Senhora Dr.ª Cândida Almeida, é sobretudo para si este esclarecimento, uma vez que no quinto jantar-conferência todos já conhecem as regras do jogo: nós abrimos cada jantar-conferência com um momento cultural que é protagonizado pelos grupos da Universidade de Verão.
Trata-se da escolha feita pelos participantes desta universidade de um poema e da sua leitura. Por sorteio que se fez no primeiro dia, esse privilégio cabe hoje aos últimos dois grupos, o Amarelo e o Bege, que ainda não o tinham feito ao longo desta semana.
Pelo grupo Amarelo, através da Maria Teresa Azóia, que é aliás a coordenadora do grupo, vamos ouvir um poema chamado "Amor a Portugal”, escolhido para o último dia dado que, segundo este grupo,foi uma semana que cumpriu tudo o que prometia e que excedeu as expectativas. É altura de pensarmos no regresso a casa e multiplicarmos tudo o que nos foi ensinado e proposto nestes dias, por isso o grupo Amarelo escolheu um poema em jeito de mensagem. O título justifica por si só a escolha, "Amor a Portugal”, sonho, liberdade, paixão e esperança são com certeza denominadores comuns a todos nóse são também a mensagem que gostariam de partilhar connosco.
Seguir-se-á o grupo Bege que diz quena vida somos todos chamados a fazer uma escolha: escolher mudar o Mundo, ou viver apenas nele. Aqueles que escolhem mudá-lo deixam uma indelével marca em todos aqueles com que se cruzam. O segredo para este sucesso está no amor que colocamos em cada coisa que fazemos.
O grupo Bege quer, assim, homenagear os visionários, os apaixonados pelas suas causas, pelo seu país e pela juventude.Essa forma de estar na vida como na política é quase um poema de amor, dizem.
Por isso, vão ler "Um poema de amor” e será o Rafael Gaspar a fazê-lo.
[AUDIÇÃO POEMAS]
[HOMENAGEM VÍDEO PARA CARLOS COELHO, APLAUSOS]
Duarte Marques
Desafiava todos a subirem as cadeiras e a gritarmos todos juntos "oh captain, my captain”.
[APLAUSOS E OVAÇÃO: "COELHO! COELHO! COELHO!”]
Esta é uma homenagem que eles fizeram, só me pediram para falar que é mais fácil, é a vantagem de ser Presidente. E falo para simbolizar também o resto dos alunos que por aqui passaram e agradecer-lhe muito, em família. Esta homenagem que todos os anos lhe fazem é o resultado de dez anos.
Sei que não gosta destas coisas e ainda bem que assim é, porque assim é mais natural, mas mais uma vez tenho a honra de lhe dizer – e nunca serão poucas, nem as últimas – obrigado, sobretudo pelo exemplo. Obrigado.
Há uma coisa muito importante: os almoços e os jantares têm de começar à hora, por isso são 20h10, não 20h20, e vamos todos jantar.
[APLAUSOS]
[DEPOIS DO JANTAR]
Duarte Alves
Muito boa noite a todos. O grupo Encarnado ficou encarregue de fazer o brinde do último jantar-conferência da Universidade de Verão 2012.
Antes de brindarmos à presença da Dr.ª Cândida Almeida, quero congratular o reitor, o vice-reitor, deputados, conselheiros, organização e os alunos pelo grande companheirismo que revelaram desde o primeiro até ao último dia.
[APLAUSOS]
Em segundo lugar, fazer também um agradecimento muito especial aostaffdo hotel pela simpatia.
[APLAUSOS]
A corrupção é um tema que não deve ser descurado, principalmente porque atravessamos momentos difíceis e a justiça e a investigação precisam de dar uma resposta positiva.
Hoje, a investigação continua debaixo de fogo, ou porque demora anos, ou porque a põe em causa. Sabe-se bem que hoje ainda continua a haver a fuga de muitas pessoas à justiça, pondo assim em causa todo um processo de investigação.
Além disso, assistimos a um aumento da corrupção ao nível económico, que é necessário combater, mas Dr.ª Cândida Almeida, nós conhecemos a sua dedicação e acima de tudo o trabalho prestado ao longo de uma grande carreira profissional. Por mais que se diga que a justiça está descredibilizada, a Dr.ª Cândida Almeida mostrou-nos e continua a mostrar com o seu trabalho que devemos continuar a acreditar numa justiça mais igualitária.
Sendo assim e porque agradecemos a sua presença aqui hoje, peço a todos para erguerem os copos num brinde à Dr.ª Cândida Almeida.
[BRINDE E APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Senhora Dr.ª Cândida Almeida, senhor deputado Duarte Marques, senhor deputado Nuno Matias, senhor deputado Hugo Soares e – agora já posso dizer – senhor deputado Simão Ribeiro, minhas senhoras e meus senhores, ao longo de dez anos nesta universidade tivemos dirigentes do PSD, dirigentes doutros partidos, um ex-Presidente da República, primeiros-ministros, membros do Governo, professores, cientistas, empresários, figuras nacionais e estrangeiras, homens e mulheres de cultura, e até pessoas do Clero, como o Padre Lino Maia que nos deu uma aula sobre "Pobreza e Sofrimento”, mas nunca tínhamos tido um magistrado.
É a primeira vez que temos um magistrado, não é uma magistrada qualquer, é a primeira magistrada que Portugal teve a seguir ao 25 de Abril. A Procuradora-Geral-Adjunta, que é Directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, como o Duarte Alves já teve ocasião de referir é uma mulher com um percurso notável, que teve de assumir em nome do Estado a acusação do processo delicadíssimo das FP25. Eu sei o que é que isso significou em termos de privação da sua liberdade e de cuidados acrescidos à sua segurança e é um grande prazer ter esta mulher notável entre nós no último jantar-conferência da Universidade de Verão 2012.
A Dr.ª Cândida Almeida tem comohobbyo cinema, a leitura e o sudoku; a comida preferida são os bolinhos de bacalhau com batata frita; o animal preferido é opetmais votado da Universidade de Verão, é o cão; sugere-nos a "História de Portugal” e dois filmes: "Amigos Improváveis” e "As Serviçais”.
As qualidades que mais aprecia são a lealdade, a verticalidade e a integridade.
Senhora Dr.ª Cândida Almeida, tenho o privilégio de lhe fazer a primeira pergunta que é sobre a corrupção. Todos nós estamos preocupados com a corrupção, sentimos que é algo que corrói o prestígio das instituições e que, portanto, ajuda a enfraquecer a Democracia. Num dia em que tivemos entre nós a senhora Ministra da Justiça, que nos anunciou diversas iniciativas que tem pensadas nesta e noutras áreas, parece-nos um privilégio ter connosco alguém que no dia-a-dia tem de fazer este combate.
Falar de corrupção significa que temos de ter noção de qual é a verdadeira dimensão do problema. Será que podemos dizer que Portugal é um país de corruptos? Temos de ter ideia de qual é o efeito dissuasor da acção penal. Infelizmente, como já foi aqui dito, há a ideia de alguma impunidade, de que não se consegue pôr os corruptos atrás das grades e que a justiça é um pouco lenta ou ineficaz.
Finalmente, como é que podemos prevenir comportamentos de forma a impedir que estas violações não apenas da lei mas do código moral social ocorram e, portanto, como podemos encontrar sistemas que garantam uma função preventiva, porque como diz o povo e com razão: "mais vale prevenir do que remediar”?
Minhas senhoras e meus senhores, no último jantar-conferência da Universidade de Verão 2012, para responder à minha pergunta e às vossas, uma mulher notável, a senhora Procuradora-Geral Adjunta Dr.ª Cândida Almeida.
Cândida Almeida
Esta seria a deixa para eu começar já a responder a estas questões fundamentais, mas não posso deixar de dizer quão satisfeita estou aqui e como me emocionou o Duarte Alves com as suas palavras. Para mim, o reconhecimento de que trabalho para os cidadãos, para vocês, o reconhecimento que me fez, para mim foi muito emotivo e hoje é um dia muito emotivo para a família. Primeiro, o Carlos Coelho foi alvo da vossa admiração, respeito e da vossa saudação. Eu vi que ele chorava e eu ainda não, mas até ao fim veremos, pois fiquei muito emocionada.
[APLAUSOS]
Costumo dizer que só tenho o meu nome para deixar à minha filha, não tenho fortuna, não tenho nada, mas saber que deixo um nome que é isento, ligado à isenção no mundo da justiça, é para mim o melhor elogio que me podem fazer.
Estou muito emocionada e muito obrigada a vocês, jovens, homens e mulheres do amanhã, da política e sociedade civil, fizeram-me aqui neste momento e de uma maneira tão simples a maior homenagem que me podiam ter feito.
Muito obrigada.
A segunda nota que tenho a dar-vos é que um dos meus grandes defeitos é começar a falar, nunca mais parar e normalmente excedo os tempos, põem-se todos a olhar para os relógios e põem-me um papelinho a dizer que já acabou o tempo. Por isso, preparei um improviso que vou acompanhando para não ultrapassar muito o prazo e não ficarem zangados comigo, nem cansados, porque hoje é Sábado.
[APLAUSOS]
Como todos sabem, o combate à corrupção consta da agenda política de todo e qualquer Estado democrático do Mundo. Tal é o seu malefício que não é possível ultrapassar-se e não ter nenhum Estado democrático a preocupar-se com essa questão. Daí que, obviamente, também nós, Portugal, fazendo parte de uma Europa democrática e sendo um Estado de Direito estamos preocupados com a corrupção.
Como disse o deputado, vosso reitor, Carlos Coelho, a corrupção corrói os alicerces da Democracia, desvirtua as instituições, perverte a chamada "autonomia intencional do Estado” – um palavrão que os colegas de Direito perceberão -, o sentido de Estado independente e que trata todos os cidadãos por igual com a cedência, ou exposição dos mesmos direitos e oportunidades.
Se a corrupção vigora, esse Estado não trata os seus cidadãos por igual, violando assim o artigo 13 da Constituição da República. Por outro lado, a corrupção degrada a imagem dos funcionários do Estado,lato sensu, desde os de altos cargos até às funções mais simples, degrada aquilo que o funcionário tem de ter para ser um exemplo. Por vezes dizem que ninguém é exemplo de ninguém, mas a verdade é que estamos a falar das altas instâncias e dos elementos de órgãos de soberania, como os Tribunais e Governos, e portanto essas pessoas têm de ser exemplos para os cidadãos.
Porque através do exemplo, se este for positivo, o cidadão obviamente se sente levado a uma vida semelhante porque gosta da imitação da vida do elemento que admira, mas se a corrupção começar a grassar eles também têm essa justificação, porque o dinheiro dá também poder e dinheiro.
Portanto, poderemos afirmar então que a corrupção viola os direitos humanos e no sentido concreto dos direitos da cidadania provoca desequilíbrios na distribuição equitativa dos rendimentos, a destruição dos critérios da eficiência e do suporte do bem-estar social. No fundo, a destruição dos valores estruturantes de uma democracia.
É uma maçã podre no meio da sociedade, é qualquer coisa de viral que se tem de extirpar. Por outro lado, e hoje também pela crise que atravessamos, a corrupção tem um malefício fundamental a nível económico. Portanto, digamos que eu, como jurista, preocupo-me fundamentalmente com os direitos humanos e sociais, mas é evidente que o malefício no desenvolvimento económico sustentado do país, a corrupção, também acaba com os direitos humanos, na medida em que vai impedir a livre concorrência, a igualdade de oportunidades, o investimento estrangeiro e isto retira também aquelas características que eu disse, de um país livre, democrático e transparente.
Porque se um país se orienta pela corrupção, os direitos de cada um dos cidadãos, individualmente considerados, como colectividade estão em causa e não há pior que a desconfiança interna e externa que um país ser corrupto.
Tenho aqui uma citação que achei muito interessante e sobretudo neste ambiente em que creio que também estão muitos futuros dirigentes do nosso país, pelo menos altos funcionários do Estado, como já hoje os deputados tão jovens com grandes responsabilidades e este senhor, Vítor Fonseca, é jurista, fez uma pós-graduação em Direito Penal Europeu e refere uma coisa muito interessante.
Ele também chama a atenção para a política, para os malefícios da corrupção na política, porque, diz ele: "Um dos perigos para a Democracia é o de como o alastramento da corrupção e do tráfico de influência o eleitorado se desligar do processo político e este desinteresse abrir a porta ao populismo, aos movimentos extremistas, é em si um perigo uma vez que os defensores destas teses detêm grandes interesses económicos ou financeiros”.
Portanto, há também na área política uma parte grande afectada pela corrupção e é por isso que jovens como vós têm de ter a ideia de que uma das premissas e orientações em toda a vossa vida, é não só, mas também ensinar essa integridade e transparência, porque senão a política que alimenta uma democracia, morre e resulta nesse afastamento e relação de desconfiança, de "se eles são assim e nós também vamos fazer igual”.
Há, por isso, que lutar nessa área contra a corrupção, por causa da transparência e da dignidade política dos nossos políticos. Acrescento, que esta relação de confiança é fundamental, obviamente: entre o eleitor e o eleito, o dirigente e o dirigido; porque se realmente falha, a democracia fica mais débil, fragilizada e permitem-se esses elementos abusivos e interesses que são afastados e que não têm nada a ver com a qualidade subam e, portanto, valha tudo e mais alguma coisa em seu detrimento e da estruturação e interiorização da democracia.
Portanto, se isto é assim – e é mesmo assim – todo o Mundo, todos os países democráticos, responsáveis políticos, toda a magistratura, órgãos de polícia criminal, têm na sua mesa, todos os dias, esta preocupação da luta contra a corrupção. Mas, digo-vos, olhos nos olhos, que considero, pela minha análise diária, que o nosso país não é corrupto, nem os nossos políticos e dirigentes. Portugal não é um país corrupto.
Existe corrupção, obviamente, mas rejeito qualquer afirmação simplista e generalizada de que o país está corrupto, completamente alheado dos direitos, de um comportamento ético, que os leve e aos políticos e dirigentes a responsabilizarem-se por uma política e ética transparente e de integridade. Não admito, sinceramente, que se generalize e se diga que o nosso país é um país de corruptos.
Obviamente, dizem-me: "não somos, mas o relatório de transparência internacional e muitas pessoas que têm acesso aos meios de comunicação social arrasam-nos permanentemente com esta ideia de que Portugal é corrupto”. Devo dizer-vos, novamente, que existe corrupção e temos de lutar contra ela e temos alguns meios de que vos vou falar depois.
Mas porque é que existe esta ideia de que existe corrupção e que somos todos corruptos, de que o país vive numa lava de corrupção? Reparem que o relatório de transparência internacional reflecte tão só a percepção da corrupção, não faz análise dos dados da corrupção e por outro lado, as pessoas que tratam e falam publicamente e devo dizer que alguém em que se tenha de acreditar e que realmente tenha crédito no mundo judicial, ou da política, eu tenho-os chamado para prestarem declarações para dizerem onde é que estão os núcleos de corrupção e a resposta é sempre: "não sei, é o que se diz e que se ouve”.
Portanto, nunca sabem dizer onde: o senhor bastonário da ordem já prestou declarações e disse que não sabia de nada e que era o que tinha ouvido; um senhor ex-deputado, funcionário da Câmara do Porto, foi chamado, esteve durante cinco horas a ser ouvido e disse que não sabia, que apenas tinham ouvido as pessoas a falar; enfim, e pessoas que já não estão cá entre nós também, mas não vou estar a falar deles. Todos foram ouvidos, tenho os depoimentos assinados e é tudo: "foi a advogada que disse”, "foi a amiga que disse” e não se tem meios de provar nada.
Logo, esta percepção é negativa, deprime-nos e eu sou contra a depressão. Penso que temos de ter a noção de que qualquer país, Governo, organização constituída em sociedade tem corrupção porque esta segue o poder, quem tem o poder pode exercê-lo mal, não tenho dúvida, mas nego e rejeito qualquer afirmação de que Portugal padece de uma patologia de acontecimentos e eventos de corrupção, que é uma placa giratória de corrupção; não é, temos corrupção, mas vamos combatê-la com seriedade e não com falsas afirmações e demagogias.
Já falei disto com o Presidente do Tribunal de Contas: a percepção é uma coisa que temos de preocupar, porque tantas vezes é repetida que nós ficamos com a ideia de que, por um lado, não se faz nada e que, por outro lado, somos todos corruptos. Portanto, vamos ficar quietos, deprimidos, num canto a chorar, porque realmente não há nada a fazer; não é assim.
Isto resulta também de alguns trabalhos que já fizemos. Acontece que as pessoas, de uma maneira geral, nomeadamente as que não são de Direito mas que sabiam exactamente o que estavam a dizer, falam de corrupção num conceito sociológico, ético e político eventualmente. Mas falam de coisas que não são corrupção, de crimes afins e quando se está a falar do abuso de poder, de tráfico de influência, etc., não de corrupção, porque esta tem a ver efectivamente com um cidadão funcionário do Estado, que se vende por meia dúzia de tostões. Não é isso. Há crimes que são afins.
Vamos ver que já há uma grande percentagem de investigações e de condenações, porque é mais fácil e vamos ver também porque é que existe este índice de falha nas conclusões de luta contra a corrupção, ou seja, nas condenações que é isso que se pretende.
Mas, por exemplo, neste tipo de crimes, o peculato e tráfico de influências é raríssimo e neste último ainda é pior para se provar o crime de corrupção, há aí umlobbyde que vos quero falar mais à frente. Há um tipo de criminalidade de que normalmente as pessoas falam, que não tem nada a ver com estes crimes comuns, que é o crime de fraude fiscal, que tem que ver com os cidadãos que querem burlar o Estado e há mesmo muita fraude fiscal.
Isso sim, garanto-vos que sim, que existe e é disso que normalmente as pessoas falam quando dizem que há muita corrupção. Mas a fraude fiscal não tem nada a ver com os funcionários. Dizem também que a fraude fiscal anda ligada à corrupção. Não sei. A verdade é que existe fraude fiscal e ainda não foi detectada corrupção nessa área.
Aliás, é interessante que há um ou dois anos, nesta altura, a Comunicação Social abria os telejornais com os processos que eram importantes e que se iam discutir no próximo ano e começaram com a "operação furacão”, que obviamente é fraude fiscal e não corrupção.
Portanto, há esta confusão e daí que pareça tudo corrupto. Na fraude fiscal nós temos para já grandes êxitos, sinceramente: conseguimos, pela primeira vez, que houvesse associação criminosa em fraude fiscal que era uma coisa que não existia; já conseguimos penas efectivas de 7 anos e até no contrabando conseguimos associação criminosa.
Isto não é para ficarmos contentes, porque é um pequeno passo, mas há passos que têm de se dar e peço-vos essa reflexão, não pode ser tudo mau na Justiça: não podem ser os órgãos da polícia criminal, os magistrados do Ministério Público, os juízes, todos maus; há-de, obviamente, haver pessoas que não trabalham, à semelhança do que acontece em qualquer outra profissão, mas garanto-vos que são muitos os que levam trabalho para casa e são de extrema dedicação.
Vou avançar com algumas e é uma questão que está sempre em cima da mesa e que temos de ultrapassar, porque realmente temos falhas detectadas e com algum cuidado e esforço podemos ultrapassá-las. Embora, digo-vos também, que o facto de haver poucos processos, poucas condenações e muito menos decisões condenatórias, não significa que isto não seja uma prevenção, pois tem-se verificado benefícios por estarmos a investigar e reparem que há anos atrás não tinha havido banqueiros presos, ou detidos preventivamente, nem presidentes de câmaras condenados, nem uma série de investigações e condenações, que por vezes se esquece, pois a nossa memória é curta. Mas há, lentamente, e digamos que os nossos magistrados têm e preparam-se para uma nova visão de como é que se há-de investigar e acusar e condenar.
Mas aí já vou, pois estou agora a falar ainda nesta área global e de desmitificação da corrupção que grassa em Portugal. O nosso país está bem na média europeia. Há tempos atrás, também a propósito da investigação que decorre no departamento dos submarinos, veio um senhor visitar-nos e fazer-nos uma sessão de esclarecimentos, ele faz parte de uma instituição europeia, é especialista em armamento e era sueco.
Ele disse que este nosso caso era único na Europa, não há casos destes porque não se investigam estes crimes, porque são segredo de Estado e como interessa ao Estado não se investigam. Este é um caso, portanto, de exemplo que está a ser tratado a nível da Europa, precisamente porque não há peias do Ministério Público, do Governo, seja de quem for. Nós temos feito, efectivamente, o nosso trabalho, com falta de apoio na área dos meios, mas temos feito o nosso trabalho.
E se vocês virem o nosso trabalho a nível europeu, houve o caso da Grécia, relativamente à mesma empresa, mas não vêem ninguém a ser investigado, não há investigação de grandes negócios e que interessam ao Estado e nós temos. Embora digam "ah, mas ainda não acabou”. Bom, devo dizer que há quatro anos que trocoe-mailscom o colega de Essen da Alemanha a pedir-lhe a colaboração, às vezes apetecia-me "mandá-lo dar uma volta”, mas ainda digo: colega, conto consigo, tem sido imprescindível, por favor, estou à espera que me diga e me dê os elementos que lhe peço.
Demora três ou quatro meses a responder-me e diz: "vocês têm de vir cá, estou à espera de vocês”. Eu digo-lhe que amanhã já lá estou e depois ele repensa e diz que afinal já não é preciso irmos lá, porque agora têm uma nova administração e parece-lhe que a empresa está disponível para ceder os documentos.
Os nossos magistrados foram com esses documentos e com os alemães fazer uma busca e apreensão à sede da empresa e há quatro anos que estão lá para vir.
Portanto, daí não podemos ultrapassar, nem dar ordem aos colegas estrangeiros. Este processo demora, porque nós não temos os documentos. Infelizmente, os criminosos que nós temos, ao contrário dos outros, vão pôr dinheiro lá fora, porque se pusessem num banco português era fácil e íamos buscar os documentos. O prejudicado é o Estado, ou seja, todos nós, mas eles vão pôr o dinheiro lá fora e como não há, entretanto, oportunidade de sacar uma confissão nem testemunhos, nós temos de ver os documentos para fazer um cruzamento. E é isso que demora no crime económico-financeiro.
Este meu colega sabe muito, é realmente fantástico, mas tem uma linguagem um pouco gongórica, mas gostaria de ler-vos uma passagem para no fundo dizer-vos que não sou só eu que penso assim. Embora haja corrupção, a percepção é muito mais grave e quando vamos analisar nos casos a maior parte não é corrupção, é fraude fiscal, ou então é aquilo que o legislador prevê como não sendo corrupção, a "cunha”, e outras situações que não são, ou que sendo crime são de outro tipo de criminalidade.
Este meu amigo António Henrique Gaspar, que é o vice-presidente do Supremo, interveio na última das sessões das quatro conferências que fizemos sobre o combate à corrupção no âmbito do DCIAP e escreveu isto: "nos aspectos intelectual, sentimental, político, social, económico, o conceito de corrupção é múltiplo, expansivo e difuso. Ao contrário do que todos generalizam e de ensejo científico sem prova explícita a dimensão jurídica apenas em limite residual se identifica em algumas subpatologias”.
Portanto, só a corrupção que é residual, que existe, afecta e que temos de combater obviamente sob pena de deixarmos andar e um dia destes ser mesmo um país corrupto. Depois, acrescenta: "a projecção sociológica e antropológica e o conteúdo social das representações sobre a nebulosa da corrupção ou o complexo da corrupção, vão frequentemente além dos formatos jurídicos das categorias do fenómeno”.
E se nós verificarmos, nós no departamento recebemos as comunicações de operações suspeitas de branqueamento de capitais, do país todo, a não ser aquelas que os bancos não mandam, mas todos eles são obrigados a participarem-nos qualquer operação suspeita e sendo assim há uma investigação rápida de todas essas operações para se saber se existe fraude, branqueamento e qual o crime precedente. Ora 70% destas comunicações são de fraude fiscal, apenas muito residualmente são corrupção, por outro lado, também por recomendação da OCDE, dos elementos do comércio internacional que compõem o acompanhamento e fiscalização de Portugal no âmbito da prevenção contra a corrupção, que sugeriu que Portugal abrisse uma linha de denúncias.
O departamento assim fez e há uma linha de denúncias anónimas, portanto a pessoa não tem de se identificar. O que nós pretendíamos era que as pessoas com seriedade, ou bem ou minimamente fundamentadamente nos referissem os pontos de corrupção, as suspeitas, para que pudéssemos investigar através de processos ou de investigação preventiva que é um tipo de investigação muito rápido sem o formalismo do inquérito e depois havendo suspeita de crime abria-se então o inquérito.
Esta linha foi aberta em Novembro de 2010 e em Dezembro de 2011 tínhamos cerca de 1700 denúncias. Se vos disser que destas todas foram instaurados seis ou sete inquéritos por corrupção, será muito.
A maioria das denúncias são de fraude fiscal e sobretudo o que não está na nossa área, ou na nossa competência, mas acho que temos de ajudar as pessoas, são pedidos de ajuda, apelos para que intercedamos junto de um qualquer serviço, que não lhes respondeu e portanto isso é corrupção, ou estão à espera de uma resposta para se reformarem ou receberem quaisquer subsídios, não têm resposta portanto é corrupção.
Este conceito que o cidadão comum tem é muito interessante, porque ele caracteriza de corrupção tudo o que não satisfaz o imediato e a celeridade da sua pretensão. Então, nós enviamos e reenviamos para os serviços que têm respondido efectivamente mais rápido, por isso acho que realmente fazemos um bom trabalho, mesmo não sendo esta a nossa função, ou o destino e objectivo da linha.
Porque o Ministério Público – e agora é para o jovens que estão a estudar Direito e podem querer ir para a Magistratura – é muito interessante, porque a vida é activa, intervém no tecido social, tem iniciativa e portanto é uma profissão que eu acho muito interessante para os jovens. Portanto, o Ministério Público tem esta função de imediação, de resolver os problemas dos cidadãos, é isso que ele deve fazer, porque temos juízes que obviamente não têm de se meter nesta área social, mas o Ministério Público tem isso como uma das suas funções e tem isso expressamente e explicitamente no seu estatuto.
Esta foi sempre uma área que defendi e temos realmente muitas pessoas e agradeço por ter sido a primeira vez que alguém me respondeu e isso para nós é o suficiente para sabermos que estamos a ajudar alguém e também para desmitificar esta coisa da corrupção.
Voltando à ideia inicial: há muita percepção que é preciso combater; há também corrupção, não endémica, mas existe porque é inerente ao poder e então temos de a combater. Perguntam-me: se têm de a combater, por que não a combatem? Nós combatemos, mas é difícil e digo-vos porquê: existe um código de silêncio neste tipo de crimes. Os intervenientes têm todos interesse que não se saiba, por isso não vão escrever uma carta, não vão falar ao telefone, dizem apenas que precisam de se encontrar e como têm dinheiro até podem ir para um hotel no estrangeiro.
Portanto, nós não temos primeiro quem fale, há um silêncio absoluto entre as partes e só "quando as comadres se zangam”, ou seja, quando o negócio já está tão alto que alguém diz que não pode mais e vem denunciar, já passou muito tempo e assim a imediação da prova também passou. Logo, não temos a sorte de ter pessoas que confessem, nem testemunhas; temos é de ir recolher os documentos e fazer o cruzamento. Isso, digo-vos, nem somos nós que fazemos, são peritos, inspectores tributários, bancários e demora muito tempo e às vezes nem chegamos lá.
Porquê? Por duas razões: primeiro, porque muitas vezes os documentos estão salvaguardados e não raras vezes no estrangeiro. Por outro lado e por isso é que sou absolutamente contra a violação do segredo de justiça, porque basta saber-se que está a haver uma investigação e a pessoa que tem os documentos destrói-os.
Isto é uma coisa com que lidamos diariamente e sei que existe violação do segredo de justiça, obviamente, vê-se todos os dias nos jornais, mas penso que a Comunicação Social não se apercebe da importância ou das consequências negativas de contar. Às vezes simplesmente têm um processo e isso basta para que quando se vá fazer a investigação e busca já não haja documentos nenhuns.
É isso que nos acontece muitas vezes e portanto é muito difícil realmente. Devido a esta opacidade e este compromisso de silêncio é muito difícil haver uma decisão rápida. Primeiro, chegamos muito tarde e segundo, é difícil apresentar a documentação.
Por isso, sou absolutamente contra a violação do segredo de justiça, acho mesmo que as penas deviam ser agravadas para podermos ter outros meios de intervenção, de investigação, porque senão não se consegue. Devo dizer que nós até sabemos quem violou o segredo de justiça, mas não podemos fazer nada.
Acho que a sensibilidade e a sensibilização para este tipo de problemas tem de ser aguçado e tratado entre a Magistratura e os outros órgãos de soberania com transparência e com o sentido de Estado, de partilha e não como se estivéssemos a jogar um jogo qualquer desses de computador em que cada um pretende matar os outros.
Nós somos do sistema, vivemos no sistema, os magistrados fazem parte do órgão de soberania e tribunais, portanto temos é de colaborar, cada um fazendo a sua função: os políticos exercerem e fazerem a sua política e os magistrados fazerem investigações e nada mais, nem guerras ou guerrilhas, pois isso é absolutamente contra os interesses do Estado.
Sobretudo, além das nossas opções políticas e profissionais, somos todos em comum, portugueses e gostamos de viver em Democracia. Portanto, é isso que proponho: que sejamos um todo e lutemos para o bem do nosso país.
Como é evidente tenho aqui ainda montes de páginas e o senhor deputado já me está a dizer que eu já tenho pouco tempo. Portanto, vou passar à frente, porque ia dizer-vos que em termos legislativos temos os instrumentos, apesar de nunca haver nada perfeito, para podermos lutar contra este tipo de criminalidade.
Há uma coisa que pontualmente devíamos tratar que é o caso doslobbies, porque tenho constatado que muitas vezes quando estamos quase a chegar lá e não é tráfico de influência, não é corrupção, élobby. Por exemplo, foram recebidos porque realmente o negócio é tão importante que obviamente o senhor secretário, o senhor ministro, o senhor presidente da câmara, seja quem for, recebeu-os, porque têm interesse na solução do problema, mas fica por saber se os outros, os concorrentes, também tiveram essa possibilidade, a mesma igualdade de oportunidades também e lá foram.
Enquanto isto lá fora está regulamentado, cá em Portugal não está e tem servido de panaceia para estas situações. Quando há qualquer coisa élobby. Claro que foram falar, claro que foram dizer e portanto nós não podemos provar que os outros não tiveram a mesma oportunidade e mesmo que provássemos tínhamos de dizer que eles foram lá e houve negócios que foram preferidos por causa do dinheiro e nós não conseguimos provar isso.
Para mim, portanto, é muito importante regulamentar e discutir o que é olobbypara depois, na investigação, saber os termos e os limites dolobbye quando é que ultrapassam, que é para ser mais fácil para nós provarmos que não élobbymas tráfico de influência ou corrupção.
Outra situação que penso que no âmbito da corrupção se poderia modificar, mas pontualmente, era a situação do colaborador, do "arrependido”, com a Justiça. Está previsto que o colaborador fique sem pena se até 30 dias antes de se iniciar o inquérito vier trazer o conhecimento dos factos ao Ministério Público, ou à Polícia. É claro que isto nunca acontece: "deixa-me cá ver, faltam 31 dias, amanhã tenho de ir ao Ministério Público”.
[RISOS]
Ninguém faz isso, portanto é um normativo que não tem aplicação e que é fundamental. Digo-vos com conhecimento de causa, não na área da corrupção, mas na de terrorismo, quando tivemos aquele surto interno com mortes e sequestros, etc., os "arrependidos” foram fundamentais. Primeiro, porque fazem parte do meio e então o que é que nós lhes oferecemos e só podemos mesmo oferecer aquilo que o Estado oferece, que é a punição premial: se vocês ajudarem a acabar com o terrorismo, então ficam isentos de pena; têm na mesma, mas não têm de a cumprir”.
É evidente que depois os teóricos também dizem "ah, não, porque ele também é criminoso e tudo”, mas é uma questão de opção de prioridades e do que é que é mais importante. Naquele momento de crime de terrorismo existe essa possibilidade; e é óbvio que o terrorismo é terrível e estou a pensar no interno, nem estou a falar do internacional, mas temos realmente de ter este meio de combate porque aqueles que funcionam em células, evidentemente não entramos nelas se não tivermos, depois para os casos e crimes concretos, um de lá de dentro a colaborar connosco.
E, isso, nós tivemos no processo das FP em que tivemos seis "arrependidos” que nos ajudaram realmente a dar cabo da operação.
A corrupção corrói os alicerces da Democracia e isso então não é importante? Não é um destruir de um terrorismo pacífico, mas isso também não é um terrorismo? Porque é que não damos esse passo?
Portanto, era também uma das propostas isentar de pena os colaboradores.
Nós temos instrumentos suficientes e vou falar só mais um bocadinho sobre um meio de luta também contra a corrupção, que foi atribuído no último pacote ao Ministério Público junto do Tribunal Constitucional.
O Ministério Público pode, junto do Tribunal Constitucional, fiscalizar, comparar, compatibilizar, as declarações das entidades que são obrigadas a declarar o seu património e o património que efectivamente têm. Podem recolher aleatoriamente umas quantas pessoas e verificar a compatibilidade desta situação. Apenas se esqueceram do instrumento, portanto nós não podemos fazer nada, porque não temos meio processual para fazer.
Nós, na área de investigação, temos averiguações preventivas que utilizamos quando suspeitamos de crime e vamos verificar se existem indícios ou não e abre-se inquérito ou não. Relativamente ao branqueamento temos processos administrativos que estão previstos na lei, semelhantes, abre-se inquérito quando há suspeita consolidada ou de prática de crime.
Aqui, não podemos fazer nada, porque obviamente não entra em nenhuma destas três espécies. Portanto, o Ministério Público pode fazer essas averiguações, mas embora possa fazer esse confronto, depois não tem como e obviamente que vai fazer aquilo que os outros fazem que é ver o que é que ele disse e ver se ele tem mais um carro ou andar que não declarou.
Não é possível, por isso este meio processual tem de ser registado por lei.
Já para não me baterem, vou passar isto à frente e gostaria de terminar com três rápidas citações que acho muito interessante, uma é de Aldous Huxley e diz o seguinte: "A tendência para a corrupção está implantada na natureza humana desde o princípio. Alguns homens têm força para resistir a essa tendência, outros não a têm”. O meu colega, que já referi, Henrique Gaspar, diz: "A história da corrupção tem sido a de permanência, mas também a de afirmação ética e de combate de uns tantos. A história da corrupção, afinal, dita de modo simples, é uma fábula da luta entre o Bem e o Mal”.
E Thomas More em "Carta para Erasmo” referiu: "Se a honra fosse rentável todos seriam honrados”.
[RISOS, APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado, senhora Procuradora-Geral Adjunta. Vamos para o primeiro ciclo de perguntas: grupo Encarnado, Margarida Gervásio e depois o grupo Roxo, Carolina Gonçalves.
Margarida Gervásio
Antes de mais, boa noite.
Dr.ª Cândida Almeida, recentemente assistimos a uma enorme polémica acerca das nomeações dos juízes para o Tribunal Constitucional. Toda esta crise deveu-se ao facto de não ter havido um consenso entre os partidos políticos.
Sabendo isto, não acha que o modelo de nomeação devia ser revisto, dado que pode levar a uma certa partidarização da Justiça? Será que o poder político não devia estar mais afastado dos tribunais?
Obrigada.
Carolina Gonçalves
Boa noite, quero agradecer desde já, em meu nome e do grupo Roxo, a sua presença, Dr.ª Cândida Almeida.
É tido como válido, quanto mais não seja do ponto de vista social, que os países do Sul, os latinos, têm um índice mais elevado de corrupção quando comparados com os bem comportados países do Norte.
Na sua opinião, este preconceito social é fundamentado? Se sim, o que poderá estar a contribuir para essa idiossincrasia?
Cândida Almeida
Relativamente à pergunta da Margarida, sobre a eleição dos juízes do Tribunal Constitucional concordo que este modo de eleição pode perturbar e manchar a independência dos juízes e também a independência e integridade dos partidos que os elegem.
A política devia estar efectivamente mais afastada porque nós não estamos propriamente nos Estados Unidos em que os juízes fazem campanha sobre isto ou aquilo, o que eles têm de prometer é aquilo que está na lei, serem independentes e sujeitos ao princípio da legalidade e da objectividade.
Se é preciso conciliar um nome entre os vários partidos parece-me que alguma coisa está aqui errada. Não concordo com este tipo de eleição. Concordo que exista o Tribunal Constitucional; há para aí algumas vozes que deveria até ser extinto e portanto passar para uma secção do Supremo Tribunal de Justiça.
A verdade é que não me parece que isso acompanhe a corrente moderna dos outros países, quer europeus, quer dos Estados Unidos e os mais avançados, que têm todos eles o seu Tribunal Constitucional. Concordo que o modelo de eleição não seja o melhor, e, portanto, permite que fique depois a percepção, mesmo que não haja, de que "eles agora vão votar a favor”, ou, "ah, já se sabe que esses vão votar contra”. Por isso, uma intervenção fundamental para a Democracia que é o Tribunal Constitucional entra na vulgaridade.
Relativamente à Carolina, como eu disse há pouco nos países do Norte não fazem investigação da grande criminalidade e corrupção, porque afecta a imagem do Estado e, portanto, isso vai já baralhar os dados.
Porque há a pequena corrupção e a média, e talvez mantenham mais o segredo; se se lembrarem, às vezes há tal escândalo que realmente cai o ministro, o director do grupo de pessoas que cometeu a corrupção. Podemos dizer que os Estados do Sul são mais permissíveis? Não posso dizer que seja assim, o que posso dizer é que realmente a percepção que temos e a discussão permanente é de que nós somos mais corruptos do que os do Norte, mas esse perito isento que era sueco veio dizer que não têm corrupção porque não a investigam, nem vem cá para fora.
Portanto, duvido que haja países do Sul piores que os do Norte. Como viram através das citações que acabei de fazer do Huxley que não é português, diz que é inerente à pessoa humana, o que é normal e de tempos imemoriais, desde que existe pré-história que a corrupção existe. Pode não ser rigorosamente o nosso conceito mas fala-se em corrupção, portanto isso em todo o Mundo.
Depois, em Educação, há uma coisa muito importante que acabei por não dizer: a luta contra a corrupção deve começar nos bancos da escola, porque é aí que os miúdos estão abertos e podem-se orientar pela ideia de quem eles admiram, os professores, que a corrupção não presta e os vai prejudicar, na escola, no futuro, no seu serviço e a sociedade em que vivem.
Portanto, aí, na questão da Educação contra a corrupção talvez os países do Norte estejam mais atentos e comecem mais cedo a ensinar – não vamos utilizar a palavra denúncia, que é aborrecida – a comunicar os crimes e as suspeitas de crime. Nós não temos isso, temos um código de silêncio "porque não somos bufos”, que é assim que nós dizemos.
Temos ainda um passado que nos prejudica, antes do 25 de Abril, mas portanto não é "bufos”, nós estamos a salvaguardar a nossa Democracia e penso que é aí que reside a diferença. É que lá comunicam, preventivamente chegam mais rapidamente do que nós, porque ninguém nos avisa, ninguém nos diz nada, o código de silêncio é pleno e nós só sabemos mais tarde.
Agora, diferenças de corrupção penso que não existem, porque somos todos humanos.
Obrigada.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Segundo bloco de questões: grupo Rosa, Joana Baptista e do grupo Verde, a quem agradecemos o simpático convívio durante esta noite, Marta Palma de Carvalho.
Joana Batista
Boa noite a todos, em especial à nossa convidada Dr.ª Cândida Almeida.
Dadas as diferenças ideológicas entre os dirigentes do Ministério Público e a Ministra da Justiça, como se coadunam esforços no combate à corrupção? Outra questão que gostaríamos de ver esclarecida diz respeito aos "crimes de colarinho branco”. É um crime silencioso, invisível e tardiamente detectado e a verdade é que é muito difícil de combater. Assim, o que pode ser feito? Consegue identificar algumas medidas?
Obrigada
Marta Palma de Carvalho
Boa noite a todos os presentes e em especial à Procuradora-Geral, Dr.ª Cândida Almeida.
Actualmente, são feitas 1800 queixas de corrupção por ano. A senhora Procuradora-Geral afirma-se optimista em relação a estes resultados, mas referiu que estão bem longe de serem esmagadores.
Sabemos que a criminalidade económica e financeira não é algo que aconteça há muito em Portugal, começou a ter maior incidência a partir da revolução de 74, ou seja, a evolução do país foi feita a par da evolução da criminalidade. Podemos afirmar que estes crimes económicos se devem ao momento de crise económica em que nos encontramos, ou a uma contínua ambição dos mais ricos?
Obrigada.
Cândida Almeida
Relativamente à primeira pergunta, não sei sinceramente se há diferenças ideológicas entre a senhora Ministra da Justiça e o Ministério Público. Pode haver diferenças entre os magistrados entre si e um ou outro com a senhora ministra, mas relativamente ao Ministério Público, é uma magistratura que tem como princípio básico o da legalidade e da objectividade, portanto o que ele faz é ter uma lei e cumpri-la.
Não tem que atacar, fazer uma cruzada contra quem for, porque existe uma lei, existem indícios de crime, acusa; não existindo indícios suficientes e sobretudo tendo presente o princípio da inocência do arguido, não acusa.
A senhora ministra, como ministra responsável que é, tem a seu cargo a política legislativa e portanto exercer a política e não há qualquer problema. Percebo a pergunta, porque é aquilo que eu digo: nós estamos no sistema, nenhuma de nós, nem o Ministério Público, nem a senhora ministra, nem a Assembleia da República, nem a oposição, nem o Governo, são anarquistas lutando uns contra os outros apenas para se digladiarem.
Fazemos todos parte do sistema e tenho a certeza que todos os representantes dos vários órgãos de soberania querem é um melhor país, podemos discutir qual a melhor via, mas isso é que é a Democracia, discutirmos qual é a melhor via para atingirmos um objectivo comum, uma melhor Justiça, Saúde e Educação.
Portanto, não se coloca sequer esta questão de qualquer divergência ideológica que possa afectar as relações com a senhora Ministra da Justiça. Há pessoas individuais que podem criar esses problemas, o Ministério Público, os juízes, os advogados, seja que grupo for, não.
Independentemente de algumas pessoas que possam criar isso, "não é uma andorinha que faz a Primavera”, por isso é realmente o grupo e a respectiva função sem existir qualquer problema de ligação entre o Ministério Público e a senhora Ministra da Justiça, pessoalmente até tenho muito respeito por ela.
Relativamente à Marta, que colocou o problema das 1800 denúncias anónimas, porque processos são menos, isso está estabilizado no último triénio de 2010-2012 e prevê-se até ao final que mais ou menos são 750 processos que estão em investigação de corrupção a nível nacional. Se desses retirarmos os que estão mal descritos e que realmente não são corrupção, mas crimes afins, penso que num universo de 500 e tal mil processos que rogam, ou têm movimento a nível nacional, isto não é nada, por isso é que digo que é residual.
Pode haver, efectivamente, as cifras negras, mas eu não sei se há realmente outra possibilidade, as pessoas são convidadas a dizer anonimamente que existem situações com quaisquer indivíduos e não, isto não é uma luta que não pode ser só o grupo profissional de magistrados e de OPC (Órgãos de Polícia Criminal) a fazer, isto é uma incumbência, um imperativo democrático, de todos os cidadãos.
Portanto, se os cidadãos sabem, ou têm indícios de prática de corrupção, têm de a comunicar. Temos de alertar, fazemos conferências, a Comunicação Social vai no primeiro dia, mas depois também se desinteressa, ou seja, gostam de falar, mas depois ninguém ajuda nem apoia esta luta. E a luta é de todos, não pode ser só de alguns e como eu disse há pouco começa nos bancos da escola.
Relativamente à corrupção é esta a realidade que temos. Acerca do crime económico-financeiro, tem razão, vivemos num mundo global, numa sociedade sem fronteiras, em que as coisas que acontecem em Hong Kong, ou nos Estados Unidos, etc., têm impacto aqui. Portanto, a globalização tem esta parte negativa também, é que o crime também se globalizou e sobretudo organizou-se, é crime organizado que no âmbito económico-financeiro é uma realidade.
Aliás, o Dr. Cunha Rodrigues, ex-Procurador-Geral e o Jean Ziegler que também escreveu sobre os senhores do crime, alertam para o perigo de este crime organizado tomar conta dos próprios Estados, tal a influência que têm. Portanto, é um alerta muito grande que tem de estar permanentemente na nossa cabeça, espírito e actuação, que temos de agir quer ao nível da prevenção, quer ao nível do combate e perseguição criminal.
Sobretudo ao nível da prevenção, realmente "mais vale prevenir do que remediar” e se tivermos atitudes ou começarmos a tomar medidas para prevenir, mais fácil é quando a rede e os filtros não conseguiram evitar o crime, mas sempre é residual e esse também é o destino do Direito Penal, ser residual e ser apenas aplicado em casos extremos em que a prevenção, educação, a cultura, a prevenção social e criminal, não chegou lá.
É evidente que com o desenvolvimento do país, cresce o crime económico-financeiro, porque realmente às vezes se passa por épocas em que mostrar que se tem poder e dinheiro é muito importante, mesmo que não seja nosso e seja "roubado” ao Estado ou a quem for. Portanto, a criminalidade económico-financeira existe, mas de uma maneira geral toda ao fim e ao cabo tem crescido, mas penso que a criminalidade económico-financeira não seja tanto a corrupção, ou o tráfico de influências, mas mais a fraude fiscal, no contrabando, etc., cuja prevenção tem funcionado.
Agora, não podemos baixar os braços e, obviamente, temos de estar numa luta por melhores condições e meios, porque os senhores do crime não têm problemas: são ricos, têm juristas, têm fiscalistas e toda uma panóplia de meios que rapidamente tecem uma filigrana de tal modo que nós olhamos para as coisas e aparentemente está tudo certo.
Só para dar um exemplo: no caso da "Operação Furacão”, o próprio inspector tributário já tinha ido a muitas daquelas empresas e não tinham descoberto, foi preciso um processo-crime, comparar a informação, documentação falsa que não correspondia àqueles tais serviços que eles diziam ter pago e portanto, com o cruzamento das empresas que tinham pedido e daquelas que disseram que tinham facturado, o que se compilou em milhões de documentos, só com isso é que se pôde averiguar e chegar à conclusão.
Porque vão ver, está tudo a justificar, tudo a bater certo, porque os documentos são falsos e os inspectores tributários não vêem, porque têm de ser a inspecção criminal que depois verifica que o documento não corresponde. Ora, para isto é preciso fazer várias operações, buscar ali e depois aqui e fazer o cruzamento, senão não chegamos lá, porque os números de peritos não são infindáveis e temos poucos, magistrados também. Digo muito sinceramente, os magistrados trabalham a maioria a fazer este tipo de função, o cruzamento.
Eu costumo dizer: num homicídio o cadáver fala, o ambiente fala, os salpicos de sangue, a trajectória da bala, o buraco da bala e ali não há nada, é só o cruzamento de documentos. Por isso é difícil, é moroso e daí que insista que não é não fazer, desistir, é muito complexo.
Já várias pessoas têm ido comigo ao departamento, levo-as ao perito e pergunto-lhe: quanto é que demora uma perícia destas na fraude fiscal em carrossel, que é intracomunitária, tem várias empresas, falsificação de facturas, vão buscar IVA ao Estado que nem sequer pagaram com documentação falsa, enfim, milhões de euros ao Estado? E o inspector diz: "Bom, nós temos um ano para acusar quando o arguido é preso, se o arguido é preso dez meses, a partir daí podemos fazer as diligências, mas se não é preso, neste tipo de departamento, dois anos.”
Portanto, é isto que demora, mas não desistimos e contamos convosco também.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Terceira ronda de pergunta: pelo grupo Amarelo, Hugo Ricardo Silva e pelo grupo Bege a Sílvia Santos.
Hugo Ricardo Silva
Boa noite. Queria cumprimentar a nossa convidada, a mesa, o grupo parlamentar verde por nos ter humildemente recebido e convidado para este jantar-conferência, nunca ninguém o fez por isso tomo essa liberdade.
Na aula que tivemos esta manhã com a Ministra Paula Teixeira da Cruz, ela confidenciou-nos que mal tomou posse perguntou-se do que precisava para trabalhar. Eu não lhe vou perguntar isto, vou perguntar do que precisa esta geração jovem para não cair em corrupção e ser uma geração credível para a sociedade?
Outro aspecto sobre o qual gostava de a ouvir é sobre a imunidade dos políticos. Para finalizar, um a última questão: o poder político em Portugal influencia de facto a Justiça?
Muito obrigado.
Sílvia Santos
Boa noite a todos.
Antes de mais, cumprimento de forma muito especial a nossa convidada. Mais uma vez termos entre nós uma mulher forte, dizer que é um privilégio que tenha sido a primeira mulher a entrar na magistratura portuguesa.
Senhora Procuradora, eu, como a maior parte dos portugueses, percebo muito pouco de Direito Processual Penal, contudo percebo que quando existem fortes suspeitas sobre determinado indivíduo e acontece em muitos casos mediáticos, tanto nacional como internacionalmente, esse indivíduo é detido para haver melhor investigação.
Assim sendo, a minha pergunta e da maioria dos portugueses decerto, e aqui dispo-me de qualquer camisola política e falo mesmo como cidadã portuguesa: como é que o antigo Primeiro-Ministro, José Sócrates, vive e estuda em Paris como se nada se passasse fazendo uma vida de grande luxo com os dinheiros que ganhou em Portugal e sem nunca ter sido detido?
Será que há algum tipo de protecção só por ter sido Primeiro-Ministro, ou este é um caso como o do senhor Vale e Azevedo que consegue passar impune nos buracos da lei?
[APLAUSOS]
Cândida Almeida
Relativamente ao Hugo, esta geração jovem primeiro precisa muito sinceramente destas reuniões, destas universidades, para conviverem, pois do convívio íntegro e são nasce uma geração mais forte e mais democrático. Penso que o falar-se neste tema da corrupção é benéfico e há pouco usei a imagem da maçã podre que é o que um instituto de luta contra a corrupção de Hong Kong utiliza e esta maçã podre que é a corrupção é para deitar fora, e portanto se esta geração perceber que está directamente a prejudicar muitos outros já é muito bom.
Porque ao contrário do que se possa dizer a corrupção tem vítimas individuais porque há sempre alguém prejudicado.
Para eu comprar um serviço para mim, alguém do lado sai prejudicado, senão não seria necessário que eu comprasse, ou seja, vender o meu produto que não vale, porque se valesse também era eu que ganhava o concurso, portanto há sempre um directo, ainda que anónimo, prejudicado e depois como digo, a nossa democracia só vive bem se houver uma relação de confiança entre os eleitores e eleitos, entre os governantes e governados.
Portanto, nesta geração sou optimista, sim e acho realmente que esta juventude tem sempre esta vontade e entrega de fazer melhor e é exactamente chamando à atenção, conversando convosco também consciencializando que realmente se querem um mundo melhor têm que o construir para vocês e para os vossos filhos.
Penso que esta geração vai construir um mundo melhor. Também passei pela juventude e temos muita força, dedicação, horas, não dormimos, aliás, como vocês fazem aqui que trabalham imenso.
[RISOS, APLAUSOS]
Temos tempo para tudo e acho que é esta abertura é importante e nos mais velhos é a passagem do testemunho, sejam íntegros, leais, independentes, transparentes, lutem pelo país, independentemente da ideologia, da ideia de cada e portanto, acho que estamos realmente no bom caminho.
Relativamente à outra pergunta, se há influência dos políticos na Justiça, acho que não. Nunca tive acesso, ou qualquer vislumbre dessa situação. Devo dizer que, cada vez que preciso de alguma coisa, trato com o político correspondente, ou seja de um ministério, falo com as pessoas e nunca ninguém me falou de uma maneira mais estranha, ou que pudesse ser entendido como influência.
Estou em crer que não, definitivamente, relativamente a mim, ou a outros colegas, não, porque nunca vi nestes 38 anos de magistratura.
Os magistrados são seres humanos e a pressão que por vezes sentem é mais uma pressão mediática, porque a notícia corre mais rápida, a imprensa não precisa de ter testemunhas, tem as suas fontes que protege, nós não temos fontes protegidas, elas têm de assinar.
Portanto, quando às vezes sai uma notícia e nós ainda não temos resultados, essa é que é a pressão, mas é uma pressão de trabalho, à qual temos de resistir e aprender a resistir porque o tempo da Imprensa não é o mesmo da Justiça. Logo, se há alguma "pressão” é esta de sermos capazes de apresentar resultados tão rápidos quanto no fundo as pessoas querem.
Também, o que leva a Imprensa a exigir-nos e a dizer "nós já fizemos, nós já sabemos”, pois sabem, mas não nos dizem nem as testemunhas nem eles assinam as notícias. Nós temos de ter quem assine os depoimentos e temos de ter toda esta análise dos documentos para provar, porque não vale a pena, do meu ponto de vista e acho isto inacreditável, levar um cidadão sobre o qual não temos um indício suficiente de que com aquela prova vamos condenar é uma coisa terrível e uma humilhação.
Imaginem que isso acontece com um familiar nosso, que sob pressão mediática, ou porque toda a gente diz que roubou ou assim, vai a julgamento; essa pessoa tem a vida completamente destroçada e também não faço cruzadas. Portanto, se existem indícios e previsão de que vamos obter a condenação, nós acusamos, senão sinceramente aconselho os meus magistrados a só acusar com indícios para a condenação, porque senão destrói-se a família e a vida das pessoas e fica sempre a dúvida de ser inocente ou não e veio depois a ser absolvido.
Estas pessoas ficam com a vida completamente estragada.
Relativamente à segunda pergunta, sobre as fortes suspeitas do Sócrates, eu disse há pouco tempo e isto até tem a ver com esta situação, que o Ministério Público tem agora o poder de confrontar e compatibilizar a declaração de património com o património real, mas não temos meio para o fazer. Nós vamos instaurar um inquérito por suspeitas de quê?
Nós tínhamos é de previamente ver qual é o património que declarou, o património que tem e, portanto, poder ver e consultar as bases de dados fiscais, bancários, etc., se existe ou não compatibilidade, se a declaração do cidadão, neste caso o Eng.º Sócrates, tem ou não tem dinheiro. É no fundo aquela questão do enriquecimento ilícito. Nós não podemos abrir investigações para vermos se apanhamos alguém, tem de haver suspeitas.
É verdade que o senhor está lá e que tem essa vida, mas o que é que vamos fazer se não podemos sequer investigar a base de dados fiscais à parte, quero dizer, cometendo um crime, podemos ir lá ver ilegalmente, mas depois não podemos usar isso. Nesta parte há um instrumento que realmente faz muita falta, que é o meio através do qual nós podemos investigar o património declarado e o que está a ser utilizado.
Senão, não podemos. O Ministério Público, fazendo parte dos Tribunais e obrigando a princípios de muita objectividade, não pode perseguir quaisquer cidadãos. Vejam o que acontece: hoje é um, amanhã é outro e assim se dá "uma caça às bruxas”. Nós não queremos nenhuma república de juízes, somos magistrados que devemos cumprimento à lei e investigações nos termos da lei penal; não há, nem pode haver, uma república de juízes.
Imaginem só o que era os juízes –lato sensu, porque os magistrados não são juízes -, começarem com: "agora vou ver a conta deste, depois vou ver a conta daquele…”; isso era também um maior perigo para a Democracia. Portanto, há regras e se não elas não existem vamos criá-las.
Por isso é que eu disse aqui, sabendo bem que há aqui senhores deputados que podem, se assim o entenderem, um dia preocuparem-se com esta questão que é fundamental e devo dizer que o pacote contra a corrupção, a meu ver, satisfaz plenamente a não ser nestes pontos. A Sílvia falou num ponto essencial.
Os magistrados têm regras e têm de as cumprir, sob pena de ser tão grave a sua discricionariedade quanto a corrupção; temos de ter regras e têm de confiar em nós, sejam de que ideologia, futuros políticos, desde que sejam democráticos. A minha democracia realmente não chega a nazismos e ditaduras, por isso desde que sejam eleitos pelo povo e estejam nos vossos postos por eleição transparente, como acontece no caso do nosso país, nós não podemos perseguir e somos cidadãos que servem o cidadão.
Muito obrigada.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Penúltima ronda de perguntas: pelo grupo Cinzento o António Campos e pelo grupo Castanho o Fábio Pinto.
António Campos
Muito boa noite, companheiros, mesa e digníssima convidada.
Quero dirigir uma palavra inicial de apreço à nossa convidada de hoje por vir falar de um tema que considero sensível e "meter” o dedo na ferida em algo que tem tido desenvolvimentos sérios e gravosos nos últimos anos no impedimento claro à progressão dos processos democráticos, quer no serviço do cidadão, quer nos reais interesses de Portugal.
Segundo a teoria de Montesquieu da separação de poderes para impedir a monopolização da soberania do Estado, este seja dividido em três: poder legislativo, que tem a função de elaboração de leis; poder executivo, com a tarefa de implementá-las; e por último, poder judicial com a missão de julgar e decidir em função delas.
Constatamos, hoje em dia, que a realidade é relegada, em muitos casos, às mais poderosas firmas de advogados a incumbência de produzir parte ou até totalidade da mais importante legislação nacional. São contratadas a troco de honorários milionários e produzem diplomas que por norma padecem de três defeitos, que são imensas as regras para que ninguém as perceba, são muitas as excepções para beneficiar os amigos, e finalmente a legislação confere um ilimitado poder e discricionário a quem aplica, o que constitui uma fonte de muita corrupção.
Posto isto, pergunto à Doutora que medidas podemos tomar para evitar a promiscuidade entre o poder, oslobbiese a Justiça?
Muito obrigado.
Fábio Mousinho Pinto
Antes de mais, boa noite. Em primeira instância, gostaria de cumprimentar a mesa e saudar os meus colegas do grupo Verde e em nome do meu grupo dar uma especial atenção ao cumprimento à nossa convidada de hoje, Dr.ª Cândida Almeida.
Em consonância com a questão do meu colega e também interessados naquilo que é o envolvimento e o âmbito que nos diz respeito a nós, portugueses, gostaríamos de saber como é que se desenvolve neste momento e na verdadeira prática a cooperação judiciária em relação ao que diz respeito à matéria penal com a União Europeia, nomeadamente no que diz respeito à corrupção do crime organizado.
Paralelamente a esta questão, gostaríamos de compreender o que fazer para evitar esta situação, em particular sobre a utilização deoffshorespara este fim.
Obrigado.
Cândida Almeida
Relativamente ao António, comungo das suas preocupações e as do grupo, quando diz que há grande promiscuidade com grandes escritórios de advogados que por vezes fazem as leis com lacunas para depois darem os pareceres para preenchê-las.
Portanto, é complicado. Enfim, várias soluções poderiam ser apontadas e espero que ninguém me mate à saída daqui por dizer isto, mas a verdade é que nos temos por vezes confrontado com essa questão.
Legislação muito específica em que há poucas pessoas que percebam e entendidas no assunto, aparece-nos uma lei muito complexa, em que a leitura não é clara, é muito dúbias e depois aparecem pareceres dando a sua versão sendo que o buraco na lei terá sido mantido para depois virem explicar e ganhar por duas vias.
Penso que a Administração Pública tem gente muito boa, como a privada, obviamente. Somos todos nós, estudamos nas mesmas faculdades, andamos nas mesmas tertúlias e grupos, portanto, a Função Pública tem juristas e práticos de excepcional valor.
Nem tudo o que é antigo é mau, mas o que se fazia antigamente era criar grupos multidisciplinares, todos trabalhando de graça e dando a sua contribuição teórica e prática para a criação da lei. Logo, não eram os escritórios de advogados que faziam leis, porque isso não lhes compete, mas sim ao poder legislativo e ao Governo.
O que nós víamos era por exemplo o Código Penal de 1987 e penso que a equipa que o estudou e levou a cabo foi nomeada pelo então Ministro da Justiça, o Dr. Pimentel, e depois também actualizada com o Dr. Laborinho Lúcio e o que é que tinha? Era uma equipa mista de alto valor, de grande sabedoria e também de prática, porque tinha o então Procurador-Geral da República, o Dr. Cunha Rodrigues, que é realmente uma pessoa que sabe não só de Direito nacional como de internacional, tinha o Professor Figueiredo Dias na área de Processo Penal que também era fantástico e realmente garantia o saber, a teoria e até a comparação dos Códigos e sistemas europeus e mundiais. Tinha também um advogado, Dr. António Barreiros que era secretário, tinha um magistrado que era um procurador, um juiz e um elemento da PJ.
Portanto, este grupo era altamente especializado: tinha a prática, com um magistrado do Ministério Público no terreno, o órgão de polícia criminal, tinha também o advogado e depois os teóricos.
E o Código de Processo Penal na sua arquitectura inicial é fantástico. Todas as pessoas e grupos internacionais, sobretudo naqueles que querem aderir à União Europeia, querem copiar o nosso Código, só que depois entretanto, os alicerces e alguns dos seus pilares foram um pouco abalado e hoje penso que há alguma coisa a mudar.
Mas a verdade é que não foi preciso ir buscar um escritório de advogados e nós temos em todas as áreas técnicos suficientes e capazes para fazer as leis e depois pô-las à discussão pública para que todos possam dar a sua opinião e contribuir. Penso que isto passaria esta situação, não só dos milhões que se pagam, que vocês não imaginam e eu também não vou dizer, mas são muitos milhões que se pagam para trabalhar para o Estado e depois até há ummaila dizer "eu não vi isto, porque senão não tinha passado”.
Acho que a advocacia – e penso que também é humano – quer estender-se e ocupar todos os espaços, mas não pode sob a pena de desequilíbrio, porque depois estão em vários lados, estão como advogados, estão depois como legisladores e depois ainda dão pareceres.
Portanto, penso que realmente cada um devia estar no seu posto e a Função Pública em geral deve ser considerada e mesmo os próprios participantes privados, os advogados, podem colaborar nestas equipas e assim se resolveria a questão.
Quanto à outra pergunta que foi feita sobre a cooperação judiciária com a União Europeia, é preciso ser-se sensível a essa situação e encontrarem eles do lado de lá alguém que compreenda as dificuldades. Porque nós mandamos uma carta rogatória – façamos de conta –, e não podemos exigir que eles cumpram, por isso é necessário encontrar do lado de lá alguém que perceba que nós temos prazos e que temos de cumpri-los e que sem a tal carta não podemos fazer o nosso serviço, que é o que eu disse sobre estar a trocare-mailsa dizer que é fundamental e que me ajuda muito.
Portanto, a cooperação é fundamental, pois é um instrumento sem o qual o crime organizado transnacional, a corrupção e o branqueamento de capitais não são investigados. Como eu disse, se tudo se passasse aqui, se os criminosos pusessem o dinheiro cá, mas não eles põem o dinheiro lá fora, por isso toda ou a maioria da prova está lá fora. Se nós encontramos um colega que realmente demora tempo, estamos mal, e portanto a cooperação internacional é imprescindível e para isso já se tentou criar organizações, umas mais formais e outras menos.
Temos uma organização europeia que permite que cada um dos colegas da União Europeia entre em contacto directo. Portanto, enviamos a carta rogatória directamente para o tribunal. Se demora, podemos pedir para verem se a carta é cumprida, porque estamos muito aflitos e têm acontecido situações dessas, mas há outras que não vale a pena, nomeadamente com a Espanha, Inglaterra, Alemanha.
E tudo ali pára. A Espanha multiplica, mandamos para um sítio e nunca é ali, mandamos para o Norte e para o Sul e portanto não temos uma unidade de resposta; a Inglaterra não nos responde e só mais tarde, passados uns três ou quatro anos, diz-nos "olhem, não respondo porque abri um inquérito”, e portanto temos uma má história com a Inglaterra. Na Alemanha, também não são tão bons quanto isso, porque não nos respondem, sobretudo quando têm outros interesses mais relevantes do que a cooperação internacional.
A Eurojust também é outro instrumento fundamental e é para eles que nós telefonamos a pedir se podemos fazer uma reunião de coordenação e para verem que nós precisamos disto. Vai-se tentando, vai-se conseguindo, é também uma aprendizagem muito complicada, porque a soberania e o seu processo e país é que interessa e não a partilha e auxiliar, mas temos conseguido bastantes progressos e nomeadamente com a Eurojust as coisas têm corrido bastante bem.
Finalmente, tinha aqui outra pergunta sobre a corrupção que é sobre uma área fundamental. A Suíça não faz parte da União Europeia, também quero dizer isto, porque nós temos muita dificuldade em que eles cumpram os prazos. Só por acaso e isto é sempre o ser humano, nós temos uma colega em determinada cidade que fala português porque esteve no Brasil e é com ela que falamos ao telefone.
Portanto, o elemento humano é sempre muito importante, mas é difícil, nomeadamente na corrupção a Suíça só começou a colaborar, não no branqueamento em que não colabora mesmo, mas depois do 11 de Setembro. Os casos de branqueamento e corrupção podem ser para financiamento do terrorismo e a partir daí começaram a colaborar, mas é muito complicado.
Há sempre um elemento humano que temos de utilizar, como o telefone, ou a reunião com este colega, por isso é que as reuniões internacionais são importantes até pelas relações que se conseguem e vamos também alertar para estas situações.
Umas das questões que já me tinham perguntado, é que numa das reuniões a que já assisti da rede nós queríamos pelo menos tentar que se colocasse um prazo para o cumprimento, por exemplo que as cartas rogatórias tivessem um prazo para serem cumpridas, sob pena nem que fosse de qualquer sanção disciplinar, mas é uma questão muito complicada, ainda em discussão, não sei se vai para frente, porque as pessoas são muito ciosas da sua independência e soberania.
Muito obrigada.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Senhora Dr.ª Cândida Almeida, nós temos a tradição de dar a última palavra à nossa convidada e portanto este é o momento em que tenho de lhe agradecer a sua vinda aqui e tirar o proveito de ter o microfone para dizer duas ou três coisas.
A primeira é fazer-vos um apelo, sei que esta é a última noite e estamos todos muito cansados, mas amanhã ainda precisamos de vocês às dez da manhã para fazerem a avaliação. A avaliação é um momento essencial; aquilo que temos hoje em termos de Universidade de Verão é um resultado pressuposto da avaliação dos vossos colegas ao longo dos anos.
Portanto, eu sei que vos vai custar, é o último esforço, mas peço-vos que amanhã estejam todos presentes, pois precisamos que façam a avaliação da Universidade de Verão.
Em segundo lugar, dizer-vos que agradeço muito o gesto que tiveram no início deste jantar, mas o seu a seu dono. Esta Universidade de Verão é um sucesso graças a três ordens de razão: a primeira é a equipa que vocês conhecem, ela não é clandestina, vocês conhecem do "Quem é Quem”, são pessoas que pensaram a Universidade de Verão, que trataram do som, da imagem, o criativo que fez toda a parte gráfica, quem faz o JUV, a UVTV, quem assegura o trabalho dos conselheiros, os avaliadores, vocês conhecem as duas dezenas de pessoas que estão na organização da Universidade de Verão.
Portanto, é tocante quando me fazem uma referência, mas eu não poderia, não conseguiria, fazer a Universidade de Verão sem a ajuda, na maior parte dos casos, desinteressada, porque a maior parte dos membros dostaffnão são funcionários do partido, são colaboradores voluntários que, ano após ano, tentam fazer a melhor iniciativa para vos oferecer a melhor experiência de formação política e cívica que creio que temos em Portugal.
Depois, quem faz o sucesso da iniciativa são vocês. Não é possível fingir a Universidade de Verão. Não há um jornalista que venha, ano após ano, e não vos veja a trabalhar à noite, que não se admire por às dez horas em ponto, ou às 14h30 em ponto, estarmos todos na sala, num país em que o atraso faz parte das regras.
Dizia-me o Professor Adriano Moreira, logo na primeira aula: "Carlos Coelho, vocês estão fora da lógica porque eu estou habituado a um quarto de hora que às vezes é meia hora, ou quarenta e cinco minutos. Ele admirou-se por as coisas começarem mesmo à hora certa.
Nós damos um exemplo ao país, de rigor, de pontualidade, de empenho e vamos ser claros, por mais que quisesse não teria condições de estar atrás de vocês, um por um, para estarem lá às dez. Foram vocês que aderiram ao modelo, puseram isso em termos de exigência e deram o exemplo.
Não era possível o sucesso da Universidade de Verão sem vocês.
Em terceiro lugar, também não era possível o sucesso desta iniciativa sem os nossos convidados. O que é facto é que da Esquerda à Direita, do mundo académico ao mundo da política, do mundo dos negócios ao mundo da informação, todas as pessoas que temos convidado e muitas delas, como sabem, fora do nosso partido, têm dito sim, manifestado uma grande abertura por virem à nossa Universidade de Verão, têm colaborado connosco, têm-nos oferecido o seu património de experiência e de saber e isso não tem preço.
Não tem preço que pessoas que não têm nenhuma obrigação, percebam que o nosso convite é genuíno e queiram, de uma forma genuína também, partilhar convosco aquilo que têm a dizer sobre a organização do país e sobre o nosso futuro comum.
Eu creio que é isto, um conjunto de pessoas que organiza, não sou só eu, é um conjunto de pessoas, são vocês, que dão o melhor exemplo e um conjunto de personalidades que dizem "presente”.
A última é esta, a Dr.ª Cândida Almeida, a pessoa mais importante do país no âmbito da investigação e coordenação de acção penal, uma magistrada que aceitou o nosso convite e muito lhe agradeço e que agora vai responder às duas últimas perguntas. Vamos deixar-lhe a última palavra.
As últimas perguntas são do Dery Cabral do grupo Laranja e do Jorge José do grupo Azul.
A todos, muito obrigado.
[APLAUSOS]
Dery Cabral
Muito boa noite a todos. Aproveito para cumprimentar a nossa convidada de hoje, a senhora Dr.ª Cândida Almeida, em nome pessoal e do grupo Laranja.
Alguns estudos realizados há não muito tempo, nomeadamente - como referiu a senhora Doutora - o de transparência internacional, revelam que Portugal é um dos países mais corruptos da Europa Ocidental. Ultimamente, temos presenciado os enormes esforços dos Governos para fazer face aos problemas mais prementes como a instabilidade dos mercados financeiros e a pobreza, como se olvidando em alguns casos que a corrupção é um obstáculo aos avanços necessários nestas áreas.
A falta de vontade política, a existência de leis defeituosas, uma Justiça pouco interventiva, uma fraca qualidade da sociedade civil e consequentemente da própria Comunicação Social, têm sido apontadas como as principais causas que minam o combate à corrupção em Portugal. Deste modo, pergunto-lhe qual seria o apelo que faria, neste caso, à classe política e à classe social de medidas de combate da corrupção ao nível sociológico.
Tendo em conta, também, que na corrupção muitas vezes não há vítimas directas e concretas, nem testemunhos que denunciem os factos, quais as formas de reforço de investigação contra a corrupção que lhe parecem que devam ser aplicadas a nível jurídico?
Para terminar, uma questão de outra índole: na sua opinião, não considera que o Código do Processo Penal é demasiadogarantístico, nomeadamente em questões da prova, dificultando a investigação penal?
Muito obrigado.
Jorge José
Muito boa noite a todos os presentes. É uma honra tê-la aqui e é uma honra ainda maior por ser a última pessoa a fazer uma pergunta na Universidade de Verão.
Em nome do grupo Azul, queria agradecer a toda a gente que participou nesta universidade. Na quinta-feira, tivemos cá o Dr. António Borges e ele fez uma referência a Singapura porque há um sistema orçamental público e privado muito competitivo, para nos dizer que o sistema público às vezes fica muito fragilizado em relação ao privado.
No enquadramento do nosso país isso podia ser uma medida: para além de combater a fragilidade do sistema público, combater também a corrupção?
Obrigado.
Cândida Almeida
O Dery é de Cabo Verde que é onde tive muito gosto de falar no mês passado sobre branqueamento e corrupção. O seu país além de ser lindo, também tem a preocupação da luta contra a corrupção e portanto tenho muito gosto em conhecê-lo e cumprimentá-lo pelo seu país.
Relativamente ao apelo à classe política e sociedade, pedia em termos de afecto e sentimentos o apoio, em primeiro lugar, e o incentivo para o nosso trabalho e que as pessoas, tanto políticos como sociedade civil, mais até a esta última, porque efectivamente a maior parte dos políticos responsáveis não se mete nessas considerações, mas o apoio ao trabalho que é desenvolvido pelos investigadores, pelo Ministério Público, pelas polícias, e que não seja uma máquina de retalhar o trabalho de cada um.
Porque sistematicamente, quase todos os dias, uma parte do meu dia é de apoio aos magistrados que trabalham comigo, pois aquilo que fazem, ou procuram fazer, não é entendido e às vezes pela hierarquia que em tudo vê o mal, falhas e erros. Somos seres humanos como todos os outros e obviamente que temos falhas, mas se trabalharmos nesta área em que contrapõem e se encontram interesses contraditórios em jogo, há um jogo daquele que considera inocente, há um jogo do que sabe que está inocente, mas pretende fazer vencer a sua parte de criminoso e deficiência de carácter.
Temos, por outro lado, os críticos, que lhes é fácil dizer que nada se faz, porque têm acesso à Imprensa e Comunicação Social, mas isso não é verdade, pois nós procuramos cumprir a nossa missão com muitas dificuldade e, portanto, precisamos de apoio e carinho também. Por isso, primeiro, um afectivo sentimento que tenho, ou um afectivo de consideração e apelo que faço é perceberem as dificuldades em que nos movimentamos, de fazer um equilíbrio entre os vários interesses que estão em jogo.
A área de investigação da Justiça é de um confronto de interesses: o interesse individual, o interesse colectivo, o interesse da Justiça e os interesses de muitoslobbies. Portanto, isto é, digamos, a minha parte afectiva que pede essa compreensão.
Relativamente – e de forma profissional – aos políticos, acho que neste momento, nós não podemos pedir mais leis, porque já as temos. Podemos pedir-lhes intervenções muito pontuais para facilitar a apreensão dos indícios de crime, mas há uma coisa que gostaria de pedir: que nos dessem os meios e instrumentos necessários para levarmos a cabo este tipo de investigações.
Porque a corrupção, como eu já disse, passa por análises documentais e é preciso peritos e eu sei que eles são poucos, mas a Justiça é muito importante, acho eu, e é tão importante quanto fazer liquidações, cobrança de impostos, etc. O papel da Justiça é muito importante e nesse aspecto não temos o número de peritos suficiente para acelerar os processos, por isso aos políticos apenas pedia os tais meios, que não são apenas meios, mas meios humanos.
Já a Ministra hoje de manhã me perguntou o que eu precisava e eu disse-lhe e da área dela imediatamente tivemos os meios que eram tão simples quanto uma tradutora, ou tão simples quanto se formos precisar de alguém do Banco de Portugal, ou da CMVM, termos esse acesso rápido e eficaz. Eram estes meios que precisávamos.
Tudo aquilo que não está na área dela obviamente que ela não poderá cumprir ou satisfazer, mas há entidades responsáveis, não estou a falar de ministros ou políticos, mas funcionários responsáveis e muito bem colocados que necessitam de compreender que a Justiça é fundamental para a nossa Democracia.
Aí não temos encontrado muito eco, por isso quando me perguntam, eu não digo, não quero dizer, porque é que não acabamos ainda este ou outro processo, mas estamos à espera de relatórios deste ou daquele que não vêm. Portanto, aos políticos era sensibilizá-los para que junto dos seus serviços, há alguns que o fazem, para colaborarem com a Justiça pois esta é um alicerce e pilar fundamental da Democracia.
Relativamente à sociedade, é preciso também gostar menos de falar mal e chorar de si próprio, os portugueses têm de acreditar nos seus jovens, nos seus dirigentes, nos seus servidores no fundo. Era isso que eu fazia. Acreditem, participem, colaborem, não fechem, não denunciem, não colaborem e depois não digam que não fazemos nada, porque nós não temos uma varinha de condão.
Esse é o apelo que faria à sociedade civil.
Quanto aos reforços, já mencionei, neste momento gostaríamos de ter mais peritos, estou a falar por mim, porque não posso falar pelo Ministério Público do país todo, estou a falar do meu serviço e de alguns que conheço. Mas, nomeadamente, aquilo que nos falta são peritos pois, realmente, se tivermos um perito, como é o caso, demora dois anos a fazer uma perícia, se tivermos três se calhar já só demora três ou quatro meses, o que seria um grande avanço.
Nesse aspecto, realmente os políticos podem ajudar, dando-nos os meios para que nós possamos ser mais céleres.
Depois, perguntou se o Código do Processo Penal é garantístico.
Sou uma pessoa que está sempre preocupada com os direitos humanos, os direitos dos outros, e acho é que o Código do Processo Penal é usado de uma maneira abusiva. Abusam do Direito e isso é que devia ser punido devidamente, porque interpretam em demasia.
Os magistrados têm culpa porque permitem essa interpretação, por isso deviam ter uma formação inicial de acompanhamento e também muito específico em várias matérias para perceberem e fazerem uma análise crítica da prova e dizerem que não.
Porque quando começam aquelas interpretações complicadas e que não cabem na cabeça de ninguém, eles para não terem problemas facilitam e deixam estar, porque não têm medo do Estado, têm medo dos advogados e das acções que lhes possam instaurar. Um magistrado tem de ser corajoso, tem de ter coragem.
Portanto, no Código do Processo Penal embora haja coisas que eu acho que realmente estão mal, acho que isto daria para mais uma sessão que aqui o senhor deputado não deixaria. Porque nós investigamos o crime organizado, temos um início de um inquérito e dizemos ao juiz que o processo é complexo que é para aumentar o tempo da investigação, depois temos de comunicar ao primeiro arguido, mas como é um crime organizado o primeiro arguido pode recorrer.
Depois, passado um mês apanhamos mais um arguido e temos de fazer outra vez a mesma coisa, temos de comunicar que o processo é complexo e o arguido pode recorrer. Ou seja, nós andamos de processo em processo, de recurso em recurso, até obter decisões contraditórias, porque os juízes são independentes, no primeiro caso diz que é complexo e no segundo vai dizer que não é.
Portanto, nós, que estamos a fazer investigação de crime organizado, estamos permanentemente a notificar os senhores que o processo é complexo. Se é complexo desde o início, não fica, pode variar? Isto é permanentemente e dificulta extremamente a investigação.
Obviamente, isto acontece pela interpretação que os magistrados fazem, porque o Código de Processo Penal quer é garantir que não se esteja a usar mal o poder que os magistrados e que as polícias têm contra os cidadãos; essa é que é a ideia, portanto a interpretação que dele se faz é que é abusiva. Por isso, acho que se tem de investir numa formação actualizada, moderna e de acordo com as regras da experiencia comum e do tipo de crime para impedir e obviar este abuso de Direito, que é o que temos hoje em dia.
Relativamente ao que disse ao Dr. António Borges, é que deveria haver uma indexação dos vencimentos da Função Pública aos privados. Não me parece que isso passe por aí, na corrupção. Claro que isso seria muito bom, passaríamos a ganhar muito melhor.
[RISOS]
Mas não é por aí que vai melhorar. Tenho para mim que a corrupção é uma questão de carácter e não de necessidade, mas mais do poder. Quem é que tem o poder? É o porteiro, ou o senhor que leva as fotocópias e que também ganha mal? Não, quem é corrompido é o dirigente e não é por necessidades de sobrevivência, mas de ter mais e mais.
As pessoas devem ganhar bem, obviamente, porque senão não têm motivação e no topo dos funcionários públicos não é verdade que se ganhe mais do que no privado. O privado tem outras maneiras de ganhar, sem que se desconte e todos sabem disso, dosoffshores, dos envelopes azuis no fim do ano, etc., portanto ao nível do poder e da decisão é que reside a corrupção e é uma questão de carácter e não de necessidade.
Portanto, não será a indexação que vai permitir um melhor desempenho do funcionário. Até porque para haver um funcionário que é corrompido, normalmente há um privado que o corrompeu. Penso que não é por aí, nem tenho a ideia de que por aí é o fenómeno da corrupção – a percepção sim, a fraude fiscal sim, há um aumento de fraude fiscal neste tempo de crise –, porque acho que quem a comete é de topo e não está em estado de necessidade para se vender.
Tendo respondido às questões, agora vou-me despedir, queria só expressar-vos, não uma despedida e um agradecimento formal, mas deixar falar os meus afectos e dizer-vos que adorei estar convosco, foi para mim uma noite excepcional, de muito gosto, de muito prazer, de muita aprendizagem e cada vez que nos é proporcionada uma tertúlia destas tenho cada vez mais fé nos jovens.
Portanto, nós vamos vencer, vamos ultrapassar todas as crises, de Justiça, naquilo que me diz respeito, espero também que confiem em nós e que nos ajudem, cada um no seu posto.
Falando só, sem qualquer formalismo, muito obrigada, Dep. Carlos Coelho; no seu nome, quero agradecer ao vosso Presidente, o Dr. Passos Coelho, a honra que me deu ao permitir que eu estivesse aqui convosco. Gostei muito, muito, muito e é esta última nota que vos quero dar: um beijinho a todos e sejam felizes, por favor.