Os novos e os velhos-novos actores políticos na Democracia do séc XXI
Dep.Carlos Coelho
Muito boa tarde a todos.
O nosso convidado de hoje dispensa apresentações. Tem como hobbies nadar e ler; como comida preferida o Cozido à Portuguesa, o seu animal preferido é o elefante – presume-se que pela memória –, o livro que nos sugere é "Portugal” de Miguel Torga e o filme "Citizen Kane”. A qualidade que mais aprecia é o carácter.
É alguém que nós convidamos sempre e que só não está cá quando não pode aceitar o nosso convite. Seja muito bem-vindo, Professor Marcelo Rebelo de Sousa.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Muito boa tarde. Queria antes de mais cumprimentar o nosso Presidente da Câmara, que está ali e é um jovem social-democrata honorário; o Presidente da JSD, propriamente, que é um jovem por ordem natural; e um jovem muito especial, que é o eternamente reitor desta universidade, o meu querido amigo Carlos Coelho.
Não posso deixar de recordar que há dez anos trocámos umas impressões, tendo eu acompanhado o arranque desta iniciativa. Foi uma iniciativa única, precursora, inteligente, inovadora, em Portugal, e portanto está de parabéns: primeiro, por ter concebido; segundo, por ter executado; e terceiro, por ter mantido.
Nós, portugueses, não somos muito persistentes, fazemos uma vez, duas, três, cinco vezes, mas dez não fazemos. Ele tem insistido todos os anos para que eu venha, mas eu não vejo porquê. Porque eu ainda tinha algum encanto quando era mais novo, ou tinha menos dez anos, mas a partir de agora já estou numa fase de pré-reforma, que teve de ser adiada devido à crise no país, portanto, vamos todos reformarmo-nos, provavelmente, apenas aos 80 anos, o que para mim é um prazer, ficar até aos 80 anos a suscitar questões aos meus alunos, mas ele insiste e eu consegui escapar-me duas ou três vezes.
A última delas foi o ano passado e na penúltima vez que cá vim, disse que esta seria a última porque viria gente nova, completamente diferente, mas depois fui ver os convidados e eram imensos sexagenários. Portanto, não sou o único, é a Leonor, é o António Borges e bom, o Adriano Moreira é nonagenário, portanto está bem, sou jovem, é tudo relativo na vida. E vocês, são bebés, comparando-se com um nonagenário.
[RISOS]
Já não me lembro do tema, porque foi por telefone, [RISOS] mas, salvo erro, é o seguinte: "velhos e novos actores políticos no século XXI”. Foi o tema mais neutral que eu encontrei naquela ocasião para não ser nenhum dos temas quentes.
Como é evidente, vou falar de tudo o que há de mais quente, sob a aparência de um tema que não é, porque a minha ideia era falar de como é que eram os actores políticos em cada década, em geral, depois achei que seria uma verdadeira chatice. Portanto, vou falar de como são os actores políticos em Portugal.
Para isso, vou começar no tempo em que vocês ainda não tinham nascido, nos anos 70, isto é, com o advento da Democracia. Aí, assistimos a uma primeira fase com protagonistas novos com uma velha maneira de fazer política na Europa, só que Portugal chegava à Democracia muito tarde e só então começava a fazer política como na Europa se fazia pelo menos desde o fim da guerra, desde os anos 40.
Quais eram os actores políticos, no sentido amplo do termo, que eram importantes em Portugal em 1974? A Igreja Católica era muito importante, sobretudo no Norte, no Centro do continente e nas Ilhas. Depois, surgiram de novo os partidos que eram todos jovens, excepto o PCP, o MDP/CDE já era um bocadinho mais velhinho e alguma extrema-esquerda. Eram jovens, de facto, o PPD, antepassado do PSD, o CDS e era relativamente jovem o PS que só tinha começado a partir de 1973, até então havia acção socialista, mas só se converteu em partido e passou a ser a realidade partidária que foi, muito próximo do 25 de Abril.
Como se caracterizavam esses partidos políticos? O PS era um partido de eleitores, foi o primeiro. Por isso é que o PS liderou o arranque da Democracia portuguesa, porque ele entrou imediatamente na onda que era a última vaga de partidos da Europa, que eram os partidos de eleitores. Estes eram mais do que quadros de notáveis, próprios do Liberalismo do século XIX, mais do que partidos de massas, nomeadamente operários, ou trabalhadores, ou agricultores, como tinham sido vários partidos, sobretudo de esquerda, comunistas e não-comunistas, mesmo socialistas no século XIX e no início do século XX.
O partido de eleitores queria conquistar o eleitorado em todo o lado: à direita, à esquerda, ao centro, em cima e em baixo. O PS foi o primeiro partido de eleitores. O PSD não, o PSD surgiu como partido de militantes e rapidamente se converteu num misto de partido de militância e de eleitores e continua a ser assim.
Houve fases em que fomos mais um partido de militantes e depois, sobretudo ao longo da História, longas fases e bem sucedidas em que fomos partidos de eleitores. O CDS foi e é um partido de quadros, nunca deu o salto para partido de eleitores. Centrais sindicais havia uma: a Intersindical, que tinha vindo do final da Ditadura viria a converter-se em CGTP, não havia UGT. Começou por haver a Carta Aberta, que foi no fundo uma iniciativa sindicalista conjunta do PS e do PSD, mas estava a arrancar no final dos anos 70.
Não havia confederações patronais, percebe-se que tinha sido um processo revolucionário com expropriações e nacionalizações. A CIP, a CCP e a CAP tinham muito pouco peso e apesar de tudo tinham mais peso as velhas associações comerciais e industriais.
A Televisão e a Rádio eram públicas, excepto a Renascença e portanto, com o PREC houve um "assalto partidário” à Televisão e à Rádio pública, numa fase considerável do PREC com o peso do PC e de alguma extrema-esquerda e depois com uma influência do PS, sobretudo quando este vai para o Governo.
Esta influência à esquerda foi uma influência que se verificou, naturalmente até pela inclinação das listas, na Imprensa escrita que tinha muito peso, naquela altura, era um actor político muito importante nos anos 70 em Portugal. Os jornais, tirando o "Expresso” e "O Tempo”, a imprensa regional e local, não havia revistas, eram mais à esquerda do que ao centro, ou à direita.
Obviamente havia desvios ao que era fazer-se política na Europa naquela altura. O maior desvio era o papel das Forças Armadas que tiveram um papel fundamental no 25 de Abril, no PREC e também muito importante em 1982, data da revisão constitucional em que acaba o conselho da revolução e as Forças Armadas regressam aos quarteis, por assim dizer, desaparecendo um poder militar paralelo a um poder civil.
Isso que não havia na Europa, havia em Portugal; quando digo Forças Armadas, digo vários grupos militares e não apenas as Forças Armadas institucionalmente, eram actores políticos relevantes nesse período. Também temos de reconhecer que durante o PREC houve uma forte influência estrangeira em Portugal.
Governos estrangeiros acompanharam de forma muito próxima e na medida do possível auxiliaram à sua maneira – Governos, partidos e fundações –, as várias forças presentes, uns mais à esquerda, outros mais à direita. Foi muito importante, por exemplo, para partidos como o PS ou como o PSD e mais tarde o CDS, o apoio de congéneres estrangeiros e fundações estrangeiras até ao arranque de instituições do mesmo género no nosso país.
Ainda na primeira fase, temos o nosso sempre bem-amado FMI que nos acompanha e de cada vez que pensamos que nos podemos libertar dele, não, surge para mostrar como é nosso amigo. O FMI teve a sua primeira irrupção, curta, à distância, benévola e generosa, nos anos 70, quando houve uma primeira crise financeira no Estado português.
Fazer política naquela altura era fazer política à antiga na Europa, era fazer política com muita doutrina e ideologia, como se percebe num período inicial de criação do novo regime. Os debates eram todos ideológicos: qual era o sistema político, qual era o sistema económico, qual era o sistema de Governo, qual era o sistema de partido, qual era o sistema eleitoral, qual era melhor Constituição, como rever a Constituição – tudo era debatido.
Esta ideologia pura misturava-se com a ideia da conquista de eleitorado, daí a importância que o PS teve quando foi o primeiro partido de eleitores. Mas os partidos de eleitores eram mais ideológicos do que eram, naquela altura, no Centro e Norte da Europa; eram no fundo tão ideológicos quantos os partidos de eleitores do Sul da Europa.
Como é que se fazia política? Na base da mobilização de massas dos comícios, da mobilização de rua com a Televisão e a Rádio a darem eco exterior. Isto depois ajustou no final da década, progressivamente foi ajustando, deu-se a entrada das telenovelas brasileiras, por exemplo, criou – e não imaginam como isso foi importante do ponto de vista da cultura cívica – um outro tipo de pólo de atenção relativamente àquilo que era determinante de politização e de informação na vida portuguesa.
Os retornados de África, ou regressados de África, integraram-se com um grau de sucesso espectacular e finalmente esta passagem é marcada por uma clivagem muito clara que era Portugal estar dividido em dois: o Norte e as Ilhas de um lado, o Sul do outro lado.
O Norte mais conservador, mais católico, com maior peso dos partidos de centro e de direita; o Sul com maior peso dos partidos de esquerda, menos conservador, menos religioso e as Ilhas na mesma onda do Portugal Continental do Norte.
Passamos a uma segunda fase que diria que vai de 1980 a 1985. Surge a AD que é uma coligação pré-eleitoral, a primeira incluindo como sabem o CDS, o PSD e o PPM, que cria uma nova dimensão. É a primeira coligação pré-eleitoral, a primeira coligação ideológica, quer mudar a Constituição, acelerar o fim do PREC, ou do que restava dele, mas é uma coligação de eleitores.
É a AD que permite a passagem do PSD de partido predominantemente de militantes a partir de eleitores e, ao mesmo tempo, permite um fenómeno que depois será muito importante, que é a volatilidade na transferência de eleitores do CDS para o PSD.
Mais rapidamente do que do PC para a extrema-esquerda ou para o PS. O que viria a ser um trunfo importante do PSD em breve.
Por outro lado, este tempo é de transição, com o desaparecimento do papel das Forças Armadas, com a revisão constitucional de 1982, com a mudança no panorama partidário dos parceiros económico-sociais, com o nascimento de novos grandes grupos económicos privados que vinham do regime anterior tinham desaparecido da cena nacional e vão reaparecer um, ou outro, e aparecerem novos; com o começo acelerado da crise do país rural e a subida política da importância do país urbano, e com a subida da importância da mulher na política.
O que se passa em termos partidários já vos disse: coligação pré-eleitoral, coligação ideológica mas de eleitores, depois da implosão dessa coligação temos um bloco central que vai permitir o nascimento dos primeiros partidos de contestação em Portugal.
Os partidos de contestação eram uma nova realidade partidária surgida na Europa como forma de contestação aos grandes partidos de eleitores que iam perdendo conteúdo ideológico e ficando mais iguais entre si.
Queriam o poder e para tal tinham de conquistar o centro, e assim diziam as mesmas coisas com pequenas diferenças, deixavam margens quer em relação a certas questões, quer em relação a novos temas, para os partidos de contestação. É isso que permitirá ao CDS desviar-se de partido do poder por uns tempos e ter ali uma tentação num partido de contestação e também aparecer um grande partido de contestação, o PRD, que é uma reacção ao bloco central, um partido contra partidos.
Embora, apadrinhado pelo ainda em termo de mandato Presidente da República e depois líder do PSD, Ramalho Eanes. O sistema eleitoral vai-se transformando de muito polarizado, ou seja, que os eleitores têm dos partidos a noção de que eles têm posicionamentos doutrinários ideológicos muito distantes, para um sistema menos polarizado. Sobretudo, o sistema eleitoral, como vos disse, passa a ser mais volátil.
Aquilo que era uma realidade há uns anos, de que quem vota direita não vota à esquerda e vice-versa, e de quem vota num partido é fiel e vota sempre nele, desaparece. Primeiro, à direita e depois à esquerda. O PRD abre a porta à transferência dos votos da esquerda para o PSD, votos do PS e do PC, algo que seria impensável dez anos antes.
A UGT surge como parceiro social e a CGTP organiza-se dentro do sistema, já não sendo um instrumento próprio do PREC, passa a ser uma grande central sindical no sistema. Surgem os primeiros líderes forte no patronato, por exemplo, Ferraz da Costa na CIP, embora esta por trás não tenha a força que a sua liderança aparentava.
A Imprensa começa a reconverter-se, há a morte do jornal "O Tempo” e há a perda de peso progressiva d’ "O Jornal” que era um jornal de esquerda muito influente e muito bem feito. Diminui a influência estrangeira em Portugal, mas o nosso FMI não podia deixar de aparecer novamente para assinalar com a sua presença nos anos 80 mais uma crise, a segunda depois da primeira nos anos 70.
Na sequência de um processo relativamente longo, aderimos à Comunidades Europeias, já no final deste período. África conhecia, desde Francisco Sá Carneiro, um aceno já não meramente ideológico, porque era precisamente um líder que nem era teoricamente próximo das posições ideológicas dos movimentos e partidos de libertação no poder, no Governo desses países.
Mário Soares abre a porta a novos grupos privados, nomeadamente com as sociedades de investimento que são o começo da banca privada em Portugal. A Maçonaria renova-se e inicia um processo com um peso essencialmente localizado no grande Oriente lusitano e depois com dissidências, ou evoluções autónomas, nos anos e décadas seguintes.
Entramos no terceiro período, que eu chamaria (para simplificar) "A década do Cavaquismo”, que vai de 1985 a 1995 e é uma mudança estrutural profundíssima na maneira de fazer política em Portugal, nos protagonistas e no discurso. O país urbano torna-se determinante na vida política portuguesa com o apagamento do país rural. A mulher começa a ter um papel cada vez mais importante em termos eleitorais, não estou a dizer em termos de estruturas ou protagonismo em várias actividades da sociedade portuguesa, mas em termos eleitorais.
Ao mesmo tempo, termina o período ideológico: a política deixa de ser ideologia, assumidamente o Cavaquismo é a política à margem da ideologia; abrangente para abranger várias ideologias e preocupada com problemas económicos, sociais e culturais, concretos com um discurso pragmático e populista. O primeiro populismo contido é o discurso Cavaquista, embora contido é a primeira utilização imagética da Televisão, a Televisão que passa a ser central na vida política portuguesa.
A Imprensa lateraliza o seu peso, passando a ser essencial o discurso para a Televisão, um discurso curto, simples, embyte, popular para ser compreendido e em termo de temas concretos, não ideologia, ou política pura, mas Economia, Sociedade e problemas educativos concretos. Ao mesmo tempo, surge o Fontismo do século XX que é uma expressão que significa que foi paralelo com o que foi feito no tempo de Fontes Pereira de Melo no século XVII, na altura sem fundos europeus, ou melhor, também em parte com o empréstimo europeu, mas não nos termos em que o conhecemos hoje.
O Fontismo significa a aposta nas infra-estruturas para tornar o país mais pequeno e mais próximo. Muito útil para chegarmos a Castelo de Vide a esta velocidade e com alguns pequenos problemas que naturalmente imaginarão que de vez em quando são aflorados pelos menos fontistas.
Surge a política anti-políticos: Cavaco Silva é o político anti-políticos. Nesse sentido, pega na onda de contestação do PRD e do PSD e nas bandeiras de contestação da época, que são o Ambiente, a Ecologia, a Juventude, as questões intergeracionais, mas também o cansaço dos políticos e sobe essa onda e lidera essa onda com pragmatismo.
O PSD atinge a sua máxima expressão como partido de eleitores, não mais voltou a ser o que foi com Cavaco Silva, isto é, conseguir 51% do eleitorado. Ir buscar à esquerda que na altura não era sociológica e eleitoralmente apenas ligeiramente superior ao centro e à direita, era claramente superior, portanto foi buscar fatias do eleitorado da esquerda. O PRD, já vos disse, sofre com isso, sendo uma espécie de S. João Baptista, para aqueles que têm alguma formação cristã, veio sem querer anunciar aquilo que depois Cristo ocupou em cheio, portanto o PRD deixou de ter espaço e desapareceu.
O CDS sofre o problema de ter de coabitar com uma liderança tão forte e sofre a tentação de partido de contestação. A Igreja Católica começa a reconverter o seu peso. Porquê? Porque como o país rural perde a sua importância, a Igreja Católica tem de se preocupar mais com o país urbano, tem de remodelar as suas estruturas, tem também uma crise etária fruto da falta de vocação nos anos 60 e 70, em que há uma camada intermédia que falta: há Clero muito velho e Clero muito novo e uma parte da acção católica e dos leigos, embora continuando a ser cristãos, sem rótulo não se assumem.
Portanto, há ali um vazio que pesa nesta época. Em relação a África, há um estreitar de relações com um sábio compasso de espera provocado pelas guerras civis em Angola e Moçambique, sobretudo a angolana que é mais lenta. Os emigrantes africanos não-lusófonos e brasileiros surgem na cena portuguesa e integram-se com um apreciável sucesso também. Até que chegamos ao fim do Cavaquismo, que coincide com a multiplicação das rádios locais, com a privatização da Televisão, com a conversão do PSD e do PS em partidos de cartel.
Era uma nova categoria que surgia nos politólogos que eram os partidos que já não são só partidos de eleitores, mas que precisam do poder local, regional, ou nacional para conquistar o eleitorado e que repartem entre si implicitamente áreas de poder nas empresas públicas, por exemplo, na gestão de áreas de influência económica e social do Estado, onde podem e utilizam o poder e vivem é mal quando não estão no poder. Porque as clientelas e os partidos precisam do poder.
Não é um fenómeno português, já existia na Europa desde os anos 80 e entretanto chega a Portugal. A política é feita na televisão,videa Ponte 25 de Abril que é um piparote adicional no Cavaquismo, de facto tem o eco que tem por causa da cobertura televisiva em directo.
É um período de extrema sensibilidade ao económico e ao social e já não ao político puro, o que acompanha a evolução europeia: menos política pura, mais política económica e social.
Portugal está dividido, já não entre o Norte, o Centro e Ilhas de um lado e o Sul, mas sim a área de Lisboa e o resto. A área de Lisboa passa a mandar na vida política portuguesa, porque é lá que estão as televisões, as sedes dos partidos, o poder político, os centros decisores económicos, passam inclusive muitos centros de decisão do Norte, do Porto, como seja administrações de Banca e outros que passam de facto para Lisboa.
A regionalização, que era uma promessa da Constituição, conhece a sua primeira morte com as áreas metropolitanas do Porto e Lisboa e com a não coincidência entre as regiões administrativas e as regiões de plano, o que dá livre curso à imaginação criativa, divide os regionalistas e enfraquece as suas propostas.
Com isto, chegamos a um novo período - estou a percorrer em passo esfolegado para depois termos tempo para falar – que é a década pós-Cavaquismo que vai de 1995 a 2005 e em que tem um peso apreciável a governação socialista de António Guterres.
O populismo continua a subir; o que era um populismo embrionário e contido transforma-se num populismo ascendente. A Televisão e a Imagem passam a dominar a cena política nacional, beneficiando, aliás, do facto que é incontroverso e que não vale a pena negar, da simpatia pessoal que tinha António Guterres, que na minha opinião que pode parece um bocado auto-justificativa uma vez que fui adversário dele durante um período histórico, foi talvez o Primeiro-Ministro mais querido dos portugueses.
Não digo o mais admirado, ou o mais respeitado, mas o mais querido dos portugueses em Democracia. Foi por razões pessoais, por razões familiares, por razões muito diversas e durante um período muito longo.
Acontece o seguinte: a Internet surge, mas não pesa. Ainda me lembro do debate entre o Fernando Nogueira e António Guterres em período pré-eleitoral, em que de repente, não sei se foi o José Alberto Carvalho, ou o José Rodrigues dos Santos, que pergunta: sabe o que é a arroba? E por acaso estavam "briefados” e disseram o mínimo sobre o que era arroba, mas o comum dos cidadãos nunca tinha ouvido falar das arrobas, a não ser certamente as arrobas conhecidas num país rural, com as quais eu lido com muito prazer, diariamente, através da cortiça. Vou ainda hoje lidar em Alter e amanhã continuar a lidar por esse Alentejo fora.
Mas não era dessas arrobas que se queria falar e, portanto, a Internet estava a nascer em Portugal. Há novos parceiros a querer aparecer. A Europa, apesar de já estarmos nela, ainda pesa pouco politicamente no início. A mulher vai ganhando influência, mesmo até quantitativa. O país urbano torna-se imperante, o envelhecimento da população acelera, as áreas metropolitanas do litoral multiplicam-se e começam obviamente a distanciar-se do Interior intermédio e profundo.
PSD e PS são partidos de cartel, um no poder durante grande parte a esta época, o outro na oposição a carpir estar na oposição em grande parte dessa época. No final, num período muito curto a situação inverte-se.
O PSD conhece uma crise e reequilibra essa crise. Nasce o Bloco de Esquerda no pós-Cavaquismo, como sabem, da congregação de várias forças, de vários sectores e de uma coisa fundamental: da mudança geracional que se dá nesta ocasião. No PSD, por exemplo, desaparecem de cena progressivamente os históricos do partido, do tempo de Sá Carneiro, permanecendo alguns do tempo da recriação de Cavaco Silva, mas surge uma nova geração.
Porém, o que o Bloco de Esquerda quer sobretudo dizer, como quer também dizer a liderança do CDS, por exemplo e menos claramente a do PS que ficou mais lenta na renovação, ou até do PS, é que a geração de anos 60 está a ser substituída por uma geração anos 80 na vida política portuguesa.
O CDS tem de fazer a sua escolha entre mais Europa, ou menos Europa, mais poder ou mais contestação, e escolhe – ainda bem para o país – por mais Europa e mais poder. A Televisão tinha mudado a um ritmo alucinante: a RTP perdeu a liderança para a SIC que assumiu-a durante sete anos praticamente, quase uma década e a TVI consegue virar já depois do começo do século e assume depois a liderança que permanece até hoje.
O populismo televisivo e político vai subindo de grau. A crise limita o crescimento da Internet: há mais país info-excluído do que seria normal e menos influência da Internet na política do que seria esperável até 2005. Os jornais vão morrendo, uma parte da imprensa regional e local, depois alguns jornais de referência entram em crise, outros aparecem e entram depois em crise e subsistem alguns jornais populares, mas poucos.
As privatizações iniciadas já no final do Cavaquismo, com o aparecimento de novos grupos económicos além daqueles que tinha despontado no período do bloco central, essa evolução continua em curso, mas esses grupos são muito ligados ao poder político, inevitavelmente, são uma de facto criação do poder político. O poder político é que dita as regras das privatizações e nalguns casos é preciso financiamento público, como a CGD, para que a privatização seja possível por parte de empresários muito descapitalizados.
Isto explica muito do que se vai passando permanentemente na vida económica e política portuguesa. Há uma euforia que vai de 1997 a 2000, que calha com um bom período da Europa, com um afluxo de fundos, com a Expo, com algumas inaugurações como a Ponte Vasco da Gama, entre outras, com o triunfo máximo do betão.
Há novos parceiros sociais, as ONG multiplicam-se, surgem movimentos de base, há protagonismo dos jovens, apesar do envelhecimento da sociedade, ou talvez por causa disso. Há um consenso amplo das forças políticas portuguesas em relação à Europa e ao euro, a que chegamos por mérito do PS e PSD. Há uma internacionalização da política portuguesa. Há a entrada dos espanhóis, que é fruto de uma estratégia transversal do ponto de vista partidário, que é económica e privada, ganha um peso em dez anos que é muito apreciável na vida económica portuguesa.
Há um regresso a África e há o reforço de laços com o Brasil. Os emigrantes europeus vêm para cá, de Centro e Leste da Europa, constituindo uma oportunidade meio perdida, uma parte considerável não se integrou, não quis ou não pode integrar-se familiarmente.
Há a segunda morte da regionalização com o referendo, por culpa de um mapa completamente tonto do Governo de Guterres. Chegamos ao período imediatamente anterior àquele que estamos a começar a viver, que eu chamaria o período do Socratismo e do novo século.
Para simplificar o facto de querer que a aparentemente longa governação de Sócrates vem de 2005 até 2011.
Corresponde, por um lado, com a permanência de factores críticos estruturais, internos, na sociedade portuguesa e com o seu agravamento, mas também com a crise mundial. Quando a Europa tinha acabado de sair da sua crise do começo do século e claro que a crise mundial tem repercussões na europeia, o populismo continua a galopar na primeira fase do Socratismo, atingindo uma expressão de imagem, nomeadamente na televisão, que correspondeu talvez ao máximo de peso do aproveitamento da mensagem audiovisual em termos políticos.
Depois, na fase final temos um Socratismo com refluxo, com um cansaço. Aquele refluxo tinha dado, depois do período ideológico, não em termos televisivos, mas em termos de doutrina e ideologia a mais e tinha levado ao Cavaquismo como reacção, noutro plano completamente diferente traduziu-se no final do Socratismo, num cansaço da ideia da imagem, da projecção da mensagem audiovisual e do marketing.
Bom, iniciamos um período de crise em praticamente todos os actores políticos portugueses: uma crise dos partidos que está escondida pela falta de alternativas, mas que está lá; os partidos são antiquados, uns mais do que outros mas todos, com estruturas largamente ultrapassadas, fazendo retoques e melhorias pontuais, como a dificuldade é acompanhar a aceleração da vida política e da comunicação hoje e os anseios sociais; mas a crise é também dos parceiros económicos e sociais.
Apesar de unificados, nos parceiros patronais sente-se essa crise. O que acaba por levar, não a crise, mas a verificação de que terminou um período, à substituição de liderança das duas centrais sindicais e à substituição das lideranças patronais e lideranças antigas. Uma crise dos grupos económicos provocada pela crise económica e financeira. A "morte” muito impressa, ou "crise grave” muito impressa; a crise na Rádios, na Televisão e com a subida do Cabo que, como sabem, é uma realidade muito expressiva e muito dispersa e onde a importância da Informação é esbatida em relação a outros centros de interesse, à custa dos canais generalistas.
A Internet finalmente passa a ter um papel importante que já tinha avultado durante o Socratismo. Não esqueçamos que a primeira grande campanha contra Sócrates nasce de um blogue na Internet. Praticamente na altura de tomar posse, a campanha ligada com a Universidade Independente. Começa em 2005 e 2006, depois atinge a máxima expressão mais tarde.
A Internet começa a passar mensagens que são acolhidas, de início com suspeição e depois de forma crescente, pelos órgãos clássicos de Comunicação Social. Estou a falar de Internet/blogosfera e Internet/Redes Sociais noutro plano. As IPSS em tempo de crise ganham importância acrescida com várias ONG.
Surgem movimentos inorgânicos experimentais, as corporações conhecem novas formas de luta, com um certo regresso à rua, mas com apoio internáutico.
O Socratismo é um período com uma aparente ideologização, mas com a primazia em tempo de crise dos problemas económicos, financeiros e sociais e da conjuntura; passa a viver-se num somatório de conjunturas e os ciclos são cada vez mais curtos.
Quanto à Igreja Católica, os seus movimentos são muitos deles novos ou renovados, nomeadamente os de jovens e há uma reestruturação tendencial na estrutura da Igreja Católica em Portugal. E surge um fenómeno curioso que é que do passado veio a ideia que é um país maioritariamente católico, de forma esmagadora, a prática revela que sobretudo no país urbano e na Grande Lisboa é uma realidade minoritária. Essa é a primeira vez que os católicos se defrontam – o que tem virtualidades – com a ideia de que nalguns sectores da sociedade portuguesa são minoritários e não maioritários como se pensava.
A Maçonaria tem uma fase de sedução clara da classe política nacional e local pelos seus valores e pela ideia de que é a quinta-essência da participação e da forma de manifestação, ou estreitamento, de novas solidariedades na vida social. Surge, nomeadamente no final do Socratismo, uma sensação de vazio criado pela crise de todos os actores políticos, que como nos outros países do Sul, ou mesmo do Centro, como a França, leva aos indignados e a reacções avulsas que não têm sequência porque não se conseguem institucionalizar. Mas significa que as pessoas andam à procura de qualquer coisa que não encontram nos actores clássicos.
A mulher tem um papel decisivo. O país já não é dividido entre Norte e Sul, nem Grande Lisboa e o resto, mas sim surge um problema que a crise acentua e adensa gravemente que é a divisão entre país velho e país novo. Passa a haver dois países: o novo, que é o vosso, dos teenagers, dos vinte, trinta, até quarenta e cinco anos; um país internáutico, globalizado, de circulação física e intelectual, de incompreensão do que se passou para trás, ou seja, não dá para entender ou porque não se conhece, ou porque não se percebe; é um país que quer ir rápido e depressa e quer mudar; um país que quer alterar o modelo económico, social e político.
Depois há várias propostas, portanto é um país insatisfeito com as propostas que recebe e que tem. Por outro lado, há o país velho que é o país que começou por ter mais de 65 anos, mas hoje provavelmente é o que está acima dos 55 anos, porque está desempregado cada vez mais cedo, porque vai ser difícil a reconversão tecnológica em termos de emprego e porque é um país que se distanciou da Internet, é info-excluído.
Mesmo quando utiliza o computador, ou a Internet, não utiliza militantemente e de forma participativa. Portanto, comunica com a comunidade pela Televisão, nomeadamente a televisão generalista. A crise obrigou em muitos casos a cortar o Cabo para não ter que pagar. É um país que não lê, lê cada vez menos e que, portanto, se reporta à realidade pela televisão. É um país que está ferido, que vai viver mais tempo do que se vivia há uma década atrás e está desligado do país novo, pois são linguagens diferentes, cursos diferentes e está preocupado com a sua situação social, teme que o novo modelo económico e social o mande para mais pobreza e miséria, em termos de Segurança Social e Saúde.
Entre estes dois países há uma charneira que é feita por aqueles que estão nos 40-45 e os 55 anos, que tentam fazer a ponte, mas os dois países estão a distanciar-se, são cada vez mais longínquos e a crise levou a que estivessem mais ainda.
Bom, e agora? Agora, isto significa que temos velhos protagonistas a necessitar de reforma. Os partidos são velhos protagonistas insubstituíveis, a prova é que não foi possível em Portugal como nas democracias dos nossos dias, encontrar substitutos aos partidos políticos, nomeadamente a nível nacional e supra-nacional, mas precisam de facto de uma grande volta.
Essa volta, numa parte, é de leis, de Direito, mas é a menos importante. É sobre a qual se fala mais: das leis eleitorais, das leis dos partidos, já se fez várias leis eleitorais e dos partidos. Mas a mudança está noutro plano, deve ser cultural, uma mudança de vivências, é obviamente uma mudança geracional, mas é uma mudança geracional cuidadosa para não liquidar a ponte com o país velho.
Mas o país que está a envelhecer é quantitativa e qualificativamente muito importante. Não é fácil entre parêntesis esse país: os últimos dados estatísticos mostram que, de facto, em Portugal em 2011 diminuiu o número dos menos de 15 anos e aumentou o número dos mais de 65 anos e há-de continuar dada a quebra de natalidade, que é um problema gravíssimo da sociedade portuguesa.
Tem-se a noção dele desde antes do começo do século, mas uma coisa é ter a noção, a outra é inverter.
Portanto, a grande mudança nos partidos, parceiros económicos e sociais é de mentalidade, de vivência, de abertura constante à sociedade. Isto é fácil de dizer, mas dificílimo de fazer, porque a mudança social é vertiginosa.
Aqui faço um parêntesis para vos dizer que há dez anos que estou na televisão, com uma curtíssima paragem. Não tem nada a ver o que a mesma intervenção que faço hoje e a que fazia há dez anos. No início havia separadores, agora já não há; os temas, o tempo e o modo são diferentes.
É decisivo o papel da mulher e encontrar temas transversais que interessam ao país que está dividido; a forma de comunicação é completamente diferente: onde havia cartas efaxespassou a havermails. A participação tem de ser crescente, porque a sociedade está com mais solidão, sobretudo no país mais velho e, portanto, os laços que ficam de participação são muitas vezes de uma forma de participação audiovisual, que as pessoas tomam como um sucedâneo da participação que não existe efectivamente.
Há desafios novos: a redescoberta da solidariedade e a sociedade vai colocando novos problemas a um ritmo assustador. Os problemas que estavam na onda nesta Universidade de Verão há dez anos não têm nada a ver com esta universidade hoje, são outros. Dir-me-ão: "genericamente são os mesmos”, está bem, mas genericamente são sempre os mesmos, mas concretamente são outros.
Isto é de tal maneira que um partido novo está envelhecido: o Bloco de Esquerda. Lembram-se quando vos disse que nasceu o Bloco de Esquerda? Não nasceu no 25 de Abril, nasceu há dez anos e já está velho. Isto mostra que há um sintoma e não é só português, vejam o exemplo dos liberais alemães e democratas ingleses que estavam frescos na sua última encarnação e agora estão gastos depois destes anos de poder.
Vejam o candidato republicano Mitt Romney, como ele gostaria de parecer novo, mas não consegue porque o partido está velho, mesmo quando o T Party pensa que é novidade. Quero dizer, temos aqui um desafio em que a primazia tem de ir para a reforma dos velhos actores políticos, que ainda não há substitutos. Ainda não surgiram novos partidos que os substituíssem. Os indignados não conseguiram estruturar-se, os movimentos sociais não conseguiram garantir durabilidade, até agora, pode ser que garantam.
Movimentos como a candidatura de Fernando Nobre, ou de Manuel Alegre passaram, eram presidenciais, mas a ideia era ir além disso. Não conseguiram ir além disso. Alegre ainda conseguiu entre uma e outra, mas o que quer dizer que é um grande desafio, mas também a outros actores políticos obviamente, como as Televisões, Rádios, jornais que vão resistindo, à blogosfera mais velha, que era muito jovem há dez anos, mas agora já está a repetir-se, porque uma das dificuldades maiores é tentar, não necessariamente mudar de ideias, mas na forma de percepção de problemas e de colocação perante esses novos problemas.
Os jovens têm agora um desafio importante, que é ficar ou partir e nos que ficam, ficam onde, a fazer o quê? Têm um papel fundamental. As novas empresas que estão a nascer, micro-empresas e pequenas-empresas e estão a morrer algumas antigas empresas, ou a haver nestas uma mudança geracional.
Aqui os desafios são estes: a ponte entre o Portugal novo e o velho; a ponte entre a Democracia representativa – que tem ela própria de se renovar a nível nacional e local, pois o poder local está muito envelhecido, não todo, mas uma parte que pela falta de meios não pôde dar o salto durante a crise – e a Democracia participativa e os tropismos para a Democracia inorgânica, para os movimentos inorgânicos; a ponte entre a Internet e a televisão especializada, não esquecendo que o país velho ainda vai ter durante mais algum tempo a televisão generalista, que vai perdendo peso, mas é àquilo a que se vai agarrar enquanto não puder ter dinheiro para a televisão especializada.
É também o desafio da aceitação do protagonismo da mulher, protagonismo que existe, mas ainda é difícil aceitá-lo e nesse aspecto é muito impressionante olhar para esta assistência e comparar com a primeira Universidade de Verão. O número de mulheres, como aumentou! Não estou a fazer contas, mas olho assim de repente e é apreciável. Também há o desafio dos imigrantes que são um país que não existirem politicamente em Portugal; são 500 mil que não pesam nos partidos, no poder local, no poder nacional, ou nos parceiros económico-sociais. Estão entre parêntesis; existem, mas não existem; são força de trabalho, mas não existem politicamente.
Já o caso dos emigrantes tem que a ver com a língua, com a cultura e com as nossas comunidades espalhadas pelo mundo, a presença na lusofonia que é fundamental para a reconversão do modelo económico-social e dos sistemas sociais. Em geral, há esta ideia de que a saída da crise vai ser lenta, não tenho dúvidas que será segura, mas lenta, não será de um mês para o outro. A Economia não radical e sem euforias de um certo passado muito recente, daquele passado de que vos falei de 1997-2000. Esses filmes não existirão durante uns tempos consideráveis, porque o Mundo é outro, Portugal e Europa também, portanto não existirão também nos demais países que estão na União Europeia, ou fora dela.
O apelo da redescoberta de valores, isto é, foi-se o mais longe do que era possível no domínio da não ideologia e da não doutrina. O máximo dos máximos é olhar para as crises conjunturais e encontrar soluções económicas e financeiras à medida das crises conjunturais, mas isto é pobre, a prazo é pobre, têm de ser modelos de vida, as pessoas querem o quê e como, senão às tantas não se percebe a diferença. Todos querem sair da crise, querem e há medidas com mais Estado, ou com menos, mais intervenção assim ou assado, mas isso só é curto.
Depois, outra questão é quanto tempo é necessário para operar esta mudança. Outra lição é que a grande constante da nossa vida é a mudança. Nunca houve, em rigor, aquilo que os mais velhinhos gostavam de dizer: "eh, tempos bons e estáveis” e depois veio a crise. Viveu-se sempre em crise. A História de Portugal é cheia de crises, desde o momento que D. Afonso Henriques teve de provocar uma crise com a mãe vivemos sempre em crise, umas mais criadoras, ou criativas, do que outras, mas sempre em crise.
Quem ensina Economia, ou Direito, sabe que a raridade dos bens obriga à crise e agora, mais ainda, a maior crise porque maior é a raridade, portanto a constante é a mudança. Isto implica obviamente àquilo a que a sociedade portuguesa tem vindo a fazer, temos que reconhecer e podemos achar que deve haver mais, que é uma mudança educativa e cultural e mesmo de cultura cívica. As pessoas percebem essa realidade e os novos mundos, agora é preciso no fundo dar a volta aos velhos protagonistas, não deixar morrer os novos e criar outros ainda mais novos e também não ostracizar o país velho e os que servem de charneira.
Eu sou sempre um optimista, desde que me conheço e desde que há Universidade de Verão. Pelo meio passaram-se não-sei-quantas crises, problemas e momentos que pareciam verdadeiramente dramáticos e que vivemos assim, aqui e a que a Universidade de Verão não pôde deixar de ser sensível. Aqui há uma responsabilidade vossa muito grande.
Costumava acabar dizendo: vocês são os mais novos, fazem aquilo que os mais velhos já não conseguem, antecipam, adaptam-se, criam e tal. Este ano, junto um apelo adicional: não esqueçam os mais velhos, porque na situação de crise em que estamos têm é que ser factores de mudança, mas não descolarem do país mais velho de tal maneira que realmente fiquem mesmo dois países e já não será mais um só país.
[APLAUSOS]
Duarte Marques
Muito bem, vamos dar início às hostilidades. O primeiro grupo a fazer perguntas é o grupo Laranja pela Mariana Falcão. Recordo o pedido: façam apenas uma só pergunta.
Mariana Falcão
Boa tarde a todos, nomeadamente ao Professor Marcelo Rebelo de Sousa, que é um prazer enorme tê-lo aqui hoje. Pegando no discurso que acabou de ter, no actual contexto de crise a que temos assistido, nomeadamente na Europa e nos Estados Unidos, têm surgido partidos independentes na sociedade civil, que parecem ocupar os espaços tradicionais dos partidos políticos, como por exemplo o Syriza na Grécia.
Posto isto, em que medida estaremos perante uma tendência de perda de importância dos partidos políticos tradicionais e das estruturas análogas como os sindicatos.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Num minuto, diria o seguinte: os velhos partidos, clássicos, têm de se reformar e de perceber quais são os problemas que estão a resultar na criação, ou no crescimento, de partidos novos.
O Syriza é um partido de contestação que a certa altura sonhou vir a ser partido de poder, embora com um discurso de contestação. Não conseguiu ser, mas estava à beira de ser. Os partidos clássicos na Grécia estavam e estão numa profunda crise e é uma lição para os partidos, porque quando estão na oposição, sobretudo os grandes partidos de cartel, estão a cicatrizar e a lamber as feridas. Quando estão no poder cuidam de apoiar o poder e não de se reformarem internamente e a melhor ocasião para se reformarem é quando estão no poder.
Normalmente, nunca aproveitam essa ocasião para se reformarem. Os sindicatos têm agora, em Portugal, uma ocasião única com as novas lideranças, que é repensar a estrutura sindical portuguesa, que é antiga, tem décadas, funcionou de acordo com um modelo de mercado de trabalho, quando não havia o volume de desemprego que há hoje em Portugal.
Portanto, para representar a realidade sociologicamente, que eu disse, do país novo e do país velho, para representar a idade do desemprego e para ter em termos de discurso e de luta propostas novas, têm de se reformar.
Dir-me-ão: "não se reformam”; ora, surgem novas políticas nem que seja num período curto de tempo, os partidos de contestação, os que conseguem ser duradouros, mas normalmente cumprem uma missão durante um número de anos até que os velhos actores percebam que têm de mudar. Eles não percebem e surgem novos partidos. Ao longo da história política houve partidos de morreram e houve partidos que nasceram e outros que se reconverteram. É um desafio que se faz aos clássicos partidos, perceber o que passa nas sociedades, se adaptarem sobrevivem, senão aparecem novos protagonistas, novos partidos, ou novas estruturas de representação social.
Duarte Marques
Muito obrigado, Professor. Bruno Mendes do grupo Azul.
Bruno Ricardo Mendes
Boa tarde, senhor Professor. Desde já agradeço a sua prelecção e digo-lhe que foi um prazer ouvi-lo.
Tendo em vista que a política é intrinsecamente de natureza dinâmica e influenciável, a nossa pergunta vai mais no pendor europeu. Observando o panorama dos últimos dois anos, sobretudo desde Julho de 2010 até agora, denotou-se ao nível europeu uma renovação completa a nível ideológico em relação aos actores, quer órgãos governativos, quer presidenciais, com o domínio principalmente de forças de índole liberal e conservadora.
Nota-se também que a par desta análise verificam-se dois eventos: por um lado, a ascensão de movimentos de carácter extremista por parte da Grécia e, por outro lado, a ascensão de grupos tecnocratas não-eleitos, como na Itália e a título inicial na Grécia.
Assim sendo, a minha pergunta é: considera, esta, uma alternativa a adoptar no contexto extraordinário como este em crise?
Obrigado.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Onde há crise é inevitável que as eleições reflictam a insatisfação dos que sofrem com a crise, portanto os Governos estão a perder, de uma maneira geral. Ou perdem mesmo tudo, ou perdem alguma coisa. Os que têm a sorte de ter no período agudo, eleições locais, ou europeias, perdem um bocadinho; os que têm o azar de terem eleições presidenciais, ou legislativas, perdem muito.
O que aconteceu foi isso: nalguns países havia uma dominante de Esquerda, ou de Centro-Esquerda, substituída por uma dominante de Centro-Direita, às vezes muito rapidamente. Na Grécia houve ali uma verdadeira emoção de substituição. No caso da França, como era à Direita, uma substituição presidencial pela Esquerda e para uma maioria parlamentar Esquerda. Mas não é uma regra geral.
O que impressiona muito na Europa e torna isto muito diferente do que era é que durante tempos havia ciclos e houve o ciclo trabalhista-socialista, ciclo do Reaganismo, ciclo do Tatcherismo, e tal, mas agora já não ciclos, há apenas insatisfação que se exprime e quem lá estiver corre o risco de levar. Se a situação melhorar, tem a vantagem de beneficiar desta evolução positiva.
Agora, é verdade que estes períodos de insatisfação são crescentes. Uma das formas de contestação são os partidos de contestação, ou expressões populistas, que nem são ideológicas, porque nessas forças acabam por votar gente de Direita, Esquerda e dos extremos de ambas, sem alinhamento. E há um apelo momentâneo tecnocrático, que foi largamente montado.
O que se passou na Grécia como na Itália, foi montar uma solução em parte pela Europa e os seus principais países, em parte pelos protagonistas internos que perceberam que já não se podiam esgotar mais e ganharam fôlego com "deixa-me cá encontrar uma vítima propiciatória para apanhar com a fase pior”. A vítima propiciatória aceitou porque não iria lá fora de tempo de crise pois não tinha partido para isso.
Nós tivemos disso, houve Governos presenciais, a certa altura quando houve uma crise, não económica mas política e não era possível fazer emergir Governos de partidos, o Presidente Eanes nomeou três com orientações diferentes: Nobre da Costa, Mota Pinto e Lurdes Pintassilgo – três pessoas independentes para governação "tecnocrática”.
Consensual à margem dos partidos, para ganhar um fôlego para depois os partidos voltarem a disputar. As soluções ditas tecnocráticas são sempre transitórias, porque em Democracia os partidos têm um protagonismo inevitável, podem ser esses ou outros. Portanto, o drama da Itália é precisamente esse, é que toda a gente sabe que a contagem é decrescente relativamente ao tempo de permanência do senhor Monti no poder. É cada vez, cada dia que passa, menos um dia de Governo Monti e mais um dia para o senhor Berlusconi querer voltar ao poder e mais um dia para a Esquerda querer voltar ao poder.
Portanto, não penso que, nem a solução populista, por definição, extrema, radical, de contestação, seja uma solução duradoura de poder, nem a solução tecnocrática que foi o que se inventou de melhor para remendar a situação porque os partidos não davam para mais. Só não se inventou uma solução similar na Grécia, porque não deu, a solução tecnocrática ensaiada não deu.
O que se está a fazer, no fundo, com o Governo espanhol é tentar encontrar com o voto popular o acompanhamento europeu para uma boa gestão tecnocrática. Mas não é a solução duradoura. A solução duradoura é a resolução da crise e é naturalmente a reforma dos partidos.
Duarte Marques
Obrigado, Professor. César Vasconcelos do grupo Encarnado.
César Vasconcelos
Boa tarde à mesa e senhor Professor. Para nós é uma honra, e para mim especialmente, tê-lo cá hoje a fazer esta resenha histórica e a responder às nossas questões.
Considero que este Governo que é da nossa cor tem muita sorte em apanhar uma população portuguesa tolerante, pacífica e paciente na questão da resolução da crise e nestas medidas mais anti-populares e de grande austeridade que o país está a sofrer. A questão é: será que, infelizmente e ninguém quer que isso aconteça, se daqui a um ou dois anos estas medidas não resultarem, como é que o nosso país – e conhecendo o Professor o nosso país melhor do que nós, por ser mais velho, ou menos novo, como quisermos dizer -, vai reagir perante isso?
Seremos uns gregos que vamos para a rua chegar fogo a tudo, teremos e se é possível haver os militares a tomarem o poder, ou se acha que essa solução que foi adoptada em Itália, sendo mais tecnocrática, e que eu acho que era isso a que a Dr.ª Manuela Ferreira Leite queria dizer quando mencionou a suspensão da Democracia, resolveria se calhar muitos problemas do país?
Gostaria de saber o que é o que Professor acha sobre isto, qual seria a melhor solução para o país e o que é que acha que os portugueses vão querer?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Ora bom, vou ter de pedir seis minutos, porque todas as perguntas do meu amigo foram bombas lançadas ao treinador, não foi uma, foram várias.
Deixe-me dizer, primeiro, que nunca levei aquela afirmação da Dr.ª Manuela Ferreira Leite à letra. Ela é democrata e portanto foi Ministra e Secretária de Estado de Governos democráticos e não estava por isso a dizer que defendia a interrupção ou suspensão da democracia. O que ela quis dizer é que, por vezes, houve-se falar dessas soluções que são tentadoras perante o panorama que se vive; não é que ela as defendesse, mas ela pura e simplesmente se referia, por um lado, à gravidade da situação em que se vivia e por outro lado, àquilo que surge na cabeça de algumas pessoas, felizmente minoritárias, mas com a crise algumas pessoas e alguns sectores e dizem: "porque é que isto não se vai para escolher um bom economista, um técnico, um, ou uma equipa de elementos”.
Estávamos a falar, na altura em que ela falou, nomeadamente pela sua preparação técnica à margem de considerações partidárias, num Governo de salvação nacional, num Governo integrando vários partidos, ou sem partidos, que salve o país.
Feita esta ressalva, o que é que eu diria? Primeiro ponto: tenho muitas vezes ouvidos analistas dizer que os portugueses são demasiado tolerantes, como quem diz que os gregos é que são bons, que são tesos e que assim sendo eles protestam, manifestam, deitam fogo, etc. Primeiro, está por provar que essa metodologia tenha grande sucesso, porque o que é facto é que a paciência realista do português tem conseguido melhor enquadramento europeu, mais fácil compreensão dos nossos parceiros europeus do que a teimosia, a irascibilidade, ou contestação de rua gregas.
Acho que os portugueses são assim porque têm uma coesão nacional muito antiga e uma grande experiência histórica que os gregos enquanto Estado-Nação não têm. Os gregos têm uma História riquíssima, muito mais rica que a nossa, pensemos na Grécia Antiga, mas uma coisa é a Grécia Antiga, outra coisa é a Grécia Estado recente. O Estado grego é uma construção do século XIX, não é uma construção do século XII como a nossa.
O Estado português passou por muitas crises, como Estado-Nação, que a Grécia não passou, o que portanto significa, sem desprimor para os nossos amigos, e de alguma maneira irmãos de clube, gregos, aquilo que é considerado como uma tolerância dos portugueses é uma sapiência dos portugueses. Eles pensam e dizem: "O que é que eu ganho com isto? Ganho alguma coisa em partir montras e pilhar lojas, criar um clima que afecta a produtividade, a criação de riqueza num período já muito complicado?”. Não é uma falta de qualidade dos portugueses, mas sim uma qualidade dos portugueses, este realismo, esta sensatez e experiência.
Os portugueses perceberam, primeiro, que estamos perante um fenómeno que não é só português, é também europeu e mundial; segundo, que é um fenómeno complexo, muito difícil e não deve ser agravado, mas sim acompanhado, certamente com indignação em muitos casos, com resignação noutros e muitos, na generalidade, com sofrimento. Portanto, diria que o Governo não teve sorte em ter este povo, porque um Governo que chega lá sabe o povo que tem.
Não tem a surpresa de dizer: "olha que bom que este povo foi”; não, em primeiro lugar chegou lá porque o povo quis e em segundo lugar porque o povo é assim e já o foi em várias ocasiões históricas. E é prudente e sensato, na minha modesta opinião.
Pergunta-me: "Mas isto se não der resultado, as medidas, como é que vai ser?”. A questão não se pode colocar nesses termos simplistas, como por exemplo dizer: "E se de repente a Europa tem uma implosão e o euro tem também; e há problemas com a Espanha e com a Itália e tal?”. Nenhum de nós pode prever isso e essa é uma das razões pelas quais os portugueses estão a ser sensatos, porque sabem que há um conjunto de factores que não controlamos, que são imponderáveis.
Não é possível dizer: isto deu resultado, porque se aplicaram as medidas correctas, ou isto não deu porque não se aplicaram as medidas correctas. É mais complicado que isso.
Penso que se a Europa tiver bom senso, porque tem de ter e os dirigentes, os eleitorados, os países mais ricos da Europa, têm todos de ter bom senso – quando digo isto quero dizer também solidariedade europeia – e se isso acontecer o sucesso não é um processo fácil, nem rápido, mas há esperança e há razões para tê-la.
Portanto, não acho que haja probabilidades de haver aqueles cenários de que falou, que é de que apesar destes sacrifícios nós nunca mais saímos da crise tal como ela existe. Acho que não, acho que temos condições para sair da crise tal como ela existe. Não é uma saída rápida nem fácil, é uma saída que em grande medida não depende de nós, por isso esse cenário dramático não é plausível; era preciso uma implosão europeia e não via nenhuma vantagem nem possibilidade de os militares voltarem ao poder, não me parece que resolvesse algum problema.
Haver um Governo tecnocrático à margem dos partidos, é melhor do que os partidos reformarem-se, irem mudando de vida e cumprindo a sua missão? Não penso que seja, porque tudo o que é soluções de intervalo não são boas soluções.
Bom, o problema é outro, para o qual apontei no fim da minha intervenção. É sobretudo vocês, admito que também os governantes, dirigentes de partidos e etc., não percam de vista que para além de resolver o problema da crise há questões de fundo estruturais que não podem ser adiadas, porque senão o que acontece é que se passa a vida a discutir – que é hoje a moda na sociedade portuguesa: último número do INE subiu, não, desceu, não, subiu, não; os juros subiram, não, desceram”; é bom que se discuta isso, mas há uma sociedade que está a mudar por baixo disso. E o que é que se está a fazer em termos de envelhecimento e natalidade em Portugal?
O que é que se pode fazer em termos de ligar os dois países que estão a deslaçar, como a maionese? O que é que se pode fazer para que esta mudança de modelo económico não seja apenas o triunfo da teoria de dois, ou três, economistas, mas corresponda a uma realidade partilhada pela sociedade portuguesa.
Portanto, aquilo que me preocupa mais e acho que é a minha função enquanto professor, pedagogo e comentador, embora tendo de todos os dias ter de dizer o que se passa com a RTP e com isto e com aquilo e se a Bola de Ouro vai para o Ronaldo, tudo isso é muito interessante, mas chamar à atenção para os tais problemas estruturais. Vocês que estão na idade de terem muitas décadas à vossa frente e algumas bastantes prementes para introduzir a mudança, não devem perder esse enfoque. Senão a discussão é se as medidas dão ou não resultado, se isto está melhor assim ou assado.
É evidente que não se pode esquecer que há eleições, só mesmo por puro lirismo, ou uma forma muito inteligente, que se não depende de uma visão estritamente eleitoral é que se abstrai do facto de que sem eleições não é possível ser-se Governo e consequentemente resolver os problemas dos portugueses no Governo, mas há mais política para além das eleições e da conjuntura económica e financeira, sobretudo na vossa idade.
Duarte Marques
Obrigado, Professor. A seguir, temos oAndré Jesus do grupo Roxo.
André Madeira de Jesus
Boa tarde a todos. Antes de mais, deixe-me dizer-lhe que é sempre um prazer ouvi-lo falar.
O Professor referiu um exemplo português, do blogue criado contra José Sócrates, permita-me que use um exemplo internacional da Tunísia e do Egipto, onde as redes sociais tiveram um papel importantíssimo na queda dos Governos vigentes.
Sendo que temos tantos meios de comunicação e informação, muitas vezes não seleccionada, poderá ser prejudicial numa campanha política, ou mesmo numa legislatura? Até que ponto é que pode ser uma mais-valia a utilização de redes sociais para fazer política?
Obrigado.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Já tendo noção que têm paciência para me ouvir ao Domingo, já tive a ocasião de uma por outra vez dizer que não vou ao Facebook. Descobri ontem, ou anteontem, por acaso, um antigo aluno meu que tem uns tropismos muito simpáticos, às vezes muito fanáticos, que me comunicou muito simpaticamente que ele próprio apoia e intervém num grupo de amigos e amigas no Facebook.
Mas enfim, estou a descobrir isso, já tinha descoberto no estrangeiro uma vez, não tenciono descobrir além disso neste momento. Portanto, não sou entusiasta do Facebook, pelo menos nesta fase da minha vida, pode ser que venha a ser. Mas vejo com alegria que Francisco Louçã comunicou que só podia ser substituído por duas pessoas, que sozinho só podia ser ele líder do partido, através do Facebook. E tenho visto e criticado, respeitosamente mas criticado, o Presidente da República por de vez em quando ter algumas reflexões muito importantes sobre o Mundo, a Europa e Portugal, feitas através do Facebook.
Isto é, não se pode ignorar o peso das redes sociais; como diz, são importantes no dia-a-dia. Só não são mais importantes em Portugal porque o país velho não chega lá, mas o país novo está lá e até o país de charneira. Acontece que em campanhas políticas até agora ainda não pesaram, definitivamente, nas últimas eleições legislativas não foram, como por exemplo como foram nas eleições de Barack Obama, mas já não está a ser nesta.
É curioso, porque ele agora tem poder, portanto quando se tem poder é mais fácil, mas podia ser na campanha de Mitt Romney, mas também não está a ser, porque também é um facto que Mitt Romney tem uma estrutura muito mais conservadora no seu eleitorado e muito menos internáutica.
Portanto, diria que é inevitável que isso vá subir na sociedade portuguesa. Como é que se deve lidar com isso? Não se pode ignorar, não, tem de se gerir com grande senso. Há duas maneiras de gerir: uma é subir a parada, por exemplo, havendo uma campanha contra faz-se uma contra-campanha a responder, ou quando há uma ofensiva ali, faço uma contra-ofensiva. Acho que os riscos são muito grandes, na actual fase dos acontecimentos são muito grandes.
Agora, há participação, comunicação, informação, esclarecimento, debate, que pode ser feito na blogosfera clássica, ou através das Redes Sociais mesmo e pode ser importante.
Perguntar-me-á: "As eleições locais do ano que vem vão ser influenciadas pela Internet?”. Eu acho que não, pela própria natureza das eleições locais. As eleições europeias também acho que não, mas as legislativas em 2015 talvez um bocadinho, talvez mais do que todas as outras até agora.
O meu princípio tem sido – mas eu sou um mero comentador, não sou político – de facto estar atento, sensível, mas não maximizar a exposição que é muito complicada num sistema que é muito rápido e que por muito grande que seja a máquina de que se disponha para acompanhar a evolução desse sistema e das mensagens, se corre o risco de, se não bem utilizado, potenciar os factores de ruído, em vez de esclarecer e provocar o debate sereno.
Portanto, dir-me-á que nisto estou ultrapassado, ou pelo menos numa posição muito conservadora, admito que sim até ver, daqui por três, quatro, ou cinco, Universidades de Verão, quando eu não estiver na pré-reforma e estiver na reforma em absoluto, dir-vos-ei se me transformei num maníaco do Facebook, ou num sucedâneo do Facebook, ou se continuo mais ou menos como até agora.
Duarte Marques
Obrigado, Professor. Vou passar a palavra ao João Letras do grupo Rosa e aproveitar para dizer ao Professor, com todo o respeito, que quem não tem espaço na TVI ao Domingo, caça com Facebook.
João Letras
Boa tarde a todos. Uma saudação especial ao Professor Marcelo Rebelo de Sousa, pois é sempre um prazer ouvi-lo.
Como o Professor referiu, o papel da Imprensa tem sido um factor condicionante da opinião das pessoas e dos eleitores como é óbvio e agora é mais evidente que nunca devido à importância que a televisão tem nos nossos dias. Todos falam que é preciso uma mudança da classe política, tornando-a mais credível e mais capaz de governar bem.
Perguntamos: neste momento é imperativo uma classe política de prestígio e com credibilidade e até que ponto isso será possível com uma Comunicação Social manipuladora da opinião pública?
Obrigado.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Sou muito crítico, embora seja uma figura da Comunicação Social. Desde muito novo, desde os meus dez anos de idade que fiz jornais: na escola primária, na universidade, depois na sociedade portuguesa, mais tarde Rádio e Televisão, mas sou muito crítico.
Acho que, como vos disse, há uma crise profunda na Comunicação Social portuguesa e também na Televisão. Concordo que a Televisão tem um peso que infelizmente a Imprensa e a Rádio não têm, perderam, foi uma das grandes mudanças nos últimos dez e vinte anos.
O nível televisivo em muitos casos é deveras preocupante. É muito preocupante, pois a luta de audiências que agora é dramática, de sobrevivência, e vai ser pior naturalmente nos próximos anos, o que significa reduzir o papel dos jornalistas na feitura de uma televisão. Porque se forem ver o espaço que resta para os jornalistas em 24 horas na televisão é mínimo: o número de telejornais noticiosos diminuiu, eu ainda sou do tempo em que havia telejornais à noitinha e já não nos generalistas; passou a haver só à hora de almoço e à hora de jantar; o resto é Futebol, Reality Shows, Telenovela, programas variados mais para jovens e crianças, familiares de manhã, ou no começo da tarde, o que quer dizer concursos e isso não é feito por jornalistas, muitas vezes é bem feito, mas não é feito por jornalistas, passam ao lado. Programas culturais dificilmente entram noprime-time, nunca consegui ter um programa noprime-timea não ser algumas referências a livros, mas não há.
Os programas culturais são, ou no Cabo, ou à uma da manhã nos canais generalistas, em que se diz onde é o espectáculo e qual é o livro, porque antes disso não. Portanto, isto quer dizer que inevitavelmente a parte informativa e a parte cultural perderam peso. Dentro da parte informativa, muitas vezes, o que é acentuado, não digo sempre, mas muitas vezes, é aquilo que é dramático, porque se entende que é o que chama as audiências, ou é atractivo do ponto de vista também de aumentar audiências assuntos de sociedade, que vão desde o bronzeado até às curas de emagrecimento no período de férias, até às personalidades que aparecem nas revistas sociais, por aí adiante.
O que significa os crimes, não o crime para enfrentar a causa, mas o crime em si mesmo, ou o facto em si mesmo. Portanto admito – sem querer generalizar, como tudo na vida, nem tudo é isto –, que a evolução do audiovisual, desde a ideia do triunfo, a meu ver errado, de que só dá audiências determinado tipo de informação, mas que fez época desde o começo dos anos 90, foi no sentido descendente muitas vezes e não ascendente. Está provado que não é assim e que é possível falar e discutir política, falar de livros, etc., e ter audiência, mas não é possível convencer as pessoas disso.
Pura e simplesmente, quando muito dizem que "está bem, isso são dois, ou três, casos isolados, porque têm bonsentertainers”, fico feliz porque acho um elogio rasgado, mas não é verdade. Mesmo com bonsentertainersé possível tratar esses temas com qualidade.
Portanto, concordo consigo, que há aqui um processo cumulativo: muitas vezes a Comunicação Social puxou para baixo a classe política e muitas vezes foi a classe política que puxou para baixo o audiovisual, ou os dois viveram muito felizes um com o outro, achando que um merecia o outro e vice-versa. Bom, o dramático não é isso, é se o país concorda com isso e acha que merece ambos e está feliz com ambos.
Por isso, percebo a sua preocupação e é bom puxar para cima.
Duarte Marques
Obrigado, senhor Professor. Simão Ribeiro do grupo Verde.
Simão Ribeiro
Muito boa tarde, magnífico reitor da Universidade de Verão, senhor Professor Marcelo Rebelo de Sousa com a devida vénia, caro Presidente da JSD, caras e caros amigos.
Dizia precisamente Francisco Louça, algures em tempo incerto, que as Jotas em Portugal eram quase uma espécie de escola de crime e o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, se é que me permite citá-lo, disse, salvo erro, no passado Domingo, que"os líderes de outrora da JSD eram e sempre foram recordados porque as Jotas de antigamente versavam e falavam sobre tudo e hoje apenas falam de matérias quase que exclusivas da Juventude”, se é que isso é possível.
Isso deixa-me a mim, ao grupo Verde e julgo que deve deixar qualquer um dos alunos desta Universidade de Verão, pelo menos desta edição, a pensar em qual deve ser e qual será o papel da Jotas no contexto político-partidário em Portugal.
Muito directamente, aquilo que queremos perguntar ao senhor Professor é se deve, ou não, a JSD em particular defender uma revisão constitucional que contemple a introdução da Regra de Ouro, como forma de assegurar a manutenção do poder da relativa liberdade soberana do Estado português e como garante das próximas gerações em termos de sustentabilidade, ou se pelo contrário não será perigoso a uma estrutura de juventude como é a JSD defender algo como isto sem que possa ser interpretada como uma qualquer tentativa de limitação da legal e estrita liberdade do poder discricionário e administrativo de futuros Governos, que serão, espero eu, ocupados por muita gente que está cá dentro, mas sobretudo pelas gerações vindouras.
Muito obrigado.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Em relação a Francisco Louçã temos de descontar sempre o facto de que era um homem inteligente e é, porque está vivo e está na direcção do partido, porque não saiu totalmente, está ali à coca. [RISOS]
É um homem inteligente e portanto às vezes utilizava expressões para, por um lado, atrair audiência e, por outro, chocar, exagerar e produzir determinados efeitos políticos, com a vantagem de que não tinha Jota no Bloco de Esquerda, porque boa parte já era Jota, não porque muitos deles eram genericamente Jotas, mas eram no fundo a Jota convertida num partido com mais alguns mais velhos e entretanto foram todos eles envelhecendo.
Na semana passada, tive o cuidado de não acrescentar a última parte que me atribuiu, eu disse que de facto os líderes e tem o caso do actual Primeiro-Ministro que apresentou um projecto de revisão constitucional, no qual trabalhei aliás, e que tinha posições sobre temas variados da actualidade portuguesa. Mas não acrescentei a última parte "de que a actual juventude não tem”, o que permitia que uns depreendessem que sim e outros que não.
Portanto, foi pelo contrário, eu disse que o problema agora era mais complicado em relação às Jotas, porque antigamente ainda se estava carregado de ideologias e era ainda na transição da era final do Cavaquismo, e que agora não, agora realmente é outra situação em que há outras alternativas na sociedade e em que é mais difícil passar o discurso político do que era na altura. Havia outra atenção para fazer passar política.
Se me pergunta se eu acho, ou não, que a Jota hoje, a JSD como qualquer outra juventude partidária, deve tomar posições sobre questões sobre questões económicas, sociais, políticas, para além de problemas da juventude como a Educação e afins, acho que sim. Problemas nacionais e europeus, sim; que deve fazê-lo para além das questões conjunturais, nas de fundo, estruturais, sim; que deve antecipar problemas, mudanças e ideias para o futuro, sim.
Depois, em concreto em relação à Regra de Ouro, no fundo é a minha opinião que eu já dei: compreendo porque é que a Alemanha defende a Regra de Ouro. Estudei na Alemanha uma boa parte da minha carreira académica e penso conhecer bem os alemães que têm uma maneira de pensar e de reagir muito diferente da dos portugueses. E para os alemães, que são muito jurisdicistas e muito de fórmulas legais, e que têm uma realidade que normalmente condiz com as fórmulas legais, o que não é exactamente o que se passa com outras partes da Europa, que mais depressa estão à procura de, uma vez inventada a lei, dar a volta à lei, ou já fazem a lei a pensar os buracos que ela permite.
Os alemães, levando isso à séria, estritamente, entendem, por ser o que se passa com eles, que realmente havendo uma regra dessas ao nível constitucional isso garante para todo o sempre a constitucionalidade financeira, o controlo do défice, o equilíbrio monetário e a felicidade económica.
Outra questão é saber se no caso português devemos agora fazer uma revisão constitucional e incluir nela uma regra dessas. Eu acho que o tempo agora não vai para revisões constitucionais, por muito que saiba que o meu querido amigo Alberto João Jardim quer sempre uma, praticamente todos os anos se pudesse. O que é fascinante, eu como ex-constitucionalista, agora mais administrativista, adoraria isso, mas não é bom.
Quero dizer, o problema do país é outro, temos outras prioridades e seria uma dispersão de esforços. Como a revisão constitucional implica um consenso de dois terços é uma dispersão de esforços; a haver consenso de dois terços é para outros efeitos mais de concretização imediata.
Portanto, não sou muito favorável a que haja uma revisão constitucional agora. Em segundo lugar, percebo que se estabeleçam limites, mais ou menos flexíveis, mas limites, que sirvam de uma chamada de atenção ao Governos para não fazerem aquilo que lhes passar pela cabeça, mas há maneira de fazerem leis para-constitucionais, ou quase constitucionais, que não rever a constituição.
Fez-se um trabalhão em 97 para tirar da Constituição a legislação autárquica eleitoral e a eleição presidencial. Não serviu para nada, pois já passaram não-sei-quantos anos para não ter de haver uma negociação em bloco, porque depois das revisões constitucionais normalmente são em pacote, não são pontuais. E o que é facto é que a ideia era para permitir um acordo entre PS ou PSD que esteve quase, era um "espero que possa ser, mas está difícil”.
Logo, eu percebo e defendo a ideia da Regra de Ouro, iria para essa ideia de prata, ou Regra de Prata que também não era má, depois podemos discutir se seria uma lei de enquadramento orçamental, ou de valor reforçado, ou outra, que deva ser respeitada pelos Governos e maiorias parlamentares, mas que não exija estar na Constituição.
Se a JSD defender isso, a Regra de Prata, acho que é um bom contributo que dá para a Democracia portuguesa, não sei se é o mais fascinante para o comum dos mortais, mas também nem sempre se tem de fazer coisas fascinantes para o comum dos mortais, não é?
Duarte Marques
Muito obrigado. Isidoro Gomes do grupo Amarelo.
Isidoro Gomes
Boa tarde a todos. Permitam-me abrir um parêntesis para que em nome da Juventude Democrática da JPD do MPD, partido político cabo-verdiano e irmão do PSD agradecer à JSD na pessoa do seu Presidente, Dr. Duarte Marques e ao reitor da Universidade de Verão, Dep. Carlos Coelho, pela oportunidade que nos concederam em estar aqui convosco nesta insigne iniciativa de dimensão nacional e de interesse internacional. Parabéns JSD e parabéns Portugal!
Recentrando no tema da aula, gostaria de cumprimentar e felicitar o nosso magnífico professor, Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, pelo aprofundamento e elevação nas suas intervenções, aliás a que sempre nos habituou.
O Professor intervém, como todos sabemos, todos os Domingos à noite na TVI. Sabe-se que os conteúdos dos canais televisivos apresentam a toda a hora comentadores políticos e os jornais publicam diariamente textos de opinião que vão servindo, umas vezes de aprofundamento da informação, e outras contra a informação.
Na opinião do senhor Professor, que força e poder têm essesopinion makers? Qual é a sua responsabilidade; serão estes os verdadeiros políticos no activo; enquanto comentador tem um sentimento de que é um político activo?
Muito obrigado e peço desculpa pelasgaffes.
[APLAUSOS]
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Não se preocupe com as gaffes, ainda a semana passada eu cometi uma monumental: atribuí ao Governo de Sócrates uma decisão do Governo de Passos Coelho.
[RISOS]
Aquilo saiu-me, depois a Judite Sousa disse: "Olhe que não é bem assim”, depois fiquei a pensar e eu não tenho auricular, não estou em comunicação com arégie, estou apenas a ler, isolado do mundo.
[RISOS]
Portanto, no resto do tempo eu continuei a responder às perguntas e ao mesmo tempo, sabem quando o pensamento se divide em dois e há um que continua "manter a bola em jogo” e o outro começa a pensar: deixa cá ver, quando é que foi, como é que foi, etc. Depois disse: caramba, tenho de corrigir isto, senão nem quero imaginar, vão ser os blogues todos de hoje, amanhã, depois de amanhã e tal.
Ainda tive tempo, porque às vezes não dá, imaginem se for na última intervenção, mas tive tempo e disse: peço desculpa, não é e tal.
Portanto, como vê é a coisa mais habitual do mundo, só não acontece a quem não fala.
Queria cumprimentá-lo e recordar o facto de que foi no tempo em que fui líder do PSD que foi criada a parceria com o MPD que então estava no Governo de Cabo-Verde, com o meu colega de curso Carlos Veiga, que era então Primeiro-Ministro. Fui a um congresso do MPD e o MPD foi inserido em estruturas internacionais, nomeadamente o PPE para onde nós entrámos naquela ocasião, durante a minha liderança.
Gosto muito de Cabo-Verde, estou lá daqui a 20 dias a convite do Presidente da República para falar num congresso de Direito Constitucional e portanto é com muita alegria que vejo aqui um representante qualificado da Juventude de um partido que é um partido essencial e foi essencial para a Democracia cabo-verdiana.
Bom, acerca de qual é a influência dos comentadores, isto dava outra conversa. Eu diria duas coisas: nem é tão grande como eles pensam nem é tão pequena quanto pensam os comentados. Portanto, os comentados tendem a dizer: "ele disse isso porque está ressabiado, porque quer mais isto, etc.”, em relação aos comentadores em geral e minimizam.
O comentário, em muitos casos, tem valor por aquilo que diz e vale pena olhar para ele independentemente de quem o diz, mas nem é tão importante quanto pensam os comentadores. Há comentadores que saem dali ou estão ali convencidos que são o centro do mundo e ninguém o é.
Os ex-políticos activos são outros. Um comentador não é um político activo e não o deve ser; razão pela qual eu tenho sido contra a ideia de ver pessoas na política activa, porque já fiz a experiência e não correu bem, com lugares importantes na política, por exemplo deputados e são comentadores, chegou a haver governantes e membros do Governo comentadores. E mesmo alguns dirigentes partidários e líderes parlamentares que foram comentadores. Uma coisa é irem lá para debate, para defenderem posições, outra coisa é serem comentadores ao mesmo tempo.
Nos primórdios da Democracia, fiz essa experiência e é muito difícil, porque são dois chapéus diferentes: a pessoa comentar e ser comentado. O Eduardo Lourenço dizia muitas vezes de mim, há muitos anos, que eu era a única pessoa que conhecia que estava muito tempo à janela e ao mesmo tempo passava na rua. É uma situação muito incómoda, portanto, ou se está a passar na rua, ou se está à janela.
Isso responde à segunda questão, que é esta: acho que o comentador não é um político activo. O que é que isto quer dizer? Quer dizer o seguinte: se um comentador quer fazer política activa é um mau comentador porque está sempre a pensar nas consequências políticas daquilo que está a dizer. Vou dizer isto, vou desagradar o "A”, ora o "A” tem influência no partido e depois amanhã preciso do "A” e ele não gosta de mim e vai fazer campanha ali. E do "B” vou dizer bem, mas estou desgraçado, porque o "C” não gosta do "B” e também fará das suas.
E depois, o partido gosta mais, ou menos, ou o outro partido gosta mais, ou menos e assim deixa-se de dizer aquilo que se tem a dizer; pode substituir isso, é verdade, pela tarefa de esclarecer aquilo que alguns estão a fazer, ou por dar informações novas sobre aquilo que se passa na cena política, é uma forma hábil de no fundo tentar um quase comentário político, mantendo político activo, mas é muito difícil. Não é só um caso, durante um comentário são "n” casos: é uma atitude que se comenta, é uma lei que se comenta, é um discurso que se comenta; se a pessoa está na política activa é evidente que está sempre a refrear-se, a limitar-se.
A menos que eu nunca mais queira ter influência nenhuma e então não digo isto; não é um bom comentador, portanto um comentador não pode ser um político activo. Um político activo pode até dar a sua opinião, defendê-la, debater e intervir, mas não é um comentador, porque as pessoas já sabem que o que vem dali é estritamente limitado pelos condicionalismos em que se move aquele político naquele momento, naquele órgão.
É, por exemplo: sou nomeado membro do Conselho de Estado pelo Presidente da República, Cavaco Silva; já o critiquei muitas vezes e cheguei inclusivamente a dar-lhe notas quantitativas – quando tinha essa mania, que já me passou – não muito simpáticas. E, portanto, têm de admitir que chegou a haver já não-sei-quem que disse: "Ele não o pode nomear conselheiro, como é que pode? Um conselheiro que critica o Presidente e diz isso e aquilo e aqueloutro.”; aliás foi um amigo meu que disse a certa altura, José Ribeiro e Castro, salvo erro, entre outros.
Felizmente, fui convidado e o Presidente da República que é um democrata, obviamente tinha colocado essa questão e eu também de que não iria limitar a minha liberdade de expressão, pensamento e comentário, pelo facto de ser Conselheiro de Estado. Isso tinha ficado explicitado.
Portanto, não é uma função política activa, quero dizer, reunimos duas ou três vezes activas, quando o senhor Presidente entende, para ouvir a nossa opinião, não havendo poder de decisão nenhum. Logo, não acho que seja fácil ser comentador e ser político ao mesmo tempo.
O comentador que quer fazer política; imagine-se que agora por uma loucura eu havia de voltar a querer fazer política. Pronto, teria um gesto de loucura – há loucuras sãs e menos sãs – e é evidente que tinha de largar o comentário instantaneamente. Aliás, incluí em todos os meus contratos com as duas televisões uma cláusula que diz que cesso imediatamente as minhas funções de comentador se me candidatar a qualquer lugar, ou integrar uma equipa executiva de uma candidatura, ou exercer algum lugar no poder executivo local, no partido, no parlamento, no Governo, no Parlamento Europeu, etc.
Eu próprio incluí ali para ficar claro, que assim depois não há equívocos. Acho que deve ser assim, mas infelizmente vejo que há quem pensa ao contrário e respeito obviamente.
Duarte Marques
Obrigado, senhor Professor. Miguel Rainha do grupo Bege.
Miguel Barroso Rainha
Muito boa tarde, queria felicitar o reitor da Universidade de Verão, o Presidente da JSD, Duarte Marques, e felicitar e dizer que é uma honra enorme da minha parte poder questionar o Professor Marcelo Rebelo de Sousa.
Em nome do grupo Bege, apresento a seguinte questão: sou um jovem, tenho 18 anos e penso que quero acreditar em Portugal. Uma das questões que me deixa algum receio é a formação dos jovens a nível político.
O Professor falou da existência de um país novo, que era constituído por pessoas com idade inferior a 45 anos. Todos nós sabemos que a actividade política no século XXI é muito complexa porque exige uma preparação tanto a nível técnico como cultural muito elevada.
A minha pergunta é simples: qual será o papel do Ensino, seja da escola ou de outro sistema de ensino, para a formação de jovens, sejam estes militantes ou participantes de partidos, ou sejam só cidadãos de um país em que aos 18 anos vão votar e devem saber no que estão a votar, em quem e em que ideias?
Muito obrigado.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Telegraficamente, porque ainda temos algumas perguntas obrigatórias e outras facultativas, concordo consigo: o problema de formação política de jovens e não-jovens é essencial em Portugal.
Segundo: os partidos estão a falhar nessa função pedagógica, deram-lhe muita importância no princípio da Democracia e depois perdeu importância com o tempo. Terceiro: houve nas escolas uma disciplina dedicada à formação cívica que não teve, por razões várias, o sucesso que muitos pensavam que podia ter.
Quarto: formação cívica pode e deve haver na escola naturalmente, não é fazer doutrinação política que isso é o contrário do pluralismo. Em qualquer disciplina, eu que estou a dar uma aula de Direito, houve eleições americanas na véspera, ou vai haver no dia seguinte, não dou a matéria que devia dar – dir-me-ão "em Direito é mais fácil” – e falo das eleições americanas, ou houve uma crise qualquer no Mundo, ou na Europa, eu falo sobre isso.
Quando foi da crise americana falei sobre isso, levei convidados meus às minhas aulas, desde a única corretora portuguesa em Wall Street que foi explicar o que era a vida dela e o que foi a crise, até naturalmente pessoas em vários sectores da vida portuguesa ou internacional. Faz parte da minha missão enquanto professor. Mas admito que se for Ciência, ou Química, ou Matemática, é mais difícil.
Mas no convívio extra-escolar, isto é, fora das aulas, numa comunidade educativa é natural que haja debate, que haja por exemplo aquilo que há nas escolas anglo-saxónicas, em que eu participei por exemplo na Universidade Nova quando era professor na Faculdade de Economia em que havia um tema em que uns eram a favor e outros contra e depois trocavam. Eu fazia até parte do mesmo júri com o Luís Campos Cunha.
Isto lá é natural, a partir do Básico, não é só do Ensino Superior. Nesse sentido, a formação política está a fazer falta, mas independentemente de haver ou não, faz falta na Comunicação Social e também nos partidos.
Os partidos têm de olhar com mais atenção para a formação política, nomeadamente dos jovens. Não é para arrebanhar, por uma questão de proselitismo, é porque senão gera-se em muita gente o desinteresse absoluto em relação à política, a ignorância gera desinteresse, ou gera desinformação, ou cansaço e isso não é bom. Não é bom e não é bom em relação aos jovens que têm mais futuro que os outros.
Portanto, concordo consigo que é um desafio da escola em geral, mas é da sociedade portuguesa em geral e das forças políticas em particular.
Duarte Marques
Obrigado, senhor Professor. Alexandra Videira do grupo Cinzento.
Alexandra Videira
Muito boa tarde a todos. Queria aproveitar para saudar a mesa e em particular o Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa. Tendo em conta a primeira parte do seu discurso e a subsequente divisão em ordem cronológica e neste caso em ciclos geracionais dos actores políticos e tendo em conta que se iniciou antes do 25 de Abril e culmina até aos dias de hoje, torna-se evidente que os desafios e a forma de combater os mesmos vai evoluindo.
A minha pergunta então é a seguinte: até que ponto é que os nossos actores políticos acompanham essa evolução e com isso quais os valores que se mantêm até aos dias de hoje?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
É uma pergunta muito vasta, porque abrange partidos, parceiros económico-sociais, figuras políticas pessoais, Igreja, por aí adiante. Mas diria o seguinte: de uma maneira geral, na sociedade portuguesa, como nas outras… Essa careca é fatal. É, porque se constipa mais facilmente. Eu sou hipocondríaco, mas enfim, é uma imagem de marca do nosso reitor, bom Coelho.
[RISOS]
Agora perdi-me. Mas o que acontece, de uma maneira geral, é que a evolução tecnológica é muito mais rápida do que a evolução económica e financeira, e mais rápida do que a evolução política e jurídica. As estruturas políticas e jurídicas são mais lentas a adaptar-se, há sempre umadécalage, umtime lage portanto na sociedade portuguesa esta evolução que eu sintetizei mostra como o país mudou brutalmente, – vocês não imaginam, quer dizer, imaginam porque vêm os números – o que era a população agrária há 40 anos e o que é hoje, com os serviços a subirem é um país sem agricultura e com pouca indústria.
Tem serviços, mas quais serviços? Há serviços que não são transaccionáveis e não tem virtualidades em termos de riqueza exterior. Portanto, houve uma transformação brutal em termos económicos, sociais, culturais e comportamentais, os partidos tiveram dificuldades em ajustar-se. Em muitos casos, ainda, a sua malha administrativa é a de há 40, ou 30, ou 20 anos.
Mudou lentamente, por exemplo, as estruturas de secções; eu ainda estou na secção de Cascais, apesar de ser recenseado há muitos, muitos anos em Celorico de Bastos, mas quando líder fiz umas regras tão rígidas, por sugestão do Rui Rio, para a transferência de militantes que depois era uma maçada tão grande estar a fazer transferências, porque havia não-sei-quantos dias para não haver aqueles chamados "militantes migrantes”, pelo menos os que o secretário-geral entendia que eram migrantes.
Bom, o que é facto é que daqui deriva esta consequência: a sede da secção de Cascais está num sítio – que foi proporcionado por um empresário que morreu no outro dia, que foi um grande apoiante do PSD –, que é o sítio menos operacional do mundo, que é no largo da estação, num segundo andar em cima do cabeleireiro. Quando há filas de votação estamos horas nas filas de votação.
Aquilo já não é o centro efectivo de Cascais; para a realidade que foi o crescimento de Cascais, não faz sentido nenhum de ir ter naquele sítio que era o mesmo há 30 anos, mas é lá que é, porque arranjar outro sítio é muito complicado. Bom, isto é um pequeno exemplo físico de como há uma inércia muito grande.
Perguntará, ali a nossa jovem companheira, o que é que houve de perdurabilidade nos valores ou princípios dessa gente que começou, que foram as forças políticas que começaram, há não-sei-quanto tempo; isso dava outras palestras que já fiz em passadas Universidades de Verão, que é por exemplo o que é que no PSD perdurou.
O PSD é muito diferente hoje do que era, continua a ser um partido frentista de eleitores e militantes ao mesmo tempo, continua a ser um partido de uma mistura muito curiosa, numas coisas há abertura à iniciativa dos cidadãos, mas de forte preocupação social, fundamento europeu mas muito nacional, muito lusófono, tem traços que são estáveis. Mas depois com as gerações há mudanças, porque o que eram os desafios do pós-PREC já não são os desafios do Cavaquismo, nem do pós-Cavaquismo, ou do século XXI.
Neste momento são outros e portanto, compreendo a sua preocupação, há valores que são estáveis: profissionalismo, um pecúlio de direitos e liberdades fundamentais, o respeito e até classismo, a transversalidade social, a preocupação, a capacidade que o PSD teve sempre de se adaptar às várias realidades locais e regionais, uma grande maleabilidade que é portuguesa, o ser um partido que não foi criado a partir de matrizes estrangeiras e que por isso gostaria de ter estado numa família partidária e já esteve em duas e virtualmente já esteve em três: esteve mentalmente na Internacional Socialista, esteve na mente liberal e está no PPE, e esteve sempre sem se descaracterizar, que é o mais curioso.
E os outros achando que nós somos um animal raro, que somos em termos de definição, vários especialistas diziam que o PSD era um partido a mais, não fazia sentido, porque não havia igual nas famílias europeias. Havia o partido de tipo socialista, o partido conservador tipo CDS, ou democrata-cristão, como em certa altura ele se intitulou, mas não havia esta mistura que tem sociais-democratas, sociais-liberais, sociais-cristãos, sociais-populistas, conservadores, etc.
Tenho falta de tempo, por isso, em suma cada vez que ele levanta isto traumatiza-me imenso que é para dizer para me calar, que é uma forma subtil de censura estranha da parte de um reitor que é um bom Coelho. Portanto, é verdade que as estruturas têm dificuldade de adaptação e que a nossa tem sido mais plástica é a razão pela qual temos tido mais governação.
A razão pela qual temos tido mais poder local, regional e nacional durante mais tempo é porque nos temos ajustado melhor e mais depressa e mesmo assim ainda é curto, pelas ausências de poder que temos tido, porque não pensemos que o Socratismo foi apenas o mérito do protagonista, foi também a dificuldade que nós tivemos de sintonizar com a mudança do país no entretanto do Socratismo, ou do Guterrismo.
Duarte Marques
Muito obrigado, senhor Professor.
A última pergunta das sorteadas, o Manuel Filipe Neto do grupo Castanho.
Manuel Filipe Neto
Muito boa tarde a todos. Antes de mais, gostava de cumprimentar a mesa, em especial o convidado Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Permita-me agradecer-lhe em nome do grupo Castanho e também dizer-lhe que para nós é um prazer enorme estar aqui deste lado consigo.
Sem mais demoras, vou passar à questão: o Professor referiu que o populismo a partir de meados dos anos 80 foi gradualmente substituindo a discussão de questões ideológicos. Terá sido meramente pela necessidade de ganhar eleições a todo o custo, ou efectivamente hoje não há lugar nem razões para a discussão de questões ideológicas em contexto de campanha eleitoral?
Gostávamos de ouvir a sua opinião. Muito obrigado.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
As duas coisas; foi pelas duas razões: foi uma maneira de conquistar votos numa sociedade em que havia disparidades culturais muito grandes e havia, portanto, zonas do eleitorado em que o discurso tinha de ser muito simples, directo, atractivo, popular, muito de imagem até pelo peso da televisão e depois por uma crise geral das ideologias, que não é só nossa, é europeia.
Olham para Direita europeia com o senhor Cameron que tem ideias da direita tradicional britânica, mas depois foi muito influenciado em termos estilísticos pelo Blairismo; quis ser um Blair à Direitaaggiornatoe conseguiu no sucesso eleitoral. Olham para a Esquerda europeia e é vazia com o senhor Hollande, para já não dizer alguma realidade nacional, não é? Na liderança do Partido Socialista, em que há um vazio de ideias em absoluto, ou não é um vazio absoluto, mas é uma grande dificuldade de renovação de ideias.
Mesmo as forças mais renovadoras na Esquerda são as que se definem pela contestação: o Syriza, o Bloco de Esquerda enquanto o foi, eram essencialmente por algumas ideias de clivagem comportamental e pela contestação a aspectos práticos do modelo económico-social da crise da Europa e etc., não era pela proposta de caminhos muito diferentes.
Vamos ver qual é a proposta: racionalizar determinados sectores, intervir no Estado e tal. Mas como, de forma diferente do que era? Há aqui, de facto, um problema e não sei se vai passar, porque a torrente de desafios é a um ritmo tal, que não é fácil esta reelaboração com tempo. Os políticos hoje estão solicitados pela conjuntura, governam o dia-a-dia, o hora-a-hora e o minuto-a-minuto e a Comunicação Social provoca isso.
Lembro dos tempos em que fui Governo, há 30 anos, que era possível ter um diploma com um tecto salarial durante semanas guardado sem ninguém saber até sair no Diário da República. Hoje, acham que uma lei a impor um tecto salarial a todos os trabalhadores durava dez minutos sem haver um assessor de um ministro que tinha uma inconfidência, ou um primo de um primo de um outro primo – que somos todos primos aqui em Portugal – que por acaso está na Comunicação Social, ou num partido na oposição que sabe ou que desconfia, ou um governante que acha que é uma esperteza monumental deixar cair umleakzinho– portanto, hoje é uma bola de neve.
Nesse sentido tem razão nos dois factores que apontou, há de facto um empobrecimento ideológico e doutrinário.
Duarte Marques
Muito obrigado, senhor Professor.
Eu tenho 14 perguntas pedidas em "Catch the Eye”. Eu ia pôr só quatro, mas se conseguir mais.
Dep.Carlos Coelho
Portanto, vamos pôr duas a duas e eu sugeria o seguinte: nós vamos estar aqui uma semana todos juntos vamos dispensar os cumprimentos para mim e para o Duarte e assim escusamos de perder tempo. O Professor Marcelo também não se importa que não o saúdam, já o foi por vários colegas e portanto, vamos à pergunta e à resposta, para ver se temos mais tempo.
Duarte Marques
Vamos a isto: Ângelo Santos do grupo Castanho e de seguida o Tiago Fiúza do grupo Bege.
Ângelo Santos
Boa tarde a todos. A questão que agora faço, já a fiz para o jornal da Universidade de Verão dirigida ao Dr. Durão Barroso, mas como comentador político que é e não político, gostaria de confrontar as duas opiniões para formar a minha.
Assim sendo: se a Grécia sair da zona Euro quais as consequências que isso pode ter para Portugal e como poderá afectar os jovens directamente.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Respondo já. Acho que não é bom a Grécia sair da zona Euro. Bem podem os teóricos dizer que já foi pior, que a Banca europeia está mais acautelada e as consequências serão menores, é sempre maus para os mercados, para a Europa, para os membros do clube a saída de um membro desse clube. Deixa no mínimo a dúvida se irão, ou não, sair outros membros do clube e isso não é bom para o clube.
Tiago Fiuza
Boa tarde, Professor. O seu tema era "Os novos e velhos-novos actores na política” e pergunto onde é que se enquadra melhor, nos novos, ou velhos-novos e se não vê para si nos próximos tempos na política activa.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Eu estou nos velhos-velhos [RISOS] e como tive ocasião de dizer, neste momento, estou no comentário político, estou numa fundação a fazer silvicultura, cultura, artes e a dar aulas.
Se porventura algures não sei bem quando e se eu entender que isso deixaria de ser assim, não deixaria de comunicar e dê-me o seumailque eu comunico-lhe com antecedência. Senão também lhe comunico e olhe, continuo feliz, encontramo-nos, arranjamos maneira de me ir visitar a Vila Viçosa, ou Lisboa à Faculdade.
Duarte Marques
Obrigado, senhor Professor. Henrique Barros do grupo Encarnado e de seguida o João Alcobia do grupo Amarelo.
Henrique Barros
Boa tarde. O Professor hoje referiu a importância do país velho na actualidade e a minha questão é: até que ponto é que este país velho condiciona as gerações mais novas, na medida em que tanto as gerações mais novas como as do país velho têm posições e perspectivas diferentes sobre a realidade e sociedade?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
O país velho condiciona na medida em que a realidade que existe foi largamente fruto de uma experiência vivida por esse país mais velho. Hoje, o país velho tem menos influência do que têm as gerações de charneira ou o país novo.
O país velho está pobre, desempregado, distanciado dos centros de poder, de uma maneira geral, e portanto não tem a influência que as outras camadas geracionais mais novas têm.
Agora, do país novo, posso dizer que recebe e vive num contexto que foi largamente construído ou sofrido pelo país velho.
João Alcobia
Boa tarde. O Professor há bocado já respondeu isto, mas eu já tinha formulado a questão: é sobre uma alteração constitucional; em vez de se integrar a Regra de Ouro e tendo em conta que o peso da despesa pública face ao PIB do país, aumentou desde o 25 de Abril de 25% para 50% actualmente, seja qual for o Governo, não deveríamos limitar pela Constituição o peso da despesa e também o nível de fiscalidade, ou seja, os impostos, visto que em 2001 o IVA era 17% e agora está a 23%, por exemplo?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Acho que esta evolução, em si mesmo, que propõe é a certa. É controlar o galope de despesas, o que implica uma reforma a sério da Administração Pública, do Estado, que é uma questão de fundo e não retoques pontuais e, por outro lado, não continuar o galope da fiscalidade que é verdadeiramente uma loucura.
Tem toda a razão. Não tenho a certeza de que a regra deva ir para a Constituição, ou melhor, tenho a certeza de que não deve, é a tal Regra de Prata, mas mais importante – sou jurista, professor de Direito e tenho exacta noção - é a Educação, a Cultura Cívica, a mentalidade e comportamento das pessoas do que todas as regras do Mundo.
Pode ter as regras mais excepcionais do Mundo, que se não forem aplicadas e se o consenso social for no sentido de que não devem ser aplicadas não serve de nada ter as regras, até é pior, por isso é preferível não ter.
Duarte Marques
Obrigado, senhor Professor. Tânia Coutinho do grupo Rosa e André Morais do grupo Laranja.
Tânia Coutinho
Vou ser mal-educada, não iniciando com cumprimentos e indo directa à questão.
No seu generoso discurso, resumo sobre a evolução do papel dos actores políticos, fez coincidir o período de maior desenvolvimento dos meios de comunicação e de maior difusão da informação com o período de maior desgaste dos actores políticos. No entanto, sabemos que consoante a maior disponibilidade da informação, maiores serão os índices de qualidade da Democracia.
Como contornar esta contrariedade?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Depende da qualidade da comunicação; uma coisa é haver muita comunicação, mais comunicação, e outra coisa é ter qualidade. O que dei a entender em resposta a outra pergunta é que pode haver muita quantidade e qualidade sofrer, não acompanhar em nível a quantidade.
Por outro lado, penso que a classe política em termos de formação não acompanhou os desafios da mudança da sociedade portuguesa; não foi só em Portugal, foi no geral.
Não é apenas a classe política habituar-se às democracias mediáticas; é completamente fazer política com Internet ou Televisão, ou sem estes meios de comunicação, mas foi o problema de muita dessa classe política ficar datada. Isto dava uma explicação muito longa, mas vou dar num minuto: a revolução, como todas, cortou gerações e fez uma sucção.
Portanto, a minha geração, que tinha 20 anos, foi chamada a exercer funções que normalmente seria chamada para fazer aos 50 anos e esteve lá durante 30 anos. Essa inércia, que consistiu em estarem os mesmos durante mais de 30 anos, liquidou outras gerações dos anos 70, criou a revolta dos anos 80, o desinteresse dos anos 90, levou a uma renovação tardia pelos anos 80 e isso significou, na prática, que houve, por um lado, um afastamento de elementos que poderiam ser importantes nessa classe política e, por outro lado, a que muitos ficassem datados, a ver a política como ela era há não-sei-quantos anos.
Já não é assim. Pega no Pontal: foi concebido para ser um pinhal que se chamava Pontal, ao pé de Faro, como forma de luta em pleno PREC, de mobilização de massas. Já não tinha nada a ver o Pontal do tempo de Sá Carneiro com o Pontal do tempo de Cavaco Silva, que era uma forma de grande espectáculo para o grande líder aparecer a dizer a verdade e os elementos fundamentais, o timoneiro – como ele próprio disse - para os anos próximos da vida política portuguesa.
Já não tem nada a ver com a realidade presente e essas mudanças são muito complicadas de ajustamento da realidade à sua expressão comunicacional e à vivência política. Não é fácil; é fácil dizer, mas é dificílimo.
Não imaginam o trabalho que me dá reajustar a intervenção televisiva ao longo de dez anos, dá um trabalho louco; por isso, imagino que seja muito mais complicado para os políticos reajustarem a sua actuação e o seu discurso.
André Filipe Morais
A pergunta que gostaria de colocar ao Professor prende-se com os movimentos de manifestação que têm surgido no panorama internacional, desde os indignados aos ocupas de Wall Street e gostaria de perguntar se põe a hipótese de caso esses movimentos ganhassem alguma coerência e consistência, ou no plano ideológico, ou no plano da contestação, ou seja, nas suas propostas e ideias, se podiam tornar mais consequentes menos pontuais e a sua actividade ser mais programada e duradoira?
Muito obrigado.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Acho que há ali duas realidades: uma, é serem herdeiros de uma contestação que houve de uma Esquerda anti-capitalista, anti-Europeia, anti-imperialista, de rua, essencialmente de extrema-esquerda e depois houve quem teorizasse sobre se eram ou não ainda sensíveis a manipulações de um superbloco anti-americano, ou se eram independentes, mas depois começaram a funcionar com mais autonomia.
São poucas as teses que dizem que o ex-KGB ainda tem ligações a isso, mas há uma estrutura que se move e corre o Mundo a fazer isso em manifestações pontuais e, depois, há o lado espontâneo que é muito mais importante. A parte pequena vai continuar sempre a manifestar-se e até pode crescer em certos momentos agudos de crise.
A outra parte traduz os momentos de insatisfação em que as pessoas dizem "chega!” e aí é como quando temos febre que é útil. Eu vi a manifestação dos indignados em Lisboa, a primeira, em tempo de Sócrates e vi muita gente do PSD e do CDS lá. O que significa que ali foi a temperatura a dizer "vai-te embora que já estás a mais”.
Foi a gota no copo e isto converter-se duradouramente numa realidade estruturada é difícil, porque havia lá gente da extrema-esquerda até à Direita, passando pelo Centro. Como é que isto se estrutura no dia seguinte? Pode acontecer, pode, com o Bloco de Esquerda aconteceu, mas são realidade apesar de tudo mais organizadas que os indignados.
Duarte Marques
Obrigado. Ana Prior do grupo Verde e de seguida o Guilherme Correia do grupo Roxo.
Ana Lúcia Prior
Boa tarde, Professor. Recentemente o secretário-geral do Partido Socialista afirmou que o Partido Socialista é social-democrata.
Assim, considera a necessidade da existência destas diferenças ideológicas entre Esquerda e Direita? Faz sentido a existência do Partido Socialista, mediante as afirmações do próprio secretário-geral?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
O que se passa é o seguinte: o Partido Socialista fez um longo percurso da Esquerda para o Centro ao longo da sua vida. Esse percurso foi muito claro com o Guterrismo, podia ser também com o Socratismo, não fosse a liderança pessoal, o acento tónico pessoal.
Mas António José Seguro, embora goste de manter a aparência de ser à Esquerda, de facto pensa no eleitorado do Centro, como qualquer líder socialista que quer ganhar votos ao Centro.
Portanto, quando ele diz que é social-democrata está a querer dizer que é centro-esquerda e não pode dizer mais dentro do que Esquerda, porque estaria a dar um espaço enorme, já não digo ao Bloco de Esquerda, porque neste momento é má altura, mas a uma pretensa Esquerda, chamemos-lhe Lacostista, no próprio partido.
Lá está, o problema dos de eleitores e dos de cartel. Se formos a olhar para aquilo que diz Seguro, não encontramos muitas ideias diferentes efectivamente daquilo que são as propostas do PSD. Têm dificuldade em formalizar propostas diferentes, se ele chama isso de social-democracia quer dizer um tropismo do PS para o Centro.
Acho, aliás, que ele está a fazer um percurso muito curioso que é agora só pensa em aguentar-se até ao Congresso, depois pensa que está garantido até às eleições e deixa-se ficar como está pois pode ser que os outros dêem um tropeção e venha tudo para mim. É um bocadinho a lógica dele. Na dúvida, prefere não cometer erros e não se mexer a fazer o que quer que seja de inovador. O que é útil nem que seja porque assim fica sempre a dúvida de se ele não tem ideias, ou se as tem e não as quer utilizar.
Portanto, fica só esse halo que só não é de mistério porque depois aquela cara não suscita mistério, mas se não fosse o ar muito plácido que tem, era um aspecto de mistério, uma gestão de silêncio, que ele faz.
Daí que em relação à sua pergunta, continua a haver na política portuguesa um problema efectivo, porque nem o PSD se vai deslocar para a Direita, que não vai por muito que haja reformas do Estado, por muito que haja mudança de modelo económico-social, pois há limites que decorrem da estrutura social portuguesa e do PSD e também nem o PS quer lutar com PSD em eleições se pode permitir as veleidades de Esquerda. Dir-me-á: isso não é bom. Não, não é. Aumenta o desafio à criatividade de um lado e de outro.
Guilherme Canedo Correia
Senhor Professor, estou convicto que qualquer país precisa de um código de valores para que nós possamos todos viver em sociedade, mas é com algum pesar que venho sentindo que, cada vez mais, valores como solidariedade, entreajuda e confiança mútua estão a cair em desuso.
Nós não nos entreajudamos e acho que isso é grave para nós enquanto sociedade e seres humanos. Isto entristece-me, mas por outro lado, no pólo contrário, fascina-me que haja grupos de cidadãos que se organizam para tentarem, com poucos meios, transformar a sociedade.
Dou o exemplo que conheci há pouco tempo em Barcelona: criaram um mercado de troca directa, é um mercado que tem um blogue onde as pessoas se podem inscrever e já tem mais de 2000 inscritos.
As regras não são as regras do capitalismo, ou de uma sociedade como a que nós pensamos habitualmente, mas não deixa de ser interessante que as pessoas adiram a isto com grande facilidade, porque não procuram aquele lucro maluco, mas sim viver com a sua comunidade, preocupando-se com o próximo, se calhar numa lógica um pouco cristã, mas não sendo religiosa.
Queria saber a sua opinião: se os grupos se organizarem de facto, podem-se considerar actores políticos, posto que a mudança que eles procuram não é directa, não procuram fazer política directamente, mas procuram mudar a sociedade e eu considero que isso também é fazer política.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Ora bem, muito rapidamente: é óbvio que são actores políticos. O Banco Alimentar Contra a Fome, as IPSS, as Misericórdias, os grupos de solidariedade, são actores políticos no sentido amplo do termo e sociais e da comunidade e são actores, como eu disse, crescentemente importantes na sociedade portuguesa e sociedades contemporâneas. A crise aumentou a sua importância. Se por outro lado, é verdade que há movimentos, mesmo em Portugal, de entreajuda na base de um mecanismo paralelo à lógica específica do mercado.
A minha filha, por exemplo, pertence a mecanismos de entreajuda na base da permuta de bens, sem dinheiro, ou completando o dinheiro.
Finalmente, a última nota é a seguinte: ainda bem que falou, porque permitiu explicar porque é que o PSD nunca irá muito mais para a Direita, nem nunca terá um tropismo como alguns chamam excessivamente liberal, por muito que seja moda, e nalguns casos, por causa dos excessos de Estado, ou dos abusos da Administração Pública, ou de despesas públicas, porque há no PSD, como na sociedade portuguesa em geral, uma componente solidária, uma componente de preocupação social, que não passa pelo Estado, mas pela iniciativa dos cidadãos, que não tem a ver com a lógica do mercado, nem do lucro, nem dos gestores das estruturas económicas.
É outra lógica completamente diferente, é outra componente também do frentismo do nosso partido. Foi sempre e, portanto, isso confirma, de alguma maneira, aquilo que eu tinha dito desta mistura muito especial, neste cadinho especial, que é o PSD.
Duarte Marques
Obrigado, senhor Professor.João Maia do grupo Rosa.
João da Maia
Boa tarde a todos. A minha pergunta: na conferência, o Professor referiu que os actuais quadros políticos estão envelhecidos. Como é que acha que estes novos jovens que estão aqui poderão deter essa mudança para os quadros políticos?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Fazendo, atraindo mais gente, gente mais nova, da mesma idade, juntando, debatendo, nos sítios onde estão, na escola, nas rádios, nas televisões, nas internets; mexendo-se. Não imaginam o peso que tem em termos de cascata a iniciativa às vezes num grupo pequeno de pessoas. É mexendo, tomando essa iniciativa e se for em rede melhor ainda. É, por exemplo, sair daqui a mexer.
Ainda temos mais umas perguntas, estou a ser rápido para dar a oportunidade a mais pessoas, porque o reitor está aqui a ficar muito duro, é a idade.
Duarte Marques
Sónia Branco e Vítor Fonseca, rápido.
Sónia Cláudia Branco
Professor, nós estamos aqui pela participação cívica e/ou política. Nós somos possivelmente a geração mais formada, com mais informação e conhecimento e com maior facilidade de acesso a meios de expressão de opinião. Como referiu, surgem cada vez mais movimentos indignados e apartidários, mas que maioritariamente criticam, não fazem nada de novo.
Daí a necessidade de mudança de país novo e país velho. Como potenciar essa mudança se nos escassos exemplos de uma geração imediatamente anterior à nossa que faça a ponte com o país velho e ainda, se esse país velho não considera credível esta geração?
Estaremos perante um gap geracional, em que uma geração deixou de pensar na próxima ou no futuro?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Diria o seguinte: não pensem muito naquilo que pensa o país velho. Coitado do país velho, não tem o peso que pensam, nem tem a influência que já teve. O problema do país velho é conseguir sobreviver e conseguir resolver problemas particularmente graves do dia-a-dia.
Portanto, libertem-se disso. De facto, hoje não condicionalismos desse país velho que possam limitar o vosso espaço de manobra. Logo, é um problema de sonharem e fazerem. Não pensem naquilo que eles fizeram, ou que gostariam de ter feito, ou que realizaram.
Agora são vocês os senhores da bola, a boa é vossa, por isso agora joguem a bola, não dividam mais o país, mantenham laços de solidariedade, mas levem a bola por diante e atenção a outra coisa: vocês, que aqui estão, são uma parte de uma geração. Nem toda a vossa geração teve os meios de acesso e de participação política que vocês tiveram e nisso vocês são privilegiados, e o dever de um privilegiado é a sua responsabilidade ser maior do que aqueles que não tiveram acesso a isso, porque de facto não tiveram meios económicos e sociais.
Duarte Marques
Vítor Fonseca e Pedro Laborinho. É só e depois acaba.
Vitor Manuel Fonseca
Boa tarde. A minha pergunta é muito simples: falou aqui de renovação dos partidos, de governos tecnocráticos, de novos movimentos partidários, ou não, mas no entanto tenho uma questão que é mais uma curiosidade pessoal.
Actualmente, têm surgido movimentos, ou melhor, a política tem evoluído para aí e existe um descrédito geral. Este descrédito geral não pode ser movido por algumas instituições que surgem e que parecem ter mais poder que os Governos; por exemplo: eu não votei na senhora Lagarde, ou na senhora Merkel, não voto na Alemanha e creio que aqui ninguém vota, e dá a sensação no caso da Alemanha, ou no do FMI que tem mais poder que o Governo português, o Governo italiano, o Governo grego.
Gostava de saber a sua opinião sobre isto.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Para ser muito rápido: há um problema de solidariedade na Europa e os países mais ricos da Europa têm de perceber que não podem fazer o caminho sozinho; por muito que o eleitorado nesses países não perceba, muitas vezes, o que é preciso fazer em relação a outros eleitorados e a outros países.
Há um problema de solidariedade, de facto e por outro lado, o descrédito, que é reversível; noto que quando há grandes causas, grandes movimentos, já não vou falar no de Timor, que já lá vai muito tempo, mas há causas locais, causas sociais, e as pessoas mobilizam-se, motivam-se e estão lá.
Então o português está lá, obviamente.
Portanto, é um problema de fazer. Cada um de vocês é virtualmente um líder e deve assumir essa liderança em relação a si próprio, em relação aos que os rodeiam, estimular o aparecimento de novas lideranças, novos movimentos, novas causas, onde quer que seja. Pode ser na política pura, pode ser fora da política pura, pode ser em causas económicas, sociais, culturais e educativas. Liderem causas; isso muda a mentalidade e muda a sociedade.
Quero dizer, nós eramos muito poucos antes do 25 de Abril, quando lançámos iniciativas. Eu pertencia a um grupo de católicos progressistas, chamemos-lhes assim, éramos muito poucos e fomos nos mexendo e acabámos a fazer coisas muito diferentes daquilo que pensávamos fazer, mas fizemo-lo em quadrantes diversos da vida portuguesa.
Um deles é óptimo como gestor de uma grande empresa que é a Renova que tem prestígio internacional num domínio que dirão que é pouco nobre, como o do papel higiénico, mas o que é facto é que realmente é um grande gestor.
Pedro Laborinho
Semanalmente, o Dr. Marcelo tem nos seus comentários habituais na TVI e certamente muitas das vezes diz coisas menos agradáveis do que as pessoas queriam ouvir.
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Todas as semanas.
Pedro Laborinho
Pronto.
[RISOS]
Eu, às vezes, reparo nisso.
O que eu queria perguntar-lhe era se muitas dessas pessoas conhece-as pessoalmente, se calhar é amigo delas; quais são as reacções?
A segunda pergunta é: o que tem a dizer sobre o fecho da RTP2 e a concessão do RTP1?
Prof. Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Em relação à primeira pergunta, faz parte da lógica do comentário e esse é o aspecto mais pesado, comentar pessoas que conhecemos e até amigos.
Como imagina, ninguém gosta. Todos gostam de ouvir mal do outro, mas não de si próprio. É um preço que se tem de pagar. Eu próprio pago-o, porque há outros comentadores e que discordam de mim, acham isto e aquilo e aqueloutro; faz parte do pluralismo da Democracia, mas é incómodo, admito, às vezes isso ter de acontecer em véspera de um aniversário, ou de um encontro, com um grande amigo.
Mas, a última questão: não me vou pronunciar sobre ela, exactamente porque escolhi outro tema de propósito, para não falar de um tema que, aliás já se sabe qual é a minha opinião, e para não ter de falar aqui sobre temas concretos alheios à problemática vivida.