que se foi pondo os bancos portugueses, sobretudo os que o Estado controlava directamente como a CGD ou o BCP na altura, numa posição vulnerável neste negócio ruinoso e tudo isto apenas para estimular a procura interna, dar uma imagenzinha de crescimento e orientar recursos para as chamadas empresas favoritas do Governo.

Isto como é óbvio não podia acabar bem. Agora que se está a pegar nestesdossierscom o que é que nos confrontamos, com previsões de tráfego que são um quarto das com base nos estudos foram feitos, com rentabilidade completamente inexistente. Se pensarem na auto-estrada de Vila-Real Bragança, foi feita com base numa previsão de tráfego que implicava que metade da população do distrito estivesse sempre na auto-estrada para trás e para diante.

Reparem que o Governo de então nunca quis divulgar esses estudos, não quis que ninguém os visse. Depois, argumentava-se que a justificação económica das auto-estradas era que as pessoas poupavam meia hora e atribuía-se a essa meia hora um valor de dez euros.

Multiplicando isto pelos tais milhões de tráfego dava um valor extraordinário para o país e para a Economia. Isto é completamente uma falha de integridade intelectual, é fictício, tudo isto. Portanto, agora deparamo-nos com uma situação ruinosa – como diz e muito bem – porque não há dinheiro para pagar isto de maneira nenhuma.

Vejam o que é o drama com que se está no Orçamento de Estado a tentar cortar 100 milhões aqui, 50 milhões ali e depois ter que gastar um bilião em rendas às concessionárias de auto-estradas e isto ao longo de quinze anos ou assim. É uma coisa completamente inaceitável sob todos os pontos de vista.

A grande vantagem é que os privados também já se aperceberam que isto não tem futuro nenhum e que não hipótese nenhuma deste negócio se tornar alguma vez interessante. Portanto, evidentemente que existem condições para uma grande renegociação que implicará o fim deste modelo, de uma forma ou de outra, e que as perdas sejam distribuídas por todos de forma minimamente equitativa.

Agora, ficarem como estão é completamente impossível.

 
Duarte Marques
Muito obrigado, professor. Sónia Branco do grupo Rosa.
 
Sónia Cláudia Branco

Bom dia. A minha questão tem a ver com um assunto que também já foi aqui falado, as parcerias público-privadas, porque toda a sua apresentação gerou um bocadinho aquela sensação de que era um conceito sobre o qual tínhamos de aprender com o passado e com erros.

É sabido que as remunerações compensatórias e as más alocações de risco são os principais factores de erro nos contratos sobre o regime de PPP em Portugal. Nesse sentido gostaria de questionar especificamente o seguinte: que lições é que podemos tirar da utilização desses conceitos económicos para evitar que os mesmos erros venham a acontecer no futuro nomeadamente num contexto de privatização da empresa Águas de Portugal por imposição da Troika?

Obrigada.

 
António Borges

Para se tirar as lições do passado, aquilo que o Governo criou foi uma unidade técnica de acompanhamento das PPP ao mais alto nível no Ministério das Finanças, que de facto vai ter como responsabilidade a análise da séria, independente e profunda viabilidade económica e financeira de quaisquer PPP que alguma vez venham a ser postas em prática ou venham a ser consideradas.

Portanto, existe uma responsabilidade de uma unidade concreta para estudar e garantir a viabilidade económica e financeira de uma forma completamente transparente com estudos e análises que têm de vir a público, que podem ser questionadas seja por quem for e que permitem, de facto, outro nível de controlo que nunca existiu anteriormente. Isso é claramente um passo no bom sentido.

O caso das Águas de Portugal é muito especial. É um sector que se pretende privatizar. Quando diz que é por imposição da Troika, não tenho tanta certeza. Repare, a Troika não impõe. O memorando de entendimento foi negociado e acordado com o Governo português, aliás com o anterior.

Portanto, o que está lá tem a assinatura do Governo. O Governo não pode dizer que o obrigaram, pois se não queria não assinasse, não é verdade? Isto é, nós nunca podemos dizer que estamos a fazer isto contra a vontade, pois senão não tínhamos assinado, tínhamos encontrado outras maneiras de chegar lá.

Quando um Governo assina um memorando de entendimento comprometeu-se a executá-lo e portanto não é por imposição exterior. Isto é muito importante. Por exemplo, no caso da Grécia, ou países que têm mais dificuldades em aplicar os memorandos temos sempre que lhes lembrar que foram eles que concordaram e que tinham outras vias se quisessem.

Em particular, sou um grande defensor da privatização das águas pois é um sector fundamental para a Economia e para a sociedade, famílias e consumidor em geral e que é melhor gerido quando é privado. Vivi 20 anos em França, onde as águas são totalmente privadas, vivi 10 anos em Inglaterra onde as águas são totalmente privadas, e onde há reguladores evidentemente, mas a gestão é completamente privada e o sistema funciona na ponta da unha, com preços baixíssimos, com os investimentos todos que é preciso fazer e com uma qualidade excepcional e muito menos desperdício.

De facto, pessoalmente, não vejo nenhuma razão para que as águas não sejam privadas. Precisamente porque o Estado não gere bem e não gere bem em particular na área financeira.

Reparem: qual é o grande problema da privatização das águas neste momento? É que a privatização das águas em baixa pressão, que é aquela que chega às casas das pessoas, está entregue a empresas municipais. Os municípios recebem dos consumidores e não pagam aos fornecedores de água e há dívidas colossais dos municípios pelo país fora.

Os municípios dizem que como não lhes pagam outras coisas eles também não pagam aos fornecedores e evidentemente que ninguém pode cortar a água quando ninguém paga, pois é um bem absolutamente essencial. Quando se está no domínio político, lá está, há aqui uma deturpação da lógica económica e da racionalidade do funcionamento das coisas que chega às coisas mais comezinhas como seja não pagar.

Isto para não falar em toda a problemática dos investimentos, da maneira como são feitos e os seus custos, entre outros. Um dos grandes problemas com que o nosso país se debate é o das obras e dos projectos de infraestruturas onde as coisas custam muito mais caro do que poderiam custar, há sempre suspeitas de corrupção de toda a espécie, onde há atropelos da lei por ajustamento directo e onde de facto as autoridades públicas que estão a gerir este sector acabam por não dar exemplo nenhum de integridade na forma como gerem.

Portanto, a privatização resolve estes problemas todos, porque passa a ser o privado a gerir e depois há uma entidade fiscalizadora que pode cair em cima deles em cada momento e fazer com que as coisas funcionem como devem, sem quaisquer restrições ou hesitações de ordem política. É nesse sentido que a privatização das águas tem grande lógica e racionalidade.

É claro que a privatização se pode fazer de várias maneiras: uma é vender completamente, outra é de facto concessionar. A concessão em certos aspectos poderia se dizer que seria uma parceria público-privada: o direito é do Estado que entrega a um privado que por sua vez gere bem, mas se gerir mal perde a concessão. É um modelo possível e que a ministra do CDS actualmente gosta de privilegiar; gosta mais do modelo de concessão do que de venda completa. Por mim tudo bem, não é um obstáculo, pode também funcionar dessa forma.

Mas o que é preciso é de facto uma outra racionalidade na forma como as águas são geridas. As águas têm uma componente social, porque são um bem essencial e têm de ser fornecidas a toda a gente e tudo mais, mas também tem uma grande componente económica, porque é um investimento gigantesco, sobretudo se acrescentarmos o saneamento e os resíduos.

No conjunto é um sector absolutamente gigantesco, de biliões e biliões em investimento, obras de toda a espécie e que também tem muito que ver com o funcionamento das empresas, de uma forma que contribui para a Economia. Portanto, é um sector em que é preciso muita disciplina, eficiência e rigor económico e como sabem há injustiças tremendas no país, com a água a custar muitíssimo nuns concelhos e com coisas históricas que se arrastam do passado e que não têm justificação possível.

Há uma oportunidade, agora, de pôr isso tudo direito.

 
Duarte Marques

Muito obrigado, professor. Chegámos ao fim das perguntas sorteadas, temos agora 20 inscrições para o "Catch the Eye” para as quais manifestamente não vamos ter tempo.

Então se o professor não se importar vou juntar duas perguntas de cada vez para fazermos o máximo. Dava a palavra ao Ivo Ribeiro do grupo Bege e de seguida ao Henrique Barros do grupo Encarnado.

 
Ivo Ribeiro

Bom dia à mesa, cumprimento o professor pela sua presença. Estando aprovado que o caminho do endividamento público excessivo não é factor de desenvolvimento mas sim de recessão e austeridade, que medidas deveriam ser tomadas para que estas práticas não se tornem a repetir hipotecando seriamente o futuro de pelo menos uma geração, no caso a nossa geração?

A alteração da Constituição e a inclusão da denominada "Regra de Ouro” como veio sendo defendida pelo PSD não deve ser encarada com a mesma importância com que está a ser encarada uma eventual alteração na Constituição por causa da decisão do Tribunal Constitucional sobre os cortes do subsídio de férias e natal da Função Pública?

Obrigado.

 
Henrique Barros

Bom dia. Gostava de começar por dizer que a dimensão do sector público em Portugal tem sido apontada como exagerada mas diminuir salários mantém toda a presença no sector público mas apenas mais barato. Por isso, onde é que a presença no sector público deve ser diminuída?

Já agora, supunhamos que se chega ao final com uma folga da despesa por menor pagamento de juros face ao previsto, tal como foi noticiado há alguns dias pela Imprensa. Gostaria de saber se nesse caso seria melhor usar essa folga para reduzir a dívida pública ou para algum tipo de investimento como alguns políticos dentro e fora de Portugal sugerem?

Obrigado.

 
António Borges

Vou ser agora mais breve nas respostas, para ver se conseguimos ainda apanhar todos os que têm interesse em fazer perguntas.

Sou completamente a favor da inscrição na Constituição da Regra de Ouro das finanças públicas, porque realmente tem outra força, outro compromisso e seriedade. De facto tem dado bons resultados nos países onde ela existe e neles o problema não se põe, incluindo nos Estados Unidos da América, onde há finanças públicas absolutamente desastrosas ao nível federal mas estadual não, porque todos os estados federais têm na sua constituição o equilíbrio das receitas e despesas do Estado.

Quando há pouco disse que queremos regressar à normalidade não é no sentido de regressarmos à indisciplina, é no sentido de abandonarmos o programa, de já não precisarmos da Troika, mas precisarmos de nos manter dentro das regras da União Europeia.

Essa é que é a nova normalidade, a regra europeia de que o défice tem de ser sustentável e portanto não pode ser superior a 0,5% do PIB, o que dá muita flexibilidade aos Governos para gerir em situação de crise e compensar em situação de crescimento económico.

Portanto, aquilo que é fundamental para que as coisas não se repitam é pôr a regra na Constituição e cumpri-la. Quando o Partido Socialista se opõe está a prestar um mau serviço ao país. Porque eles dizem que são, na mesma, sérios, vão pôr na lei e tal. Mas então se são na mesma sérios porque é que não põem na Constituição? Porque há um compromisso muito maior e torna-se muito mais difícil mudar.

Portanto, não se percebe, há ali um finca-pé ideológico que não tem grande justificação e realmente não estão a prestar um grande serviço ao país, sem dúvida.

Depois, se o Estado eventualmente ficar com alguma folga, seja de tesouraria como é o caso, seja orçamental, está fora de questão gastá-la. Reparem, como eu disse, o objectivo principal de qualquer governo, de qualquer programa de reajustamento, da Troika, seja de quem for, é que Portugal possa regressar aos mercados o mais depressa possível.

Regressar aos mercados significa o quê? Significa pagar quando chega a altura de pagar sem pedir mais empréstimos à Troika, portanto levantando nós o dinheiro. Mas se esse dinheiro for dinheiro que poupámos tanto melhor. Estão ver? Isto é a principal obrigação do Governo neste momento, é de facto utilizar todos os recursos que tem, toda a folga que possa ter, inclusivamente folga de tesouraria. As privatizações estão a dar mais dinheiro do que se pensaria? Óptimo, põe-se de parte. Há uma poupança nos juros? Óptimo, põe-se de parte. Há aqui numa coisa que está a correr melhor do que se esperava? Muito bem, vamos pegar nesse montante e utilizá-lo para pagar.

O primeiro momento, como sabem, é em Setembro de 2013, depois é em Janeiro e Junho de 2014. São momentos cruciais em que temos de mostrar a nossa capacidade de pagar as dívidas, pedindo emprestado se for preciso e utilizando recursos que economizámos se for preciso. Esse é que é o grande teste do país: dizer que o programa acabou, somos um país como os outros, temos liberdade daqui para a frente para fazermos o que quisermos.

Para isso é utilizar todos os tostões com esse objectivo.

 
Duarte Marques
Muito obrigado, professor. Dou agora a palavra ao Alexandre Abrantes do grupo Roxo e à Rebeca Lopes do grupo Cinzento.
 
Alexandre Abrantes

Muito bom dia. Gostaria de cumprimentar a mesa e deixar uma saudação especial ao Dr. António Borges e dizer que é pena que na sociedade portuguesa só de tempos a tempos é que conceitos como a parcimónia e a frugalidade apareçam.

No passado recente, assistimos à compra de acções de um banco privado com recurso a um empréstimo com capitais de um banco público, neste caso a CGD. Isto pode ser entendido como um instrumento muito forte para se estabelecer uma linha de orientação política entre a banca e a política económica, deixando até alguma margem para haver um arbítrio na imposição de uma doutrina económica.

Sabemos que houve um excessivo apoio da banca às obras públicas e que a determinada altura foi preciso nacionalizar um banco. Será que a privatização da CGD podia ser entendida como um meio para se evitar estes erros do passado?

Obrigado.

 
Rebeca Peres Lopes

Muito bom dia. Vou ser breve. Considera que quando a dívida pública estiver minimamente estabilizada se poderá optar por uma política de amortização expansionista e se sim, de que forma?

Obrigada.

 
António Borges

A primeira questão é muito vasta e muitíssimo interessante, porque é também muito mal entendida na sociedade portuguesa. A compra de acções na perspectiva de tomada de controlo é um mecanismo que deveria ser bem vindo. O mercado chamado de mercado de controlo corporativo é fundamental em qualquer Economia desenvolvida.

Porquê? Porque se temos uma empresa mal gerida, não há nada melhor que possa acontecer do que alguém tomar conta dela e bem. É bom para quem toma conta pois com essa compra dá a volta à empresa e tem um ganho substancial; é bom para quem vende, é bom para a Economia, para o país, para os trabalhadores, para toda a gente.

Portanto, um mercado em que seja possível comprar e vender empresas, concorrer (haver competição) pelo controlo das empresas, uma empresa que está na mó de baixo tem sempre receio de ser apanhada e ser ultrapassada por outra, é um mercado que tem outra eficiência, outra disciplina.

Nos EUA qualquer dirigente empresarial sabe que se a sua performance não for boa a sua empresa pode ser comprada de um dia para o outro e ele vai para a rua como lhe compete se ele estiver a gerir mal, não é? Portanto, há essa disciplina muito forte de exigência de bons resultados porque senão alguém toma conta da empresa e o meu amigo desapareceu.

Isso é muito importante que exista e não se faz sem financiamento. Por isso, a banca poder apoiar investidores que querem comprar acções é uma coisa bem vinda em geral. Permite uma estabilidade do mercado de controlo das empresas que é fundamental numa Economia eficiente.

O que se passou em Portugal foi a deturpação deste processo. Começou a haver uma guerra pelo BCP e o governo decidiu entrar na guerra e devo dizer que o fez com grande competência e grande saber. Porque no fim daquela briga toda quem é que ficou com o BCP? Foi o Governo sem gastar um tostão. Mandou a Caixa enfiar uns milhões nuns fulanos que perderam tudo e o Governo sem gastar tomou conta do BCP e ficou com mais de 50% do sistema bancário português.

Ora bem, há aqui uma motivação exclusivamente política que depois foi amplamente utilizada, porque o Governo serviu-se do controlo do BCP de facto para tomar decisões que arruinaram o BCP em grande medida. Levou agora 3 biliões de capital adicional precisamente por causa de todos esses prejuízos enormes e que de facto prejudicaram imenso o país, mas faz parte de um conceito de um Governo dirigista que quer ter o controlo, quer mandar e quer exercer o poder seja por que forma for.

Aqui temos uma deturpação completa da ideia de melhores e piores gestores para tomar conta das empresas. É claro que o Governo não poderia ter feito isto se a CGD fosse privada. Portanto, quando levanta a questão da privatização da CGD, está a pôr em cima da mesa um remédio, uma vacina, contra estes problemas.

Esse remédio é de facto um remédio santo, porque uma empresa privada já não está sujeita àquela manipulação para fins políticos que estamos a assistir com imensa frequência nos últimos tempos. Como sabe, a privatização da CGD está no programa do Governo e, portanto, estou convencido que vai acontecer, porque os nossos governantes têm estado preocupados em executar o programa e provavelmente vai acontecer.

Está muito longe de estar decidido, mas é um passo que está no bom caminho, claramente.

Quanto à segunda questão: amortização expansionista. Presumo que aquilo que quer dizer é que ao amortizarmos a dívida pública podemos reduzir a carga fiscal e isso é de facto muito importante para o país e para qualquer país. Ter uma carga fiscal elevada para pagar serviços públicos de alta qualidade compreende-se, compreendo muito bem, como falei da Suécia ou outros países que optam por esse modelo.

É uma escolha política que os cidadãos fazem livremente. Agora, pagar impostos altíssimos para cobrir uma dívida pública gigantesca, isso é que é realmente sacrificar gerações futuras por causa dos erros do passado. Portanto, compreendo perfeitamente que amortizar a dívida pública se torne num objectivo número um.

O país que está com mais dificuldade neste momento na Europa, o país mais importante de todos, como sabem é a Itália. O único defeito que tem é ter uma dívida pública altíssima e um crescimento muito baixo precisamente em parte por causa de uma carga fiscal muito alta. Por que odeficitpúblico até nem é muito baixo, as contas pública italianas até são melhores que as alemãs, têm um saldo primário melhor que o alemão, mas com uma dívida pública gigantesca com o acumular de erros durante décadas é evidente que o país sofre muitíssimo com isso e de facto não tem senão que dar prioridade máxima à amortização da dívida.

Já agora, se me permitem, queria voltar a uma questão anterior que não respondi completamente e é importante. Porque alguém perguntou "porque não utilizar a folga, ou praticar uma política orçamental diferente e pagar melhor aos funcionários públicos com menos?”– esta é uma questão da maior relevância, porque está exactamente em cima da mesa em vários pontos.

Os nossos funcionários públicos são muito mais bem pagos do que os privados. Toda a espécie de estudos que têm vindo a público mostra que para responsabilidades iguais, competências iguais e tudo mais, o estatuto de funcionário público é muito melhor do que o estatuto do privado, quer em termos de remuneração, direitos, tudo.

Portanto, há aqui uma desigualdade e a decisão do Tribunal Constitucional é curiosa porque não permite corrigi-la. A desigualdade já existe e corrigi-la parece que não é possível, mas enfim, eles lá sabem. Agora, como é que se resolve este problema? Porque entretanto há aqui uma problemática muito complicada. É que os funcionários públicos de topo são muito mal pagos.

Nós não podemos ter directores-gerais, ou inspectores-gerais, ou juízes, com os ordenados que têm. Não podemos. Porque são muitíssimo abaixo para responsabilidades equivalentes aos que se praticam no sector privado. De facto, ninguém de qualidade quer ir depois para o sector público.

O resultado é que o sector público se deteriora de uma forma gravíssima. Nenhuma Economia avançada pode funcionar sem uma administração pública eficaz, moderna, séria, íntegra, etc.

Agora, ninguém vai evidentemente que os funcionários públicos passem a ganhar como se estivessem no privado, de um dia para o outro. Isto implica uma profundíssima reforma da administração pública e implica uma redução dramática do número de funcionários públicos, pois temos muitos mais do que aquilo que é preciso.

Isto é um processo que demora muito a ser feito, irá será feito tranquilamente e com o tempo se permitirá uma estrutura de remunerações completamente diferente. Deixem-me dizer-vos uma coisa, um exemplo concreto engraçado. Como devem ter visto no meu currículo, um dos países em que trabalho é Singapura que hoje em dia é o país com rendimentoper capitamais alto do Mundo, onde os impostos são baixíssimos e onde os funcionários públicos são pagos com umbenchmarkque é o do sector privado.

Portanto, aquilo que um funcionário público recebe é exactamente aquilo que um funcionário recebe no sector privado. Por outras palavras, um director-geral recebe de ordenado um milhão de dólares, porque está ao nível de um director de empresa que recebe um milhão de dólares no sector privado.

É claro que os melhores singapurenses estão no sector público, muitos dos melhores, pois com essas remunerações não admira, não é verdade? E há uma concorrência pelos melhores lugares e realmente a administração pública funciona na ponta da unha, é uma coisa impressionante em termos de qualidade, competência e eficiência, entre outros.

Logo, há aqui uma lição a aprender. Agora, não é com 750 mil funcionários públicos; isso não é decerto. De facto, temos, como se sabe, uma administração pública pesadíssima, com gastos muito acima do que é aceitável, fundamentalmente por termos gente a mais.

 
Duarte Marques
Muito obrigado, professor. André Neves do grupo Cinzento e de seguida o Bruno Ferreira do grupo Castanho.
 
André Neves

Boa tarde. O Dr. António Borges falou há pouco que a diminuição do consumo interno não era assim tão relevante tendo em conta que também contribui para o equilíbrio da balança comercial.

A minha pergunta era a seguinte: isso também não poderia ser aproveitado para a redefinição do tecido económico português? Ou seja, essa baixa do consumo interno deveria estar acompanhada da redefinição do tecido económico para combater, porque ao mesmo tempo também gera uma diminuição da receita e a diminuição do emprego?

Se a redefinição do tecido económico estivesse a ser feita mais rapidamente por parte do Governo poderia ajudar a que essa parte do tecido interno se pudesse desenvolver noutras áreas económicas portuguesas que não são tão fortes.

Obrigado.

 
Luis Correia Araújo

Está bem. Se me é permitido então, gostaria de acrescentar àqueles mitos com que somos bombardeados hoje nos discursos políticos mais standardizados o mito de que os economistas como o Dr. António Borges defendem a eliminação do modelo do Estado Social na Europa.

Hoje trouxe-nos aqui a novidade para essas pessoas e talvez devesse passar mais vezes na televisão que o Dr. António Borges está convicto que a Europa vai retomar o caminho do crescimento sem abdicar do modelo de Estado Social.

Presumo eu que não vai abdicar desse modelo mas que ele terá de sofrer algumas alterações. A minha pergunta vai no sentido de lhe pedir para desenvolver quais os princípios que deverão reger as alterações, ou nomeadamente o que referiu, o modelo escandinavo, se é possível aplicá-lo com os mesmos princípios a todos os países da Europa, tendo em conta as grandes diferenças culturais.

Obrigado.

 
António Borges

Muito bem, são boas perguntas. Em primeiro lugar, a queda do consumo tem vindo a verificar-se e é muito importante porque precisamos de mais poupança e felizmente tem vindo a verificar-se sem queda tão dramático do PIB como se poderia pensar.

Quando o consumo cai 7% e o PIB só cai 3%, sabendo que o consumo representa o grosso do PIB, é notável que só caia 3%, não é? Porquê? Porque há o tal impacto nas importações que dilui muito, mitigando as consequências da queda do consumo. Este ponto já falámos.

Pela mesma razão não se pode culpar a queda do consumo pelo desemprego. O desemprego resulta porque está ligado com a actividade económica, portanto com o PIB não é com o consumo directamente. Aquilo que se passa é que efectivamente como o PIB está dentro das previsões de 3% para este ano, o desemprego está muito abaixo do costume porque de facto havia muitíssimo emprego que não tinha sustentabilidade, em particular por exemplo no sector das obras.

Como agora vemos obras que não tinham quem as pagasse, como é que é possível manter esses empregos se não há razão de ser para essa actividade económica? E também por razão de subida de preços em determinadas alturas. Portanto, não há de facto ligação entre consumo e desemprego, há é entre PIB e desemprego e depois o excesso de desemprego por outras razões.

Agora, a redefinição do tecido económico está em curso e é importante mas não no sentido que o autor desta pergunta está a dar, é no sentido de orientar o tecido económico para a exportação, para os bens transaccionáveis e para os mercados externos.

Essa está a acontecer. Em certa medida também pode estar a acontecer pela substituição das importações, que julgo que era a sua pergunta, mas o objectivo principal é de facto a abertura da Economia com muito mais exportação. Essa está a acontecer e quanto mais depressa melhor.

Não estamos numa lógica de Economia fechada, dizendo que podemos manter uma lógica de consumo desde que seja em Portugal. Não é essa a lógica, mas sim de reorientar o tecido produtivo para os sectores transaccionáveis e em particular para a exportação.

Depois, a segunda questão sobre o estado Social é importante e exige clarificação. Não há nenhuma oposição entre um Estado Social generoso e um crescimento económico rápido. Como disse, na Europa do Norte onde há exemplos de crescimento rápido, sólido, sustentável, etc., é onde o Estado Social é mais generoso.

Não é sério dizer que as duas coisas são incompatíveis. Este é um ponto muito importante. Também não faz sentido dizer que se vai acabar com o Estado Social, pois para alguma coisa existe democracia. E a democracia europeia nunca permitiria que isso acontecesse. Ponto final. Quem fala nesses termos não está a ser minimamente sério, a meu ver.

Agora, realmente, precisamos de uma reformulação do Estado Social no sentido de que os benefícios vão para quem precisa e só para quem precisa. Por outro lado não se criem incentivos errados em que as pessoas prefiram ficar em casa em lugar de trabalharem. São estes os dois objectivos principais.

Se os senhores forem à Suécia, ou à Noruega, vêem permanentemente por parte das autoridades esta preocupação: como é que melhoramos no sentido de sermos mais generosos para com quem precisa, mas quem não precisa também tem de abdicar de benefícios que não são legítimos.

Reparem que não estamos em altura disso, mas haverá uma altura em que haverá uma reforma fiscal e sempre fui favorável a uma completa reformulação do imposto sobre o rendimento que permita um imposto negativo para as classes mais desfavorecidas.

Fui para os EUA em 1975, vivi lá os primeiros cinco anos e a determinada altura comecei a trabalhar lá e como era bastante pobre pois era estudante e não tinha outras receitas estava num nível de rendimento muito baixo. Cheguei ao fim do ano na altura de pagar imposto e o Estado deu-me dinheiro; é o chamadoearned income credit. Quem tem rendimentos do trabalho recebe em lugar de pagar imposto.

Reparem no que isto representa de incentivo ao trabalho. Portanto, há uma alteração profunda do imposto de rendimento, por forma a que quem está no início da sua vida, quem está a começar, quem tem condições mais difíceis, em lugar de pagar recebe. Mas só recebe se trabalhar, atenção; se não trabalhar não recebe.

Se não trabalhar vai para owellfare, lá está, é a mesma história de que mesmo assim tem de estar disposto a fazer trabalho comunitário. Portanto, através de uma reforma fiscal bem pensada pode-se mudar muita, muita coisa em termos de incentivos para que as pessoas se sintam de facto motivadas a trabalhar, que fiquem com o grosso da sua compensação e para que não haja de facto aquilo que há muitas vezes hoje em dia que é dizerem: sendo assim, vou-me embora.

Por exemplo, em França esta ideia de que 75% do rendimento é tributado para pessoas acima de um milhão, o que fez é que toda a gente está à procura de casa em Londres e em Geneva e assim. Porque pessoas nesse nível de rendimento têm uma mobilidade geográfica enorme.

 
Duarte Marques
Muito obrigado, professor. Dou agora a palavra Tânia Coutinho do grupo Rosa. É a última questão, não há tempo para mais.
 
Tânia Coutinho

Boa tarde. Queria dizer que gostei bastante da sua perspectiva optimista da evolução económica portuguesa nos últimos tempos, lamentando desde já o facto de essa mensagem não estar tão difundida quanto merece.

Face ao constante e crescente do número de desempregados as pessoas procuram cada vez mais criar o seu negócio, ter a responsabilidade de criar o seu próprio emprego, ou pelo menos assim se deseja. Mas como disse os créditos são cada vez menores e há uma franca e forte necessidade de um investimento mais restrito e assente em fortes e rígidas evidências de produtividade.

Até que ponto esta mentalidade implícita na nossa conjuntura económica não se torna uma barreira à inovação e à percentagem de manobra necessária para desenvolver e enfrentar os desafios para a produtividade?

Obrigada.

 
António Borges

De facto, nota-se um ressurgimento do empreendedorismo. Há muita gente que não encontrando trabalho resolve lançar-se em projectos novos e isso é extraordinariamente válido.

Porque uma vez que uma pessoa se lança num projecto ganha uma experiência extraordinária. Quer o projecto se dê bem ou mal a experiência que daí resulta é sempre para a vida e para a carreira inteira. Mesmo que depois vá trabalhar para uma empresa, fica a saber o que é lançar um projecto novo, as dificuldades, as incertezas, o desconhecido e tudo mais.

Portanto, este ressurgimento é muito bem vindo. É claro que na actual conjuntura é muito mais difícil financiá-lo. As pessoas vão buscar financiamento aqui e acolá. Note-se que há algum financiamento público para isto, não é? Há pessoas que podem, por exemplo, abdicar do subsídio de desemprego e utilizar uma porção de meses para lançar um negócio.

Há quem faça isso, há muita gente a fazer isso, mas há muitos a financiar-se com o apoio das famílias, amigos, ou os chamadosbusiness angels,que permitem lançar o negócio. O que é preciso é lançar um negócio com os pés na terra. Isto é, rapidamente gerarcash flowe conseguir rapidamente não só o equilíbrio mas as bases necessárias para investir e crescer.

Isso é muito positivo. Não é que tenha um grande impacto na Economia, mas modifica a mentalidade e prepara as pessoas e pode no futuro ser um factor de produtividade – como diz e muito bem. Até chegarmos a uma situação em que haja grandes vagas de empreendedorismo como já houve no passado, precisamos de pôr a Economia a crescer outra vez, alterar as condições de financiamento e pôr as coisas a andar.

Já agora, deixem-me terminar com uma mensagem que tem que ver com aquele ponto inicial sobre tranquilidade, serenidade e tudo mais. Quando disse que esta mensagem de optimismo não é aquela que transparece na opinião pública portuguesa, devo dizer-lhes que – se querem um conselho – os senhores não podem prestar atenção aos jornais.

[APLAUSOS]

A Comunicação Social em Portugal de facto empola os problemas de uma forma extraordinária, está só preocupada em encontrar dificuldades, não fala nunca dos sucessos, das coisas que correm realmente bem e portanto acaba por dar uma imagem que é completamente diferente da realidade.

Agora, notem bem: a opinião pública é outra coisa. A opinião dos portugueses em geral, como ela se reflecte em particular nas sondagens é completamente diferente. Acho extraordinário que um Governo que está com um programa tão difícil quanto este e pela primeira vez a atacar problemas de fundo, de uma seriedade e de uma importância crucial, esteja tão bem nas sondagens como está.

Portanto, a população portuguesa ou não leu os jornais ou não lhes dá credibilidade.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. Peço aos avaliadores para virem para aqui. Ainda volto para vos dar algumas informações antes da saída e o Duarte Marques e eu vamos acompanhar o nosso convidado à saída.

Em nome de todos, o nosso muito obrigado ao Dr. António Borges pela aula de Economia desta manhã.

FIM