Agradeço-vos a primeira prova de pontualidade exemplar; começamos bem a Universidade 2012, não apenas porque reagiram de forma espectacular ao meu desafio de pontualidade, lançado ontem na sessão de abertura, mas particularmente porque temos entre nós um homem notável.
O Professor Adriano Moreira foi ministro; antes do 25 de Abril exerceu altas responsabilidades governativas; a seguir ao 25 de Abril foi deputado da Assembleia da República e foi presidente de um partido, o nosso parceiro de coligação, o CDS/PP.
É um homem com um percurso exemplar e é das personalidades mais respeitadas da vida académica e política em Portugal. Este é um ano especial, em que se celebram 90 anos do Professor Adriano Moreira. Várias homenagens estão a ser prestadas e nós prestamos-lhe uma singela, à nossa escala, convidando e tendo o prazer e o privilégio de o ter na primeira aula da Universidade de Verão 2012 sobre questões internacionais.
O Professor Adriano Moreira tem comohobbyter tempo para os treze netos; relativamente à comida preferida confessa que não é um "bom garfo”; o animal preferido é o cão; o livro que nos sugere são dois: "Da alvorada à decadência” e "The origins of political order”. O filme que nos sugere é fantástico, "O discurso do Rei”, para aqueles que ainda não viram sugiro que vejam pois é um filme que nos traz para a importância da comunicação e da oralidade na vida pública e também para o facto de que, por vezes, os nossos mecanismos de limitação são de ordem psicológica e portanto menos reais, mais virtuais, se quiserem.
A qualidade que mais aprecia é a autenticidade e é de facto um homem autêntico aquele que temos o privilégio de ter entre nós.
Senhor Professor Adriano Moreira, muito obrigado por aceitar o nosso convite, o palco é seu.
[APLAUSOS]
Adriano Moreira
Em primeiro lugar, quero agradecer a honra de me terem convidado e as suas palavras, sobretudo, aquela referência à idade, porque esqueci-me do soneto do João de Deus – foi-me lido na instrução primária, por isso tive tempo de esquecer – em que ele comenta que não se façam anos, porque nós habituamo-nos e, depois, queira-se ou não, continuamos a fazer anos. É uma recomendação que é para não o esquecer.
Em segundo lugar, tenho achado que estas iniciativas têm a maior das importâncias e que para o PSD é já uma tradição consolidada fazer estas Universidades de Verão. E por uma razão fundamental: julgo que quem quiser orientar-se, no sentido de ir acompanhando os movimentos internacionais e internos, tem vantagem em considerar, embora sendo artifícios metodológicos, que há uma certa distinção entre o tempo social – que é aquele que diz respeito à própria sociedade civil – e o tempo político – que diz respeito à governação e há ainda um tempo internacional. De quando em vez, estes tempos entram em conflito, os relógios não marcam a mesma hora e por consequência é preciso estar atento à relação entre estes três tempos.
Actualmente, julgo que enfrentamos uma situação em que o conflito entre esses tempos – o tempo social, o tempo político e o tempo da conjuntura internacional – não estão a funcionar com a mesma articulação e harmonia que todos necessitaríamos. É a partir dessa ideia que vou tentar chamar-lhes a atenção pelo menos para alguns pontos fundamentais da situação global em que vivemos neste momento.
Em primeiro lugar, para meditarem sobre a circunstância de que todos falamos em globalismo, até é indispensável para demonstrar que estamos num meio cultural não esquecer de falar a palavra quando se debruçam sobre qualquer matéria, mas os órgãos responsáveis pela ordem global têm pequeníssima ou nenhuma intervenção na circunstância de crise em que estamos.
O primeiro organismo a considerar são as Nações Unidas, que foram criadas no fim das guerra e elas, a meu ver, tiveram dois descuidos importantes: primeiramente, os países que escreveram a Carta e a Declaração do Direitos do Homem eram todos ocidentais e todos ocidentais que ficaram submetidos a uma regra muito constante da vida internacional e que é que a ideia do poder dura mais tempo do que o poder que ainda têm.
Se olharem para o Conselho de Segurança – fundamental para a época em que vivemos, por causa da preservação da paz, etc. –, repararão que a composição do conselho foi extraordinária, porque imaginaram que a França e a Inglaterra tinham capacidade para enfrentar o globalismo isoladamente e, cada uma delas, se apresenta e ainda lá está como se tivesse a capacidade e realmente nenhuma delas têm.
A China é outro país surpreendente nessa organização e que está no Conselho de Segurança com o direito de veto, mas durante mais de uma década quem a representou foi a ilha de Taiwan.
De Nova Iorque não se via a China, só viam a ilha de Taiwan.
O resultado é que se examinarmos a evolução que tem tido, as Nações Unidas foram surpreendidas, em primeiro lugar, pelo facto de que a descolonização em vez de corresponder a grandes princípios, começou a corresponder por necessidade, porque as potências que exerciam poder colonial tinham perdido as capacidades durante a guerra.
Portanto, tiveram, efectivamente, de retirar-se e assim começou a descolonização, com uma consequência que os juristas e os teólogos conhecem perfeitamente: quando chegam culturas diferentes à mesma instituição para ler os textos que foram escritos por ocidentais o significado das palavras muda, porque a leitura difere em função das culturas a que chega.
Por isso mesmo, em determinado momento, a leitura da Carta começou a variar consoante a cultura que a estava a ler. Dou-lhe um exemplo: a Carta diz que a propriedade é fundamental. Assinaram todos, a União Soviética imediatamente e estavam todos de acordo. A propriedade é fundamental, mas não estava ninguém a dizer a mesma coisa. Pela primeira vez está dito que a família, na Declaração de Direitos, é a célula fundamental da organização social – assinaram todos, aqueles para quem a família se baseia num acto sacramentado, aqueles para quem é um contrato civil, aqueles para quem é um troço do caminho, etc., todos assinaram mas não estavam a dizer a mesma coisa.
De tal maneira que gradualmente as Nações Unidas foram perdendo intervenção efectiva e, neste momento, há dois projectos significativos que nos interessam e que as Nações Unidas constantemente focam, que são os Objectivos do Milénio, que dizem respeito à globalidade das populações da Terra – casa comum dos Homens – e é absolutamente evidente que não existem recursos para que os Objectivos do Milénio sejam conseguidos.
Há poucos meses, reuniu-se a conferência que é chamada Rio+20, em que de novo esses grandes objectivos foram proclamados. A prosa é excelente, os estudos vão ser estudados certamente na Faculdade de Letras, pois ficam com exemplos de uma oratória eficaz, mas é evidente que as Nações Unidas não têm capacidade para realizar aqueles objectivos.
Por isso, como nota que serve para chamar a atenção para este ponto, peço-lhes que reparem que a crise é global, há um organismo nas Nações Unidas encarregado de tratar da crise mundial e da ordem mundial, chama-se Conselho Económico e Social. Nunca foi convocado ao longo destes anos. Em que é que se transformaram as Nações Unidas? Teve secretários extraordinários. É uma espécie de templo de oração ao um deus desconhecido. De vez em quando, o secretário-geral faz uma prece ao Mundo para acabar com as carências, conflitos armados, entre outros.
Mas, efectivamente, a oração parece que não está a ser escutada e até a deusa Gaia, além de não escutar a oração, parece que anda zangada com o Mundo. A deusa Gaia tinha um mau feitio, como se lembrarão alguns e neste momento ela tem a maior importância para destruir outro princípio que está na Carta das Nações Unidas, que é: todos os Estados são iguais e nenhum deve intervir na jurisdição interna dos outros.
Simplesmente – e isto também tem importância para o nosso país –, a maior parte dos Estados do Mundo, que daqui a pouco são duas centenas, não tem capacidade para responder aos desafios da própria Natureza: tsunamis, inundações, terramotos e a miséria que vem acompanhada dessas intempéries. Isto é outro ponto que é necessário evitar e também – sublinho – interessa evitá-lo em relação ao nosso país e porquê?
Porque os Governos estão obrigados a aceitar o programa que votam, ou que são obrigados a aceitar, é explícito, mas também são obrigados a enfrentar o imprevisível. Aquilo que é imprevisto também o Governo deve estar pronto para enfrentá-lo. Estamos neste momento num turbilhão no Mediterrâneo e ninguém sabe as consequências, mais graves que as actuais, que ainda podem aparecer e não sei se haverá recursos financeiros para enfrentar o imprevisto caso ele apareça.
Isto está relacionado com um facto que mudou a circunstância e a ordem mundiais. É que se os senhores lerem os documentos das Nações Unidas, especialmente o PNUD – Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento, até ao século passado (que foi ontem), a fronteira da pobreza era estabelecida ao Sul do Sahara, neste momento a fronteira da pobreza ultrapassou o Norte do Mediterrâneo. Esta é a circunstância real.
Por vezes, dá a impressão que há um certo pudor de assumir que esta é a circunstância, mas ela é esta: a fronteira pobreza atravessou para o Norte do Mediterrâneo e este é outro facto que tem grande importância para nós avaliarmos a situação que o país está a enfrentar.
Posto isto, verificamos que aparecem órgãos que tentam estabelecer directivas em relação ao que é uma espécie de anarquia internacional e esses órgãos – por exemplo G-20 – não têm qualquer cobertura legal, não há nenhum tratado a definir-lhes a competência.
Noutra perspectiva, verificamos a desordem do ponto de vista económico e financeiro, vemos que os países estão debilitados nessa área que é fundamental, mas não são conhecidos os centros decisórios. Por outro lado, falamos muito na necessidade de Paz e sabemos que em muitas regiões do Mundo os crimes contra a Humanidade continuam; sabemos, por exemplo, que designadamente em África há crianças a combater com armas que são todas produzidas por países da Economia avançada. Também a esse respeito, aquilo que nós ouvimos, são preces a um deus desconhecido.
Este facto veio como que coberto por uma espécie de nevoeiro de ignorância e porquê? Porque as populações foram sendo informadas por uma renovação dos Meios de Comunicação com grande avanço e desenvolvimento técnico, mas a debilidade da relação entre a população e os factos é enorme. Os senhores sabem o problema que os Estados estão a enfrentar com aquele jornalista, do WikiLeaks, que tornou públicos centenas de documentos que a população não conhecia e este facto que afasta a população do desenvolvimento real do processo político, tem uma consequência, é que o tempo social entra em conflito com o tempo político.
É por isso que, nesta situação que é bastante de anarquia mundial, o valor da confiança que é fundamental para a relação entre o Governo e a sociedade civil está afectada de uma maneira severa. É um ponto que os analistas, sobretudo professores, há já muitos anos, chamam a atenção.
Estou-me a lembrar, por exemplo, de um livro de Peyrefitte, "A sociedade de confiança”, onde ele chamava a atenção para isto: a relação de confiança entre governos e sociedade civil está a ser deteriorada. É o tempo civil que está a entrar em conflito com o tempo político.
Este conflito com o tempo político está frequentemente em conflito com o tempo internacional, porque este tempo internacional está a corresponder a uma espécie de anarquia. Para ser optimista, costumo sugerir que a anarquia seja considerada madura, na esperança de que não vá para pior e que realmente possamos melhorar. É neste quadro que neste momento a posição de Portugal precisa de ser avaliada e esta exigência que é cívica, pois pertence a nós todos, obriga-nos a meditar um pouco numa espécie de situação permanente da História portuguesa.
Portugal precisou sempre de um apoio externo. Nunca veio nas constituições; o que vem nas constituições é o Estado soberano, não admitindo-se interferência na jurisdição interna, etc., mas precisou sempre de um apoio externo.
Começou logo na fundação do reino: como sabem, os portugueses, pelo menos, o D. Afonso Henriques pediu logo o apoio do Papa, que nem era fundamental, e até se constituiu feudatário do Papa, prometendo pagar quatro onças de ouro por ano. Não sei se os juros anuais andam à volta disso, mas foi isso que ele prometeu pagar por ano e diz o cronista que ele nunca pagou.
[RISOS]
Não é uma notícia que convém lembrar, porque pode encontrar muitos seguidores. Mas ele precisou desse apoio. Depois, quando foi da crise de 85, precisamos de outro apoio e foi a Inglaterra, realmente por interesse do pai da Dona Filipa que queria ocupar o trono da Espanha e foi a aliança inglesa que nos custou caríssimo ao longo dos tempos, designadamente todos olham sempre para o Ultimato de 1890.
Depois de 74, só havia um apoio, não havia outro possível, que era a Europa e portanto a adesão à Europa foi fundamental, dentro desta linha que é permanente na relação da nação portuguesa ter a tal necessidade de apoio externo.
Essa circunstância implicou debilidades graves na História do país, em que o tempo político entrou em conflito com o tempo social e, muitas vezes, estivemos submetidos ao estrangeiro. Os Filipes são um exemplo de que não podemos esquecer. O tempo social venceu o tempo político. Foi a população que impôs a independência do país. Era melhor não esquecer o 1º de Dezembro, também pode ser lembrado a trabalhar, não tem de ser necessariamente um feriado, mas não pode é ser esquecido.
Quando foi das invasões francesas, nós fomos governados pelo Junot. O Wellington achou cómodo sentar-se na cadeira, no trono, da Dona Maria I e os ingleses enforcaram os mártires da pátria no Campo Santana.
A minha geração andou um pouco enganada durante um tempo. A Faculdade de Direito era no Campo Santana e nós achávamos que os mártires da pátria éramos nós.
[RISOS]
Mas, de facto, é um daqueles momentos de fraqueza enormes.
Quando entrei na Faculdade de Direito tinha 16 anos e a imagem de Portugal no Mundo era de que era uma colónia de Inglaterra. Portanto, de longe em longe, o país tem encontrado estas debilidades e de tal maneira que até essas épocas têm caracterizações.
Há uma época em que o país é como que exógeno, o que quer dizer que sofre as consequências de factos em que não colaborou: foi o caso dos 100 anos, da guerra de 1914 a 1918, em que não tivemos nenhuma participação nas causas e o sacrifício foi imenso, o desastre do exército em França, as dificuldades tremendíssimas que tiveram em África também, e isso foi uma inclusão em causas em que nós não participámos, a situação endógena do país.
Outras vezes, como aconteceu com a adesão à Europa, os analistas empenharam e arranjaram uma qualificação e nós passámos a ser "periféricos”. Devo dizer que não gosto de ser "periférico”. Lembrei-me logo de Pascal que achava que o Mundo era uma circunferência, mas não tinha centro em parte nenhuma porque é muito difícil encontrar uma periferia para um globalismo, mas ficou "periférico” o país.
A evolução começou por mostrar-nos, antes de chegarmos ao ponto crítico em que estamos, que o país começava a ter uma relação negativa entre recursos e objectivos e esta era uma nova situação de Estado exíguo. Essa situação agravou-se ao ponto em que estamos hoje, com um programa de Governo que de facto é imposto.
A situação aproxima-se por um protectorado e isto obriga-nos a meditar na relação entre estes três tempos: o da sociedade civil, o político e o internacional. E nós, em primeiro lugar, julgo termos que assumir o seguinte: foram compromissos assumidos com pressa e isso é uma exigência que diz respeito à sociedade civil em geral; não é uma exigência partidária, não é uma exigência de diferentes facções, é uma exigência da credibilidade internacional e de poder corresponder à reorganização da desordem internacional em que nós nos encontramos e efectivamente vivemos.
Portanto isso tem que ser aceite, porque na circunstância actual é uma tarefa fundamental. Essa tarefa fundamental é uma tarefa que, mais uma vez, até agora tem mostrado um civismo extraordinário. Naturalmente, as pessoas protestam, manifestam-se, mas têm-no feito com civismo. Ainda não houve em Portugal uma manifestação que quebrasse o respeito dos direitos fundamentais dos outros; é com ordem, que é uma base fundamental para ter razão, é respeitando interesses alheios, é procurando com intensidade exprimir o que julgam da situação.
Julgo que há um limite para isso. Esse limite é a fadiga tributária; para "fadiga” podem arranjar outra expressão, mas julgo que "fadiga” é bastante expressiva. A fadiga tributária é um limite que é necessário não ser ultrapassado.
Talvez seja a coisa mais fácil de dizer; espera-se que os técnicos possam ter em conta isso e encontrem uma solução satisfatória no sentido de não ultrapassar a linha a partir da qual a fadiga tributária passa a ser insuportável pela sociedade civil, porque é a sociedade civil que tem de enfrentar aquilo que eu penso que é uma exigência fundamental do nosso tempo.
Nós estamos numa época em que, mais uma vez, vai ser necessário reformar o Estado e isto é em muito exigência da própria ordem internacional, porquê? Como lhes disse, embora na Carta das Nações Unidas digam que todos os Estados são iguais; que a jurisdição interna é inviolável; que nenhum Estado pode interferir nos negócios privativos de outro Estado; a verdade é que sempre houve a hierarquia dos Estados.
Vocês encontram isso mesmo na semântica e na terminologia da denominação dos países: por exemplo, o Luxemburgo não se lembra de ter o rei do Luxemburgo, tem arquiduque, mantém a consciência de que há uma hierarquia de poder nos Estados; o príncipe do Liechtenstein exactamente a mesma coisa; o Mónaco, eu referiria, antes, as princesas, pois elas sabem que não têm mais dimensão que aquela que qualquer outro tipo representa. Mas outros chamaram-se impérios, acharam isso fundamental: por exemplo, o império Austro-Húngaro e o império alemão.
Quero dizer, a semântica deixou isso claro, que a hierarquia existe; neste momento a hierarquia existe também e a circunstância em que nós nos encontramos no Mundo com uma mudança fundamental em relação à Europa e aos ocidentais, que foi esta: quando os senhores lerem os discursos que os ministros fizeram, sobretudo em França nos parlamentos, quando começou o movimento colonizador do século XIX, vão ver que eles não têm hesitações em dizer que precisam de dominar as matérias-primas, as energias não renováveis certamente e os mercados de produtos acabados.
A guerra civil de 1939/1945 foi uma guerra civil de ocidentais, que implicou a chamada "legiões às várias romas” espalhadas entre os ocidentais. A dependência foi imediata. Nós dependemos das matérias-primas, das energias não renováveis, e temos que entrar numa luta nos mercados de produtos acabados; tudo aquilo que a construção do império, que teve de ser liquidado, procurou evitar.
Mas, por outro lado, a circunstância de a fronteira da pobreza ter passado para o Norte do Mediterrâneo e de a crise ser mundial, implica que a tal hierarquia vá envolver regionalismos na reorganização da ordem mundial. Naturalmente haverá sempre grandes países que podem aparecer e aparecerão, com uma trajectória dependente deles próprios. Os demógrafos, em geral, penso que não serão grandes apreciadores da poesia – chamam a esses países, países-baleias, que é o caso da China, da União Indiana, por exemplo; mas como vos disse há, a grande maioria dos países não tem capacidade para individualmente, com o conceito clássico da soberania responder ao globalismo.
O regionalismo é fundamental e por isso mesmo a União Europeia apareceu como uma referência para os que sentindo essa necessidade. Eu não tenho dúvidas em dizer que, supondo que a União Europeia se fortalece e mantém, quem deve estar no Conselho de Segurança, quer haja direito de veto ou não, quer tenha membros permanentes ou não, não é a França, Inglaterra, mas sim a Europa que tem de estar no Conselho.
Este movimento verificar-se-á também no Pacífico e provavelmente na América, sobretudo na América Latina, porque não há outra maneira de ter uma voz activa na vida internacional. Alguns países têm capacidade, mas a maior parte não tem e muitos deles não têm sequer capacidade para responder aos desafios da Natureza que cada vez são mais graves e exigem recursos que a maior parte deles não possuem para enfrentar.
Não sei, neste momento, por exemplo em Portugal, se tivéssemos a infelicidade de ter um tsunami, ou um terramoto, como outros países estão a sofrer, se nós tínhamos recursos suficientes para responder a uma incidência da revolta da Natureza, da deusa Gaia, contra a exploração que nós fizemos, abusiva e ambiciosa, da terra-mãe.
É por isso, que eu acho que o problema da Europa é fundamental para Portugal e para isso é necessário que não se cometam erros que no passado – penso eu – foram repetidamente cometidos. Um dos erros foi que o desenvolvimento do processo europeu, aliás sem modelo final afirmado e isso é prudente, foi que esse processo se desenvolveu sem a participação das opiniões públicas dos países nem dos parlamentos nacionais. Nós tivemos conhecimento dos avanços, mudanças, boas ou más consequências, pelos resultados, mas não estivemos nos processos e isto é um erro num ambiente em que é preciso lidar com o peso de Histórias, Culturas, conflitos que são por vezes seculares entre os países.
A Europa sofreu sempre de um mal terrível, em que os países europeus em regra não têm Estado vizinho, mas sim inimigo íntimo, como o que tínhamos com Espanha,"nem bons ventos, nem bons casamentos”.
Esta situação teve que ser alterada e foi um grande exemplo quando começou o modelo europeu, porque os homens que puseram em prática uma ideia que já era antiga, temos desde aí do século XIII ou XIV projectos de união política europeia, principalmente do Rei da Boémia que me parece que era dos mais perfeitos dos que foram apresentados.
Estes homens tiveram uma virtude de estadista que era muito rara, é que tendo eles passado por sacrifícios pessoais e do seu povo, de uma das guerras mais terríveis que a Europa teve, a de 1939/1945, eles conseguiram pôr a sabedoria acima do sofrimento e de qualquer tentativa derevanche.
Lembrem-se, por exemplo, o Primeiro-Ministro francês, que foi quem lançou o movimento, na I Guerra Mundial teve que defender-se, ser mobilizado para o exército alemão, porque o território onde ele vivia, que era a Alsácia, se bem me recordo, era um território que estava sob jurisdição alemã. Não devem ter sido dias fáceis para ele e para a sua gente e para os franceses que viviam nesse território.
O Adenauer viveu toda a vida na região "fio da navalha”, na fronteira entre a França e a Alemanha e o italiano foi o mais jovem deputado do parlamento austro-húngaro, porque o território onde nasceu italiano, nessa altura pertencia ao império austro-húngaro. Sofreram isto, sofreram a guerra e conseguiram – parece um acto de santidade – ultrapassar isso para afirmarem"não pode acontecer outra vez, vamos fazer uma união dos Estados europeus”.
O erro do processo ter decorrido sem a participação dos povos e dos parlamentos, naturalmente que não deve voltar a ser praticado. Outro erro e esse não é apenas culpa da Europa, é que a tal tradição de nós não termos vizinhos, mas apenas inimigos íntimos, começou a ser transferida para o meio do Atlântico e, aí, naturalmente as relações entre os EUA e a Europa começaram a não ser tão solidárias, ou entusiásticas, como foram durante os anos difíceis da guerra.
Essa circunstância teve causas muito visíveis para todos. Os senhores já têm na vossa lembrança o Iraque, que é dos factos que tiveram importância nesta mudança, o Afeganistão também e isso faz com que haja uma espécie de anti-americanismo que é, ou foi, crescente – espero que se possa dizer isto no passado e fazer grandes esforços para que não se agrave. Mas isso significa a ignorância de que não é a Europa apenas que está enfraquecida, é o Ocidente todo.
Portanto, a unidade ocidental não pode ser ferida outra vez como aconteceu com estas intervenções que dividiram os ocidentais no Conselho de Segurança, na NATO e no Conselho Europeu. Este erro também é um erro que não pode ser cometido novamente.
Depois, há um problema que tem a ver com este, em relação aos Estados Unidos, que é a história da defesa e segurança comum europeia. Talvez pelo que nós nos lembramos, a ideia da europeização da defesa e da segurança foi americana, mas foi por uma razão: porque tendo eles ajudado a Europa a recuperar das destruições da guerra, em determinado momento aplicaram uma versão à Europa que era como que uma tradução da vietnamização da guerra que eles tinham feito. A vietnamização da guerra tinha um significado muito simples: é que só devem morrer vietnamitas, americanos não mais naquele combate. E na europeização do que se tratava era que a Europa já tinha recursos para suportar uma parte maior das despesas com a segurança e defesa que foi a NATO.
Não garanto que a minha memória me dê os números, mas por essa altura pensava-se que a Europa devia contribuir 3% do PIB – nunca conseguiu. Neste momento, em que se fala em autonomia, eu oiço falar em 5% do PIB. Penso que não há nenhum Estado europeu que esteja em condições de responder a isto.
Esta transferência de divisão de atitudes que não deixa perceber que é o Ocidente que está em decadência e que não é apenas a Europa que está a sofrer debilidades, este erro não pode voltar a ser cometido, nem ser agravado. É preciso fazer frente a este problema.
É claro que estas circunstâncias todas quando se reflectem num país como é Portugal, um pequeno país com 92000 km2, em que a quebra da população é evidente e crescente, em que há abandono dos campos por toda a parte, obriga-nos a pensar naquilo que eu chamo de "janelas de liberdade”.
Quando falo em "janelas de liberdade” é pelo seguinte: acho que o país sempre precisou de um apoio externo, nunca pôde viver sem ele. A Europa é hoje fundamental, sobretudo com esta mudança estrutural de a fronteira da pobreza ter passado para o Norte do Mediterrâneo e que o turbilhão do Mediterrâneo possa subitamente agravar a situação que existe, com conflitos e exija recursos, não apenas humanos, mas também financeiros e que, provavelmente, terão muita dificuldade em serem encontrados nas disponibilidades dos países europeus neste momento.
Essas "janelas de liberdade” significam para mim apoios autónomos do país que a pertença à União Europeia, a lealdade ao projecto europeu, a defesa do espírito europeu sem a qual a unidade não se fortalecerá, são janelas pelas quais se procura diminuir essa dependência e fortalecer os recursos do país. Uma dessas janelas é a CPLP que é um projecto que até teve alguma conexão com um projecto europeu do fim da guerra que pertenceu a uma organização, a Comissão de Cooperação Técnica em África, que é o único organismo internacional, de que eu me recordo, que morreu sem certidão de óbito, ninguém sabe como morreu a organização e a que nós pertencemos e que procurava substituir a relação de supremacia política do império que estava no fim por um relacionamento que fosse útil e baseado na cooperação entre a Europa e a África.
Por isso se começou a falar na Euráfrica. A própria guerra fria fortaleceu este objectivo porque a própria Europa não tinha espaço suficiente de manobra para assegurar uma defesa efectiva se houvesse um ataque à Europa. Portanto, algumas indústrias tinham de ser guardadas à distância, por exemplo no Norte de África, mas, como eu disse, isto desapareceu.
Contudo, houve movimentos importantes na sociedade civil portuguesa. A instituição mais responsável por isso foi a Sociedade de Geografia de Lisboa, que nasceu justamente na crise doUltimatumde 1890 e houve dois congressos: um em Lisboa, Coimbra e Guimarães, onde foram assinados os estatutos da União das Comunidades de Cultura Portuguesa, em que se procurava estabelecer um programa de articulação e cooperação entre, não apenas os territórios que as circunstâncias demonstraram que estavam destinados à independência, mas também as comunidades portuguesas que vivem no estrangeiro.
As comunidades são numerosíssimas e durante muito tempo valeram a Portugal, porque os senhores reparem também no seguinte: o nosso primeiro império acabou em Alcácer Quibir e o Estado estava falido; o segundo império acabou com a independência do Brasil e o Estado estava falido; o terceiro com o movimento das Nações Unidos e em 74.
A situação actual do país também faz lembrar as dificuldades que sempre tivemos no passado. Mas, por exemplo, durante a independência do Brasil e o governo de Getúlio Vargas – datas que devem ser mais ou menos rigorosas, mas de memória não posso garantir a data –, a balança comercial foi sempre equilibrada com as remessas que vinham da colónia portuguesa do Brasil e nesse tempo o défice dessa balança andava mais ou menos igual aos recursos hoje impostos pelo Estado, à sua receita normal.
Este projecto foi reassumido, sobretudo por iniciativa brasileira e neste momento ele tem dado passos significativos, mas ainda muito insuficientes. Eu vejo-lhe alguns aspectos importantes: em primeiro lugar, a cooperação técnica e científica, mas que tem uma exigência fundamental que é que Portugal definitivamente aceite, perceba e execute a ideia de que o Ensino e a Investigação são elementos da soberania e, portanto, é preciso ser tratado como elemento da soberania.
Eu, durante a minha vida, assisti a uma evolução que me desgosta: vi os estudantes transformados em clientes e ouvi chamar "receitas próprias” às propinas. As propinas são taxas e as taxas são do domínio do Direito Financeiro e isto é necessário não se perder de vista e racionalizar a rede portuguesa – que nunca foi feito – porque a rede não é apenas a rede pública de Ensino, é a rede privada e cooperativa, mais a rede católica e mais a rede do ensino militar que é de excelente qualidade e tudo isso precisa de ser harmonizado para que se articulem, para que não haja repetições desnecessárias. Isto, com um banco de dados, que permita aos estudantes, em liberdade, mas bem informados, escolherem qual é a acção, ou formação que preferem ter, mas perfeitamente informados das circunstâncias reais em que o país se encontra.
Tudo isto, na data em que estamos, vem acompanhado com dificuldades que estão a ser enfrentadas, são erros muito antigos e não vai ser muito fácil com rapidez remediar isto, mas é um elemento fundamental da soberania portuguesa. Aqui há um ano, reuniu-se em Bragança a Associação das Universidades de Língua Portuguesa, a convite do Politécnico de Bragança – isso é curioso, que foi quem teve a capacidade de fazer isso – estavam presentes o Presidente dessa Associação que tem feito um bom trabalho, à margem da articulação e solidez que devia ter com a CPLP, era presidida por um reitor de uma universidade do Brasil, uma pessoa que me pareceu muito inteligente, mas eu pedi para ver o currículo dos reitores. Deram-me os currículos, estive a ver: eram doutores pela Rússia, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, etc. Gente capaz de ter em muitos lugares uma acção fundamental; o meu desejo para o fortalecimento dessa janela de liberdade portuguesa é que se divulgue o desejo e a honra de estudar numa universidade portuguesa; que haja aqui centros de Investigação e Ensino que dêem a esses habitantes de territórios de língua portuguesa a honra, o desejo e o proveito de poderem ter uma formação em universidades portuguesas.
Volto a repetir que as universidades, por si próprias têm feito um grande esforço, mas a articulação precisa de ser fortalecida, é necessário racionalizar a rede e é necessário alterar um erro da cultura portuguesa que é procurar nobilitação na posse de um título universitário. A regra dos valores europeus e cristãos é que as pessoas se distinguem pela maneira como vivem, e não pela maneira como ganham a vida. Todas as actividades são, desde que úteis e necessárias para sociedade, todas elas têm a mesma dignidade e exigem efectivamente o mesmo respeito humano. E não é, portanto, por uma estrutura de cultura errada, que a actividade deve ser escolhida.
Outra coisa importante na CPLP é a língua. Todos devem estar a par da enorme discussão que vai pelo país a respeito do acordo ortográfico. Eu tenho de fazer aqui uma declaração de interesses: como sou Presidente da Academia das Ciências, não posso deixar de achar que o acordo ortográfico tem de ser executado. Pessoalmente, não estou de acordo, pelo seguinte: a língua nunca é neutra, ela tem valores específicos e a língua portuguesa quando ocupa o Brasil e até contribui para a unidade do Brasil adquire valores que nós não temos na nossa língua, valores de origem ameríndia, africana, alemã, japonesa, entre outros.
Porém, quando temos essa língua em África, há valores africanos que entram nessa língua e que nós não temos esses valores porque não se harmonizam necessariamente com a nossa cultura, mas com a cultura deles, e por aí adiante. É por isso que tenho adoptado o conceito de dizer que a língua portuguesa não é nossa, também é nossa. Em todo o caso é um património valiosíssimo e vou-lhes dar um exemplo: nos fins de 2005, o Governo de Pequim delegou no Governo de Macau o relacionamento com os países de língua portuguesa para aproveitar a herança cultural portuguesa.
Bom, nós saímos de Macau com a dignidade que o acto revestiu, talvez houvesse 6 mil falantes de português apenas. O estudo de português é importante para a política externa económica e sem ser económica da própria China. É uma das línguas mais faladas do Mundo e esta intervenção da China é demonstrativa do que ela representa.
Finalmente, há outra "janela de liberdade para Portugal”, que é o mar.
Há uma coisa com a qual tenho preocupação – não concordei –, que foi o facto do Tratado de Lisboa ter transferido para a Comissão Europeia a jurisdição sobre os recursos vivo do nosso mar. Como sabem o mar está dividido, hoje, em várias áreas e categorias, o mar da soberania e a zona económica exclusiva em função da tal profundidade das águas, mas neste momento há o problema da plataforma continental que é fundamental.
Mais uma vez esta questão do mar, que exigiu e tem conseguido esforços de várias universidades. Quero lembrar e peço desculpa se esquecer alguma: os estudos, sobretudo, da Universidade dos Açores, da Universidade do Aveiro, da Universidade do Algarve, do Instituto Privado de Aveiro e, depois, naturalmente as instâncias oficiais, a Marinha, etc. E aquilo que se sabe sobre a plataforma continental, do ponto de vista de recursos económicos é extraordinário.
Simplesmente, o reconhecimento da plataforma continental tem que ser feito pelas Nações Unidas e os senhores todos devem ter ouvido que se espera que as Nações Unidas reconheçam a plataforma continental aí por 2013. Bom, as Nações Unidas, como qualquer organização com as burocracias dominantes, etc., pode-lhe acontecer ler 2013 por 2031, trocando os números.
Mas aconteceu o seguinte: o Presidente da Comissão Europeia esteve aqui em Portugal há dois meses e fez um discurso dizendo que está a preparar a definição no mar europeu. A minha observação é a seguinte: se a definição do mar europeu vier antes de Portugal ter reconhecida como sua a plataforma continental, aquilo que eu vou ler mais depressa é o que aconteceu em 1890 com oUltimatume porquê?
Mais uma vez, todos os países lembram-se nessa altura que são da União e todos vão querer ter participação na plataforma continental. A minha sugestão é que é necessária grande atenção sobre este problema, temos especialistas nesta matéria e nalgumas universidades encontrei estudantes entusiastas pelo estudo da plataforma continental e o meu desejo é que ela não tenha as mesmas consequências da política agrícola comum, que haja uma desconcentração da gestão da definição do mar europeu de tal maneira que quem for dono da plataforma é que executa e gere essas orientações a respeito do mar.
Ainda há outra questão importante acerca do mar: todos os países da CPLP são países pobres com excepção de um país que de vez em quando tem impulsos de grande desenvolvimento, que é o Brasil, e todos eles são marítimos. Todos eles precisam dos recursos do mar e porque não uma bandeira para a CPLP para a frota marítima?
Nós que vivemos sempre virados para o mar, nomeámos pela primeira vez um Ministro do Mar e desapareceu a frota. Ora bem, é preciso recuperar isso e esta atitude perante o mar não pode andar enleada em indefinições ou definições contraditórias das autoridades marítimas, como temos visto nos últimos tempos. É um problema fundamental do país: quer a CPLP, quer o problema do mar.
Há uma coisa que devo notar: vejo com alegria, aliás, que algumas intervenções recentes, quer do Presidente da República, quer do Governo, têm mostrado que o mar começa a entrar nas suas preocupações.
Mas a verdade é que estes problemas não constaram do programa de nenhum dos partidos portugueses. É necessário mobilizar a opinião pública para acompanhar este esforço em relação ao mar.
Dito isto, queria terminar – e ficaria à disposição dos senhores para as tais perguntas que têm de fazer – com uma observação: o povo português foi sempre muito acusado de sebastianista, de estar à espera do D. Sebastião. Eu sempre achei estranho que se tenha concentrado a esperança do país no rei que perdeu a batalha. Eu preferia alguém que fosse mais inspirador nesta circunstância difícil e para mim há muitos anos um dos inspiradores é o Bartolomeu Dias, a quem até dediquei um livro. E porquê?
O Bartolomeu Dias partiu três vezes para a Índia. A primeira vez dobrou o Cabo das Tormentas e teve de voltar para trás, porque a tripulação não suportou o esforço. A segunda vez foi na frota do Vasco da Gama para lhe ensinar, enfim, o que ele próprio tinha aprendido e teve de regressar ao reino. A terceira vez foi na frota, salvo erro, do Pedro Álvares Cabral e afundou-se no mar. Eu dediquei-lhe um livro com a seguinte dedicatória: "À memória de Bartolomeu Dias, marinheiro que morreu tentando, mas nunca desistiu” e a história do país acabou por lhe dar razão, chegámos à Índia e o projecto em que ele acreditou conseguiu realizar-se. Nós precisamos de gente desta, como o Bartolomeu Dias, que não desista mesmo que acabe tentando.
Muito obrigado.
[APLAUSOS]
Duarte Marques
Bom dia a todos. Vamos dar agora início ao primeiro período de perguntas. O primeiro grupo a ter a palavra é o Castanho pelo Luís Correia Araújo. Faço, desde já, uma recomendação: tentem ir directos ao assunto para podermos ir além das perguntas previamente sorteadas e termos tempo para um "Catch the Eye” no final.
Luis Correia Araújo
Bom dia. É uma honra ser o primeiro a fazer uma pergunta ao senhor Professor Adriano Moreira numa conferência deste nível.
A minha pergunta recai essencialmente sobre a primeira parte da sua intervenção, assentando nos seguintes pressupostos: não há dúvida que esta é uma crise global, não é apenas económica, mas de valores, uma crise política a nível mundial e afecta fundamentalmente o Mundo ocidental, reflectindo uma alteração estrutural do equilíbrio de poderes no Mundo.
Creio que esta é a síntese da primeira parte, que vem desembocar numa espécie de anarquia madura em que o poder está em todo o lado e não está em lado nenhum e nada se pode fazer se os países não se unirem regionalmente. Daqui, parte a pergunta: qual é o papel da Europa, ou se quisermos, do Atlântico-Norte (região ocidental e hemisfério Norte) e da civilização ocidental no novo mundo que surgirá desta crise que, a nosso e a meu ver, será um reflexo de todo este processo que é mais do que uma mera crise?
Esta pergunta é muito ampla, pelo que gostaria que a sua opinião se centrasse sobre a arma que o mundo ocidental tem, será a sua cultura e essencialmente a sua cultura política?
É verdade que sofremos hoje efeitos nefastos da globalização que no seu processo teve vários erros, muito bem apontados por si, mas este processo de globalização criou-nos também uma via de comunicação do mundo ocidental para outros países doutras regiões. Esta via de comunicação pode trazer-nos algum benefício, pode gerar uma globalização política, não pela via armada, militar (como no Iraque), mas que permita a disseminação dos valores políticos ocidentais que certamente nos beneficiará?
Muito obrigado.
Adriano Moreira
Muito obrigado pela atenção que dispensou ao que estive a dizer, porque a pergunta enquadra-se muito bem no que eu disse.
Em relação ao papel da Europa, começaria com o aspecto positivo de lembrar que quando a Europa fez um império que eu chamo de "euromundista”, foi saber das tais matérias-primas, mercado de produtos acabados, etc., mas também levou valores assumidos. Por exemplo, Portugal continuou a dizer que ia continuar a evangelização; os franceses disseram que levariam as "luzes”, imagino que iam ensinar o silogismo nas várias áreas do Mundo; e os ingleses, mais práticos, acharam que iam levar a civilização. De facto, quando hoje a UNESCO estuda aquilo que chama de Património Comum da Humanidade, uma parcela importante é a que em todo o Mundo foi implantada pelos países europeus que estabeleceram a colonização. Com o passivo tremendo que tem a colonização, é indiscutível.
Portanto, essa presença da Europa no Mundo existe, faz parte do Património Comum da Humanidade. Agora, a impressão que eu tenho é que se a Europa deixar aprofundar a crise interna, a Europa perde a voz no Mundo, não tem voz, pois cada país europeu sozinho no Mundo não tem voz em face da globalização.
É uma das críticas que eu não posso deixar de fazer em relação à gestão da própria União Europeia, pois encontra-se aí, a meu ver, a deficiência que se encontra numa organização internacional. Temos órgãos muito bem definidos, com um passado aliás que é honroso: o passado do Parlamento e da Comissão são honrosos, mas quando chega à crise aparece o vício do directório, a senhora Merkel acompanhada com o senhor ex-Presidente da República – não sei se ela já se habituou ao novo, penso que não –, esse vício até leva-a a ela a ter umhobbycurioso, mas perigoso, que é dedicar-se à antropologia cultural. Ela agora já descobriu que os países do Norte são os países que trabalham, que fazem poupança, enquanto os do Sul gostam de ir para a praia, gostam de feriados – ela disse isso, mas esqueceu-se que quem destruiu a Europa foi o país dela; quem aguentou o muro de Berlim e impediu a submissão da Alemanha foi a Europa e quando nós chegamos à Normandia e vê os cemitérios, quem lá está não são soldados nem da Alemanha, nem da França, são soldados americanos.
Por consequência, é absolutamente injustificado, inconsiderado – a meu ver, não é de estadista – aprofundar as diferenças interiores da Europa e se acontecer que o projecto europeu falha, a voz europeia no Mundo deixa de ter importância. É a impressão que eu tenho.
Também falou nas vias de comunicação, é verdade e têm um efeito muito importante: está a aparecer um fenómeno novo que é a opinião pública mundial. Tivemos a prova com Timor em que a opinião pública foi fundamental. Claro que a intervenção de Portugal também foi importantíssima, mas a opinião mundial despertada, sobretudo pelo massacre no cemitério, mostrou que era actuante e, muitas vezes, como tem acontecido no exercício naquilo que as Nações Unidas chamam de "poder e dever de intervenção” e em geral a intervenção dos Estados Unidos nos sítios, procuram que seja apoiado na opinião pública mundial.
Essa opinião pública mundial já deu conflitos sérios, porque há uma década o director-geral da UNESCO, que na altura era um homem do Senegal, quis reformar o sistema internacional da comunicação, porque os países do Sul estavam submetidos à comunicação dos países do Norte e, portanto, não tinham a liberdade de formação de opinião.
Assisti a essa reunião como delegado de Portugal e os Estados Unidos mandaram uma embaixadora vestida à moda de "Tudo o vento levou” – é a única recordação que vale a pena dessa reunião – para nos comunicar que os Estados Unidos não estão em organismos em que quem manda não paga, quem paga não manda – que era o caso deles – e retiraram-se com o orçamento da UNESCO.
Este não é, portanto, um problema fácil.
Duarte Marques
Muito obrigado, Professor. Dava agora a palavra ao Bruno Sousa do grupo Laranja.
Bruno Reynaud de Sousa
Muito bom dia a todos. Cumprimento a mesa, senhor eurodeputado Carlos Coelho, senhor Professor Adriano Moreira, senhor deputado Duarte Marques.
Senhor Professor, é um verdadeiro privilégio poder ouvi-lo e julgo que há uma ideia que atravessa todas as palavras que proferiu na sua apresentação, que é a importância da segurança e defesa nacional, enquanto defesa da soberania do Estado.
Portanto, eu gostaria de ouvi-lo acerca desta questão que ligaria com duas importantes notas: uma primeira nota seria o processo que está em curso de reforma do Conselho Estratégico de Defesa Nacional, iniciado por este Governo e o segundo ponto, visto que estamos numa plateia de jovens líderes sociais-democratas portugueses, é que perspectivas para a consciencialização da importância da defesa da segurança nacional para os jovens portugueses e europeus?
Muito obrigado.
Adriano Moreira
Bom, lá tenho eu de fazer uma declaração de interesses: eu pertenço à Comissão, de maneira que não posso dizer as coisas que estamos a discutir lá, mas não omito a minha própria opinião.
Em primeiro lugar, hoje, os analistas falam na quarta geração das guerras, quer dizer que as guerras mudaram de definição e há um problema muito importante neste problema da defesa e da segurança, que tem que ver com os nossos recursos. É que eu julgo que teve origem na necessidade de segurança e defesa a importância que a partir de meados do século passado teve a interdisciplina, que entre nós sofreu um golpe, porque as humanidades estão a perder espaço.
Isso não é bom, não concordo com isso. Essa interdisciplina nasceu, porque talvez os Estados maiores como os Estados americanos, tiveram que lidar com países, povos, soldados, que eram de etnias, culturas, religiões e hábitos alimentares diferentes e tiveram que começar a chamar os especialistas civis para ver como é que se unifica a direcção de um exército nestas condições.
Julgo que, neste momento, o passo será mais avançado, já não se trata de interdisciplina, a não ser para alguns adiantados mentais que continuam com a interdisciplina; aquilo que está em causa é a transdisciplina, que a classificação das disciplinas é temporal, dura algum tempo. Em Coimbra toda a gente sabe o que é a Universidade de Coimbra desde sempre, já não ensinam oTriviume oQuadrivium, nem nada do que ensinavam, de maneira que isso efectivamente muda.
Portanto, esta formação passou a ser diferente e Portugal nunca pôde ter uma força militar extraordinária. Teve uma guerra colonial em que a dimensão da força militar foi enorme, isso foi assim, mas hoje sobretudo há uma crise financeira que atinge isto.
Mas há um problema fundamental: é esse da tal transdisciplina. Os militares têm uma formação intelectual e profissional de primeira qualidade. Durante cinquenta anos de Guerra Fria não encontram um incidente em relação a um oficial português que tivesse que ver com a sua competência e a sua capacidade de liderança. Bom e o saber é um capital que quando se perde custa muito a restituir.
Eu, por exemplo, tenho alguma preocupação com a privatização do Alfeite, porque não está lá nenhum barco de guerra a ser reparado e há uma coisa que vai diminuindo que é o saber fazer. Recuperar o saber fazer.
A mesma coisa com os estaleiros lá do Norte, o saber fazer é fundamental. Portanto, por dificuldades que temos de respeitar, o Governo quando faz restrições não é certamente sem pensar seguramente nas circunstâncias, mas há um capital que é fundamental que é o saber fazer e as escolas militares têm uma grande qualidade e devo dizer que, pela minha experiência que é alguma, pois fui quarenta anos professor do Instituto Superior Naval de Guerra e ainda dou de vez em quando conferências no Instituto de Estudos Militares. São as escolas onde o ensino das humanidades acompanha o ensino técnico; eles têm de saber matemática mas também artilharia, história de Portugal e também valores, etc., é um saber muito consolidado.
Por isso, esse é o meu limite: falta de recursos, mas não deixar afectar o capital do saber fazer que eles têm. Naturalmente, isso teve uma alteração fundamental, que foi acabar com o serviço militar obrigatório não é a mesma coisa servir as Forças Armadas por dever cívico, ou por contrato, não é a mesma coisa.
Portanto, alguns benefícios que o regime do serviço militar obrigatório teve hoje era impossível estabelecê-lo tendo em conta as circunstâncias actuais, mas esse saber e o saber fazer devem ser intocáveis.
Duarte Marques
Obrigado, senhor Professor. Dava agora a palavra ao José Miguel do grupo Azul.
José Miguel
Em primeiro lugar, muito bom dia. Queria dizer ao Professor Adriano Moreira que acho que para todos os jovens sociais-democratas aqui presentes é um prazer ouvir aquilo a que nos ensinaram a chamar de estadista.
A crise financeira, social, internacional e política que vivemos – penso que é unânime – conduziu a uma ditadura dos equilíbrios orçamentais. Hoje, a prioridade de todos os Estados é conseguir assegurar um equilíbrio orçamental baseado num maior crescimento que gere sustentabilidade aos países.
Na minha opinião, tal pode estar a levar à destruição o Estado Social europeu; a Europa foi criada e era superior aos outros continentes, porque tínhamos um Estado Social muito forte, uma qualidade de vida muito elevada, mas penso que com esta ditadura dos equilíbrios orçamentais poderemos estar a destruir o Estado Social e aquilo que tornava a Europa diferente e o que a tornava melhor.
Penso que com essa possível destruição estamos a aumentar imenso as assimetrias entre ricos e pobre, entre os próprios europeus e os seus países. Sem coesão tenho medo e é aí que entra a minha pergunta: se ainda é possível manter o sonho europeu, se será possível mantermos a paz e o bem-estar que originaram e foram fundamento da Europa, ou estaremos condenados a problemas de que já não estamos habituados e que não existem há muitos anos, falo de guerra; estaremos condenados a dar preferência ao capital em vez das pessoas?
Muito obrigado.
Adriano Moreira
Em primeiro lugar, devo dizer-lhe que um dos receios que eu tenho é ultrapassarmos o limite da fadiga tributária. Eu penso que isto deve estar presente em qualquer Governo, por muitas necessidades orçamentais que tenha e a fadiga tributária é um risco tremendo.
Porque até este momento, como eu tenho tentado explicar, uma das coisas que mantém a minha admiração é a resistência, solidariedade e a paz com que, protestando como é seu direito, a população portuguesa tem suportado as restrições que têm sido feitas. Mas há um limite, esse limite na minha opinião chama-se fadiga tributárias e se isso pode então desencadear ou agravar, as suas preocupações têm fundamento.
Nessa altura nós teremos naquela tentativa que eu fiz de chamar-vos a atenção dos três tempos – o social, político, internacional – pode haver um conflito entre o tempo social e o tempo político, poder aparecer e é preciso cautela com isso. Tenho esperança de que isto não há-de estar ausente de um Governo responsável, mas é bom lembrar, de vez em quando para que saibam isso.
Quanto ao Estado social, devo dizer-lhe que sou contrário à extinção do Estado social, porque o que vem na Constituição é uma principiologia, não são imperativos, o que o Estado social, tal como está definido é, nos limites do possível. Por exemplo, o Ensino e a Saúde tendencialmente gratuitos; é evidente que isto estabelece uma principiologia, não se estabelece o imperativo.
Agora, o que significa atirar a esperança pela janela é acabar com isso e acho que atirar a esperança pela janela agrava as situações; é a última coisa que se pode atirar pela janela. Por isso, sou absolutamente contrário a que desapareça o Estado social constitucionalmente definido com os seus princípios, mesmo em face da crise penso que não podemos fugir disso.
Quanto à evolução nos próximos tempos, vou dizer uma coisa que acho que pode ser que seja desanimadora, mas é informativa: ninguém pode fazer juízos de certeza em vista da super complexidade em que vivemos. Fazer juízos de probabilidade é uma audácia, fazer juízos de talvez é o que nos resta e para isso faz falta a esperança.
Duarte Marques
Obrigado, Professor. Dava agora a palavra ao João Gabriel Martins do grupo Encarnado.
João Gabriel Martins
Muito bom dia. Desde já, gostava de cumprimentar a mesa e agradecer a exposição realizada pelo Professor Doutor Adriano Moreira.
A 15 de Fevereiro de 2011 o senhor afirmou (e passo a citar):"a inquietação dos Governos está nos conselhos que lhes indicam a submissão, a intromissão, de identidades internacionais no sentido de substituir a governação própria”.
Isto advém muito do que aconteceu e como afirmou que a fronteira da pobreza está a passar o Norte do Mediterrâneo, como o caso de Portugal, Grécia, Espanha e Itália e gostei muito do facto, também, de ter referido que a janela de Portugal está no mar. Pois tudo isto relaciona-se com a nossa questão que é se não considera que os países ibéricos, que em tempos já dominaram o Mundo, não estejam a sofrer uma grande humilhação por estarem agora dependentes de um plano de ajustamento financeiro?
É essa a nossa questão. Obrigado.
Adriano Moreira
Vou chamar a atenção para algo que me lembrou quando estava a ouvir a sua pergunta: como sabe andamos a discutir a reforma administrativa, mas os factos também vão eles tratando da reforma administrativa e há uma coisa que está a nascer, que são as regiões de trabalho transfronteiriças e é bom começar a pensar nisto. Eu sou de uma região de pobres, Trás-os-Montes [alguém interrompe e diz "eu também”]. Mas não diga, nunca diga quando está muita gente.
[RISOS]
Sabe porquê? O meu avô ensinava isso e dizia assim: vocês imigrem, devem trabalhar, ser honestos, mas quando estiver muita gente não digam que são trasmontanos porque os outros podem não ser e escusam de ficar envergonhados. Só por isso.
[RISOS]
Ora bem, mas nós já temos regiões de trabalho a nascer no nordeste transmontano, também no Sul, no Alentejo, portanto, há modificações que a natureza das coisas está a introduzir e que se calhar andam mais depressa que reformas administrativas do próprio Estado. Temos que contar com isso.
Há uma coisa importante: a criatividade é necessária sobretudo quando não há esses recursos financeiros. Sabe que, não sei se está bem contada a nossa história dos Descobrimentos, porque muita da intervenção real foi feita sem recursos financeiros. Foi por isso que teve de recorrer às concessões, aos privados, etc., para conciliar a ambição de conquistar o Norte de África, gastámos energias no Norte de África, ou "vamos à procura da Índia” – em tudo isto a criatividade foi fundamental.
Não há criatividade que valha a pena se não houver esperança no que vai dar. Isso, já agora, leva-me a falar de um problema que penso ser grave para o país, que é a emigração dos cérebros.
Portugal teve sempre uma grande emigração, é indiscutível, até acho que tivemos um quarto império interno que foram as mulheres, porque quando nós fomos para a Índia e outros sítios, o país tinha um milhar de habitantes, nem isso, pois saiam daqui milhares de jovens todos os anos e quem é que tratava das casas, educava as crianças, gerir os interesses, era tudo as mulheres – o quarto império – e "viúvas de homens vivos” como chamou um escritor nosso.
Nesse momento também viviam de remessas que os maridos que emigravam mandavam. Isso hoje talvez já não seja de esperar, as remessas, pois fala-se mais em atrair o investimento estrangeiro, etc., mas a criatividade e a confiança penso que são as únicas coisas com que podemos responder, é o principal capital.
Quanto à emigração, ouvi há tempos um membro do Governo a incitar os jovens a emigrar e eu digo que é um incitamento que não é necessário. Há uma lei sociológica segundo a qual os ricos exportam capitais e os pobres exportam gente, portanto não é preciso começar a haver incitamentos para esse efeito, mas sim para ficar e quem fica só fica se tiver esperança, tem mesmo de ter esperança.
Duarte Marques
Obrigado, Professor. Passava a palavra ao Alexandre Abrantes do grupo Roxo.
Alexandre Abrantes
Muito bom dia. Gostaria de cumprimentar a mesa e saudar o Professor Adriano Moreira: é sempre um prazer poder ouvi-lo.
O mundo globalizado contemporâneo vive hoje uma dicotomia: por um lado, existe uma matriz ocidental de direitos humanos consagrados constitucionalmente, que visa e promove o bem-estar social e por outro lado, assistimos também a uma violação persistente dos direitos humanos noutros lados do globo.
A violação direitos humanos acarreta do ponto de vista económico uma perda de competitividade global para algumas economias onde se inclui a economia portuguesa. Em sua opinião, no epicentro desta crise que hoje atravessamos não poderá estar o facto de economias claramente vencedoras deste processo de globalização compactuarem com determinados sistemas políticos violadores dos direitos humanos por intermédio de trocas comerciais, que são vantajosas para ambas as partes e prejudicam o Estado social de alguns Estados, como é o caso do português, que no fim acaba por não ter mais que fazer senão endividar-se externamente para manter um determinado nível de Estado social dos seus indivíduos?
Também gostaria de saber que instrumentos acha que existem ao dispor de Portugal para fazer face a esta crise.
Obrigado.
Adriano Moreira
Esta história dos direitos humanos realmente é bom que haja quem se inquiete e que tenha feito a pergunta. Nós temos verdadeiros crimes contra a Humanidade em várias partes do Mundo. África continua a ter em vários sítios e nós, ocidentais, somos responsáveis, porque quem fornece as armas são os países ocidentais, até identificados, pois sabe-se perfeitamente quem vende as armas.
Por outro lado, verificou-se uma espécie de privatização da guerra; o que é extraordinário e das coisas mais inadmissíveis que pode haver é nesses países menos adiantados – digamos assim – que sofrem disso, os países mais avançados…(hiato de 30 segs. na gravação).
O trabalho prisional utilizado até externamente aos países, em que também existe violação dos direitos humanos; quero dizer, ainda estamos muito longe de atingir um nível satisfatório de respeito por aquilo que nós, ocidentais, consideramos que são os direitos humanos.
Temos instâncias a tratar disso, naturalmente; as Nações Unidas sim, mas muitas organizações internacionais e há a dominar tudo isso uma circunstância que eu defino da seguinte maneira, esperando não ser injusto, mas é o que eu penso: o que fez a unidade da Europa foi o princípio cristão.
Quando me perguntou onde é que está a fronteira da Europa, eu digo-lhe que é quando eu vir um campanário é porque a Europa está ali. Pode já não haver lá cristãos, mas estando lá o campanário digo "aqui está a Europa”. Esses valores cristãos assentavam num credo que foi substituído.
Foi substituído por um credo de mercado e este substituiu o valor das coisas pelo preço das coisas. E estas duas coisas: credo do mercado e a substituição do valor das coisas pelo preço delas, obrigou e teve como consequência uma completa degradação nas escolas de valores e que no próprio Ocidente são evidentes esses valores degradados.
Um dos valores degradados é o da solidariedade da sociedade civil com as emigrações descontroladas que foram muito determinadas pelo mercado do trabalho não regulado. Desta feita aquelas violências em Paris, Itália, Setúbal, etc.; ninguém está livre disso e, portanto, em vez de haver aproximação das culturas há conflitos.
A Europa tem 18 milhões de muçulmanos neste momento e proliferam; enquanto as famílias europeias não têm filhos, eles têm imensos. De maneira que tudo isso contribui para essa situação de violação, ou de degradação e alteração da tabela de valores a que estávamos habituados e a reconstrução disso exige lideranças fortes. A Europa e o Ocidente não têm lideranças fortes neste momento; aquilo que os artistas às vezes chamam de vozes "encantatórias”, quando vem uma cantora e a voz dela começa nós saímos deste mundo, e a Europa está sem isso.
Enquanto não tiver isso, falta-lhe um instrumento fundamental. É uma pena que a Economia tenha deixado de se chamar Economia Política, antigamente era assim que se chamava, mas agora já não. Faz muita falta, é preciso que seja Economia Política, pois a política faz falta porque é o que subordina as coisas aos valores.
Não lhe posso dizer nada mais animador do que isto.
Duarte Marques
Muito obrigado, senhor Professor. Dava agora a palavra ao Marco Barbosa do grupo Rosa.
Marco Barbosa
Bom dia à mesa. Bom dia a todos os alunos. Antes de mais queria agradecer a presença do Professor Adriano Moreira, é sempre um privilégio ouvir a sua opinião.
Desta forma, o Professor Adriano Moreira, considerando que é uma pessoa com uma vivência política e pessoal que atravessou diferentes regimes políticos e ciclos económicos, acredita ser pertinente dizer que esta não é só mais uma crise económica, mas sim uma crise de valores?
Quando é que uma geração deixou de pensar na próxima e, no seguimento, que conselho daria a esta geração?
Adriano Moreira
Eu penso que até já respondi um pouco disso ao seu colega: hoje a ideia de que há uma crise de valores é fundamental e é curioso que muitos escritores que se ocupam deste programa da crise dos valores, voltam muito a insistir na importância de valores religiosos e naturalmente em relação aos ocidentais os valores religiosos têm muito que ver com a Igreja Católica.
Pode servir de exemplo as dificuldades com que, muitas vezes, ela própria está a defrontar-se, porque como ensina o Professor Carreira das Neves, existe na relação religiosa com valores cristãos três planos: um é o cristo da fé, se a pessoa tem fé ou não, a principal coisa é a ressurreição, se acredita ou não. Depois, há o cristo da História, os textos sagrados, quer os que foram seleccionados, quer os dos apóstolos, etc.
Depois vem ainda o cristo da igreja que é uma instituição e neste momento não há dúvida que, assim como os tais tempos – social, político e internacional – entram em conflito, também as três percepções têm neste momento algum conflito, que afecta a questão dos valores cristãos que o Tratado de Lisboa, por exemplo, se recusou a mencionar. O não-mencionar já em si mesmo é alarmante e é por todo o Mundo essa queixa: na América Latina, por exemplo, todos se lembram dos movimentos separatistas, que no fundo nunca foram dominados; nos Estados Unidos a crise em relação à Igreja é muito grande, como todos sabem.
Portanto, a crise de valores é de facto fundamental e há um ponto essencial, mas não sei dizer como é que se resolve, percebo que existe esse ponto, que é o facto da declaração de valores ter sido exclusivamente ocidental e as novas áreas culturais que ganharam liberdade política vêm com os seus valores próprios e o processo de integração é preciso fazê-lo.
O Vargas Llosa escreveu um dos últimos romances dele, chamado "O Sonho do Celta”, que diz respeito a um espião inglês na era colonial, quando o império euromundista se formou. O livro é um romance, mas os documentos são todos verdadeiros e a maneira como os conflitos terríveis aparecem nesse processo é uma coisa que pode elucida-los e ajudar-vos a pensar sobre o que é que fazemos para encontrar uma definição que tenha uma leitura equivalente para o género humano. Pois isso, eu não sei responder, talvez um teólogo seja capaz de responder a isso, ou um filósofo, por exemplo, há um padre que foi até proibido a dar aulas, mas parece que já está outra vez autorizado a dar, que tem uma fundação que se chama"Em busca de um paradigma comum”.É isso que andamos à procura: um paradigma comum que ainda não temos.
Essa é a situação em que estamos em matéria de valores.
Duarte Marques
Muito obrigado, Professor. Segue-se o Nuno Cruz do grupo Verde.
Nuno Cruz
Bom dia a todos. Antes de mais, gostaria de cumprimentar a mesa e deixar um especial agradecimento ao senhor Professor pela intervenção.
A nossa pergunta é a seguinte: face à falta de união na Europa, o senhor Professor pensa que caminhamos para uma união mais real, mais coerente, ou por outro lado visto que os blocos regionais são para dar voz a todos, mas tal não está a acontecer, caminhamos antes para um isolamento como no caso da Argentina?
Na opinião do senhor Professor, qual é o papel da soberania nacional na necessidade de afirmação da cultura ocidental? Por outras palavras, de que forma, com as limitações que temos, podemos lutar pela nossa soberania? Por último, o senhor Professor concorda com o que já muitos apelidam de que vivemos numa guerra não de armas, mas de Economia?
Obrigado.
Adriano Moreira
Em primeiro lugar, esta conversa da soberania precisa de cautelas, porque a Idade Média falava sempre em soberania. O duque de Borgonha, chamado o Grão-Duque do Ocidente, era uma coisa extraordinária: ele nunca se atreveu a chamar de rei, mas era soberano e era em relação aos que lhe estavam subordinados. Para cima é que era preciso ter mais atenção a alguma dependência, mas a soberania evolui com os tempos.
Nós tivemos uma época de soberania absoluta, por exemplo quando aquilo se chamou "Europa dos Reis”, a seguir à queda de Napoleão, em que procuram contrariar a revolução francesa punha a legitimidade do povo para o líder, em vez de ser ao contrário.
Neste momento o grande princípio é o da igualdade e não é o do poder, porque o poder é fácil verificar que não está distribuído por igual, nomeadamente o poder militar.
Eu lembro que, da primeira vez que se fez o primeiro exercício da bomba atómica, que foi conduzido pelo professor americano Oppenheimer com uma equipa extraordinária de colaboradores – talvez nunca tenha havido uma equipa tão vasta para isso – trabalho que lhe tinha sido encarregado pelo Governo americano, ele escreveu um documento que todos os seus colaboradores assinaram e que se chama "Los Alamos”, dizendo que nenhum Governo me pode utilizar isto em guerra.
Disse isto e é claro que foi logo chamado de comunista, foi demitido, mandado para um canto obscuro da América e só o Presidente Kennedy é que foi visitá-lo para o reabilitar perante a opinião americana. Nessa altura, reabilitou, mas não lhe restituiu os anos que ele perdeu e que nós podíamos ter aproveitado com o talento que ele dispunha.
Neste momento, temos, não sabemos bem quantas, armas atómicas prontas a serem utilizadas: os Estados Unidos e a Rússia têm muitas; Israel, África do Sul, Paquistão e a União Indiana também têm; no caso do Irão, há dúvidas, mas se não tem está para ter. Houve alguns que suspenderam, foi o caso da Inglaterra, achou que a América chegava e não precisava a Inglaterra de andar a gastar dinheiro com isso.
Enfim, nesse aspecto vivemos na iminência do poder estar nas mãos de um louco. Se o poder estiver nas mãos de um louco podemos ser lançados na maior e talvez final catástrofe. Porque eu lembro-me de uma frase, embora o Sartre não seja assim um escritor que me entusiasma sempre, mas uma frase dele quando se bombardeou Hiroshima: "a partir deste momento a Humanidade só tem uma decisão a tomar que é se quer continuar viva ou morrer”. Foi o que ele disse e nós vivemos nessa circunstância actual, portanto, a igualdade dos países é pelo quê? Pelo medo?
Porque as pessoas dizem para limitar armas atómicas – já ouviu muitas vezes dizerem assim: não se precisa armas atómicas que servem para não serem usadas. O único país que sabe que servem para ser usadas é os Estados Unidos e por isso tem uma experiencia terrível do que pode acontecer – nós vivemos nisso.
Portanto, esse é um dos riscos que nós corremos e que não há nenhuma instância que esteja a dominar, porque mesmo os tratados que são feitos são feitos entre potências que têm, ou que estão para ter, mas não é um compromisso geral com todos os países. Esse risco é efectivamente muito, muito, grande.
E é lastimável – não sei se "lastimável” serve para alguma coisa quando são problemas sociais muito grandes desta natureza – nós sabermos que qualquer Economia dessa área resolvia o problema da crise financeira em que o Mundo está. Não temos maneira de lutar contra isto até este momento, não há maneira, temos de esperar, ver se conseguimos uma nova ordem e estabilização.
Há uma coisa que tenho por seguro: o Estado vai ser reformado. Se me perguntarem como, eu digo: olhe, quando o Lutero fixou aquelas teses na porta da igreja não previu nada das guerras religiosas por ter feito aquilo, não é? O próprio Karl Marx quando morreu, o Engels disse assim: "será lembrado por toda a eternidade”. Tenho a certeza que não encontram uma página do Karl Marx a imaginar o que aconteceu na União Soviética. De maneira que não somos capazes de prever e é nesta situação que estamos.
Duarte Marques
Obrigado, Professor. João Alcobia do grupo Amarelo.
João Alcobia
Em primeiro lugar, muito bom dia. Gostaria de cumprimentar a mesa e agradecer a oportunidade de fazer uma pergunta a uma pessoa do calibre do senhor Professor Doutor Adriano Moreira.
Visto que o Professor foi Ministro das Colónias, considera que a solução para a crise em Portugal passará por apostarmos nos recursos e infra-estruturas dos países da CPLP, através do aumento da integração política e económica da mesma maneira que a Inglaterra fez constituindo a Commonwealth?
Acredita que nós podemos ser considerados a geração da esperança?
Adriano Moreira
Primeiro: o modelo da comunidade britânica não é o modelo mais indicado para nós. Porquê? Porque na comunidade britânica, se repararem, há uma diferença abissal entre os domínios de povoamento branco e a restante parte das antigas colónias. Há uma certa solidariedade que está a enfraquecer no povoamento branco, por exemplo a Austrália quer ser uma república e afastar-se da rainha como presidente da comunidade, mas os outros países mais rapidamente fugiram disso: o caso da África do Sul, da União Indiana, etc.; enquanto nós só lidamos com países onde a conjugação de valores europeus com populações locais existe.
O Brasil é o exemplo mais perfeito de todos, mas também foi o que esteve mais tempo para que isso acontecesse, mas em todos os outros países isso acontece, portanto o modelo é diferente do da comunidade britânica. Temos uma excepção, que é Moçambique que teve que entrar para a comunidade britânica, mas é uma decisão de – aliás com bom fundamento –, pura conveniência política e porquê?
Porque Moçambique, realmente, daquilo que tira justificação de existência de Estado em primeiro lugar é de ser servidor das colónias que foram inglesas. Os grandes portos, sobretudo de Maputo e da Beira, são indispensáveis à Africa do Sul e às antigas Rodésias e isso é importante para Moçambique, portanto necessita de relações muito íntimas com essas comunidades. Para que pensem nisto, lembro que foi o Almirante Sarmento Rodrigues, Governador de Moçambique na década de 60 do século passado, quem determinou que os nomes das firmas, estabelecimentos, etc., da então Lourenço Marques fossem em língua portuguesa, porque eram todos em inglês.
Isto mostra como a dependência económica e financeira e as boas relações que têm de ter com aquela toda cortina de colónias que vão do Cabo ao Cairo, que eram inglesas, tem essa diferença. No resto, para nós não é um modelo de domínio que nos possa servir.
Então, tem que ser uma criação específica e é o que ela está a ser, ma acho que está a ser vagarosa, precisa de maior aceleramento, quanto possível porque quanto mais rápido for melhor se pode tornar. E porquê? Porque também temos de ver digladiarem-se por uma supremacia que as abrange; por um lado é a China, do outro lado os Estados Unidos e a União Indiana há-de aparecer também e nós temos de contar com isso. Porque se nós concordarmos que a CPLP é uma "janela de liberdade” para Portugal o tempo que se perde é de um grande prejuízo para todos.
Quem não concordar com isto, mas eu não vejo outras neste momento senão estas que vos indiquei francamente são as duas "janelas de liberdade” que encontro para Portugal e não podem ser descuradas.
O modelo britânico não é para Portugal e não lhe podemos tirar nenhum exemplo. Acho que respondi a tudo o que perguntou.
Duarte Marques
Segue-se a Patrícia Ferreira do grupo Bege.
Patrícia Ferreira
Bom dia. Tenho desde já de congratular o Professor Adriano Moreira pelo fantástico percurso conseguido.
A nossa pergunta é muito simples: perante o estado actual da União Europeia diríamos que estamos face a três opções. Poderíamos optar por um retrocesso no modelo seguido até agora e ao invés de nos sujeitarmos à manutenção da estratégia adoptada, ou gostaríamos de saber a sua opinião sobre esta nossa terceira opção, digamos assim: será agora o momento indicado para darmos o grande salto para a possibilidade da implementação de uma federação europeia? Se sim, qual seria o primeiro passo?
Obrigada.
Adriano Moreira
Começaria por lhe dizer ao seguinte: pertenci a dois movimentos de unidade europeia antes de ela existir, que foi o Centro Europeu de Informação e Documentação, que já desapareceu, e outra que ainda existe e teve bastante importância, mas limitadamente, que é a Fundação Coudenhouve-Kalergi.
Coudenhouve-Kalergi foi, na minha opinião, o maior europeísta do século XIX. Não há nenhum líder europeu depois da guerra que não tenha estado nos congressos do Coudenhouve-Kalergi, todos estiveram lá, inclusive o Churchill e chamavam federação, mas a palavra federação é tão equívoca quanto a maior parte das palavras que existem no dicionário da Economia Política. Porque às vezes federação significa apenas aliança política de transição, por exemplo há um conflito e acaba a federação.
Se repararem, os Estados Unidos que muita gente apresenta como exemplo, são uma federação e não se chamam, chamam-se Estados Unidos, porquê? Porque o passe para a federação teve um preço chamado guerra civil. Não foi fácil passar de uma coisa para a outra e por isso mantém a designação antiga, que é apenas União.
Outras vezes, falam na Suíça; se os Estados Unidos são grandes demais, a Suíça é pequena demais. O seu tamanho não é exactamente um exemplo que seja. Por isso mesmo, os projectos que referi falavam na palavra federação no sentido de que primeiro, não pode haver conflitos entre Estados europeus, a ver se esta guerra era mesmo a última como se dizia quando acabava uma guerra e até que vinha a próxima.
Estas organizações entendiam que a primeira coisa era não haver mais guerra entre países europeus e como é que isso se consegue? Indo com pequenos passos – a ideia era esta, porque não havia modelo no final e muita gente, ainda hoje, entende que os pequenos passos são fundamentais e não foi o que aconteceu nalguns casos.
Não aconteceu, pelo seguinte: o alargamento da União Europeia se vos perguntarem se há algum estudo de governabilidade anterior ao alargamento não encontram. Primeiro alargam e depois "ai que o Tratado não chega”, e depois é que se vai tratar disso.
Ora, os malucos da revolução francesa, que foram quem unificou a França, nunca tomaram conta de um território sem que discutissem se podiam governar aquilo. Nós não fizemos isso e já estamos a ir pelo mesmo erro com a segurança comum.
Não há nenhum estudo sobre as fronteiras amigas com que a Europa pode, ou não, ficar. Olhem para o mapa e vejam se a Turquia entrar para a União Europeia não existe aí um problema a ter em conta sobre quais fronteiras com que vamos ficar. Porque se as fronteiras forem inimigas o risco aumenta e se este aumenta as despesas militares também, que por sua vez fazem agravar o problema do orçamento, por aí adiante.
Estas coisas, portanto, precisam de muito cuidado e algum cuidado com a racionalidade com que se vai marchando. Tenho algumas reservas sobre o Tratado de Lisboa no que toca à racionalidade. Por exemplo, nós temos um Conselho da Europa onde se reúnem chefes de Estado e de Governo, que é presidido por uma pessoa, mas o Conselho Europeu praticamente não sabemos quem é.
Depois, os Conselhos continuam com a presidência rotativa. Imagino que quem faz relatórios para o Conselho Europeu não deve dar um grande conhecimento. Depois, temos uma responsável pelas Relações Internacionais e Segurança que é escolhida pelo Conselho Europeu, mas que é Vice-Presidente da Comissão cujo Presidente tem competência nas Relações Internacionais.
A minha impressão tem sido de que nós devemos fazer uma moldura com o Tratado e pôr nas Faculdades de Direito e dizer "olhe o Tratado não devia existir”, assim eles aprendiam isso e não faziam, porque a falta de lógica e de coerência do Tratado é absolutamente evidente.
Não é possível, que na crise que estamos a atravessar haja dois países que reduzem ao silêncio todo a Comissão Europeia, o Conselho, etc.; a estrutura fica como a estrutura internacional, ninguém convoca o conselho Económico e Social, entre outras situações.
Portanto, penso que tudo o seja enfraquecer a União Europeia faz com que a voz da Europa se vá apagando no Mundo e se ela se apagar os pequenos países vão ter problemas muito sérios. Em países como Portugal os problemas agravar-se-ão severamente.
Quando e se o turbilhão do Mediterrâneo se agravar, esses problemas tornarão evidente como a solidariedade e a unidade europeias são fundamentais para todos.
Estas coisas parecem-me evidentes; remédio não sei, porque não conheço os dossiers, o Assange não me mandou nada, portanto não sei os segredos que rodeiam esta questão mas parece-me que a questão evidente é esta.
Ou a unidade se fortalece, a Europa é que tem voz e não qualquer país em separado, ou se a unidade se desfaz a Europa perdeu a voz no mundo – é o ponto final que o Spengler já anunciava, que as civilizações nascem, crescem, amadurecem, decaem e morrem. Também pode acontecer.
Duarte Marques
Muito obrigado, Professor. A última pergunta das sorteadas, António Campos do grupo Cinzento.
António Campos
Muito bom dia a todos os presentes, companheiros e a toda a mesa.
Esta pergunta vai ter primeiro um ligeiro enquadramento. O Professor há bocado falou de algo muito importante, que é o processo de integração europeia e sendo uma das questões importantes há que a analisar.
Na altura, após a II Guerra Mundial, houve uma necessidade em primeiro estabilizar a união política e isso através primeiro de uma união económica aduaneira. O que adiou sempre o projecto de uma Europa unida, federal e creio que se deu primeiro um passo maior do que a perna. Ou seja, no fim não poderíamos pensar num projecto sólido europeu sem primeiro termos um projecto de fundo político.
A minha pergunta vai no sentido dessa questão que focou há bocado sobre problemas do trajecto europeu, nomeadamente a falta de voz das sociedades, se retira a credibilidade e até legitimidade de um possível processo de integração europeia, adensará a crise?
Obrigado.
Adriano Moreira
É um problema a quem aparece a quem toma a acção: é sempre saber por onde vai começar e o problema europeu também se iniciou por isso.
O grande dinamizador, como todos sabem, foi o Jean Monet que era um homem muito perito nessa área do comércio, mas nas memórias sabe o que ele diz? Que se fosse hoje começava pela Cultura e não pelo comércio. Com a experiência que ele tinha tido com o desenvolvimento da Europa, porque o grande problema da Europa – e que os senhores encontram descrito, imaginem, nos Lusíadas; está lá tudo explicado – é o pluralismo das línguas e etnias e portanto a única coisa que os une são os valores. O Luís de Camões acreditava que o que unia esses povos todos era o credo.
Este problema tem a ver com a criação de uma sociedade civil europeia e esta, efectivamente pode ser multicultural, tivemos vários exemplos na Europa: o império romano durante quanto tempo e mais multicultural não podia ser. É difícil de imaginar. O império dos turcos, nós também imaginamos, mas é melhor que não se repita.
Mesmo o rei de Portugal foi rei de três religiões: tinham nas ordenações, que duram até ao Código de Seabra, uma ordenação para os judeus, outra para os mouros de Castela, outra para os ciganos e depois vinha o resto – ele era o rei de tudo. O processo português foi misturar isso tudo numa sociedade civil só, que se identifica como portuguesa e em 1835 ter feito a demonstração de que já estava unida.
É por isso, talvez, que Jean Monet diz nas suas memórias que se fosse hoje começava pela Cultura. Tinha que unificar estas populações, embora sejam multi-étnicas e multiculturais, identificá-las no tal paradigma comum.
É isso, que neste momento, as intervenções inspiradas no directório estão a pôr em causa; por todas essas interferências são contra o paradigma comum e põem-no em perigo. Eu acho que é isso que nós temos de ter consciência e lutar contra isso.
Duarte Marques
Muito obrigado, senhor Professor.
Agora temos aqui um período de perguntas livres. Tenho o João Ferreira do grupo Azul e de seguida o João Sousa do grupo Rosa.
João Diogo Ferreira
Antes de mais obrigado pela sua aula, senhor Professor.
Reparei que durante a sua intervenção falou muito em soberania e em dívida. Penso que quando um país, ou uma região, ou alguém, está em dívida deixa de ter parte da sua soberania e para mim as dívidas devem ser pagas.
Andamos constantemente a pedir auxílio externo, como disse ainda ontem pedimos vários auxílios e o que pensa sobre nós nunca termos resolvido este problema de dívida com que sempre nos confrontámos?
Outra pergunta: qual a verdadeira esperança para Portugal e como estamos perante uma plateia jovem, qual é a verdadeira esperança para nós?
João Sousa
Bom dia a todos. Vou fugir um pouco ao cerne da questão e vou centrar-me numa temática que o Doutor abordou, que foi o acordo ortográfico. Não acha que este acordo é essencial e incontornável para a sobrevivência da língua portuguesa, no sentido de evitar a cisão e o enfraquecimento de uma língua forte que é a nossa?
Adriano Moreira
Em primeiro lugar, as dívidas devem ser pagas, mas gostava que resolvessem um problema: quem é que tirou do Padre-Nosso a expressão "perdoe Senhor as nossas dívidas”?
[RISOS]
O que lá puseram já não tem que ver com as dívidas. Bom, porque há uma certa diferença entre pagar dívida e o serviço da dívida, ou pagar a ganância. Aquilo que imagino, julgo e verifico é que não há controlo da ganância. Todo o século passado, a grande reclamação dos países da região da pobreza, quando a fronteira era em baixo, era no sentido do perdão da dívida, porque já tinham pago em juros muito mais do dinheiro que tinham recebido. E não sei se vamos deixar continuar, que isso vá por aí fora e se venha a colocar esse problema, porque não tarda temos de perguntar quem é que não deve, porque todos devem. Há-de haver um credor, um deus desconhecido, mal orientado.
Penso que deve haver uma disciplina no poder financeiro e esse é um dos casos em que os centros de decisão são mal conhecidos. Com um limite; tem que haver uma ética para isto, uma limitação ética e nos códigos dos países tradicionalmente existe a limitação da ganância.
Não é aquilo que está a acontecer, efectivamente há uma desregulação. Portanto, as dívidas devem ser pagas, mas o princípio da justiça é contra a liberdade da ganância e do esmagamento do pobre, do devedor, e não serve de desculpa que o devedor tenha culpa na constituição da dívida. Começa a nascer outra culpa que é o abuso da situação. Penso que isso é fundamental e realmente não está feito.
Quanto à perda da soberania, o problema é de evolução histórica: a soberania do século XXI não é a soberania do século XX, ou do século XIX, nem da Europa dos reis, nem da Idade Média; ela vai mudando e aquilo que precisamos é igualdade de tratamento – isso é fundamental. Portanto, o meu poder não pode ser ofendido pela superioridade do outro que ofende a minha liberdade de decisão dentro do que é justo e dos normativos que estejam em vigor. Agora, a soberania tem que ser redefinida se acordo com a época – isso parece-me inevitável e é o que está a acontecer com a União Europeia.
Quanto ao acordo, sabe que o primeiro país que tomou a iniciativa de modificar a ortografia foi Portugal, durante a República; claro que eu ainda me lembro do "ph”, de ciência com "s” antes do "c”, de Sintra com "C” e tudo isso foi alterado por nós. Desta vez a alteração é dinamizada pelo Brasil. Claro que o Brasil tem uma tal dimensão e um tal peso que se percebe que queira uma liderança. Penso que a sabedoria é conduzir a CPLP para a liderança dos consensos, não para a liderança das imposições.
Foi algo que os Estados Unidos souberam fazer durante a Guerra Fria: a NATO foi dirigida com uma liderança de consensos, não houve imposições e conseguiu uma defesa forte. Portanto, o que precisamos aqui é da liderança dos consensos e que não seja a liderança das imposições, porque não se domina a língua – volto a repetir –, ela evolui, adquire valores, perde valores, não é propriedade de ninguém, não é nossa, também é nossa.
Basta-me ver dentro do país: conheço muitas expressões da minha província que não são usadas cá em baixo, vou-lhe dizer só uma. Quando estamos numa discussão e queremos ter razão e não concordamos com o adversário dizemos assim: "não, mas sim”. Só quem é de lá é que percebe.
Obrigado.
Duarte Marques
Muito obrigado. Dava agora a palavra ao Eduardo Bragança do grupo Castanho e de seguida ao Edgar do grupo Encarnado.
Eduardo de Bragança
Muito bom dia à mesa. Obrigado pela oportunidade de ouvir esta excelente intervenção. Obrigado também ao Professor Adriano Moreira a quem eu tentei prestar o máximo de atenção e houve uma parte de que eu gostei muito relacionada com o Conselho de Segurança das Nações Unidas e a minha pergunta vai nesse sentido.
Portanto, falámos aqui da inexistência potencial de umdemoseuropeu, ou não da ausência mas de uma existência não coerente de que fala Habermas, como ponto fundamental para que a União Europeia continue o seu desenvolvimento. Nessa falta não poderíamos adoptar uma atitude mais pragmática? Falou na América Latina, até que ponto o Brasil conseguiria no futuro mais ou menos próximo ganhar um lugar no Conselho de Segurança permanente, ou não, nas Nações Unidas e esse lugar, a ser conseguido, poderia trazer externalidades positivas para Portugal?
Essa era a minha pergunta, muito sinteticamente, e agradeço mais uma vez.
Duarte Marques
Obrigado. Vou dar a palavra ao Edgar.
Edgar Bento
Bom dia. Gostei muito da sua palestra também e vou pegar numa curiosidade que o grupo Encarnado notou sobre os reitores de língua portuguesa terem um currículo extenso, mas feito noutras universidades.
Pegando no relativo sucesso do programa Erasmus e também no do protocolo de Portugal com o Brasil acerca do programa de intercâmbio e de mobilidade de estudantes, não seria este um bom exemplo para Portugal e os países de língua portuguesa darem um próximo passo e fazerem um programa de intercâmbio e de mobilidade de estudantes abrangente que unisse todos? E não daria este programa resolução também a vários problemas que são encontrados hoje em dia, nomeadamente nas questões de equivalências? Temos, por exemplo, engenheiros a irem para o Brasil e a terem dificuldades a fazerem valer as suas equivalências.
Não seria isto uma solução para resolver vários problemas e também relativamente à sua curiosidade começar a trazer um prestígio maior para o nosso ensino, mas também para todos os de língua portuguesa?
Muito obrigado.
Adriano Moreira
A respeito do futuro do Brasil e do Conselho de Segurança: houve um escritor muito célebre durante a guerra e que foi morrer ao Brasil, suicidou-se, o Stefan Zweig, que foi um escritor muito lido na Europa no tempo que eu tinha a vossa idade, em que não era da geração da esperança pois essa é a vossa.
Ele deixou uma frase fatídica que dizia assim: o Brasil é um país que tem e terá sempre um grande futuro. Os factos demonstram que não é bem assim: o Brasil está com um percurso extraordinário, embora tenha ainda um longo caminho a percorrer.
E há um problema, na minha opinião, com o Brasil, pois levou 150 anos a marchar da margem do Atlântico para o planalto, agora espero que ele demore menos tempo a descer em relação ao mar, pois a segurança do Atlântico Sul e é aí que a CPLP está interessada com certeza e precisa que o Brasil tenha ali uma presença interventora importante.
O relacionamento entre os centros portugueses de ensino militar com o Brasil é bom, íntimo e penso que frutífero, e também está a ser com os países da CPLP. Há um problema curioso, é que houve uma guerra de quase 14 anos e a melhor relação que Portugal tem com os países da CPLP é das Forças Armadas, que são muito bem recebidas e comparticipantes na formação de quadros e do saber daqueles países.
É bem natural e possível que o Brasil tenha um lugar no Conselho de Segurança, seja ele de que definição. O Conselho de Segurança tem muita coisa para resolver: por exemplo, se mantém o direito de veto, se o direito de veto é permanente, ou não, se tem lugares permanentes ou transitórios.
Tudo isso são problemas muito difíceis que têm e vão ser e um Brasil é seguramente um dos grandes pretendentes a essa posição, eu tenho essa esperança. Sou muito amigo do Brasil, passei muitos anos lá e fui professor na Universidade Católica do Rio de Janeiro, de maneira que o Brasil para mim é uma esperança do futuro para nós próprios e para a comunidade luso-brasileira.
Quanto ao sistema de Erasmus, tem sido muito útil para o conhecimento recíproco das populações e das elites que se vão formando, mas é uma coisa diferente ter centros de investigação científica e de formação que são capacidades diferentes. A minha experiencia de vida universitária diz-me que é preciso três competências na universidade: a competência de ensinar, a competência de investigar e a de coordenar grupos.
E deus não é tão generoso que ponha as três capacidades na mesma cabeça. É raro isso.
[RISOS]
O que é necessário é que como as pessoas ficam tão honradas e dizem assim: "formei-me no MIT”, "fui doutorar a Oxford”, etc.; eu quero que se volte ao tempo em que se diga "eu fui doutor por Coimbra”, "eu sou doutor por Évora”, "eu sou doutor por Minho”, em qualquer sítio que se encontrem. Acho que esse é que é o esforço a fazer e por isso é que insisto muito que Investigação e Ensino é matéria de soberania e não de mercado.
Quando vejo notícias no jornal, de estudantes que saem, porque não têm dinheiro para pagar propinas, é uma dor de coração ouvir dizer isso, porque para quem passou a vida no meio de estudantes, a ensinar, o estudante deve-se retirar quando se reconhece que não tem capacidades, deve ser dispensado, mas isso faz-se dando as notas que lhe dizem "vá tratar de outro assunto”. Agora, perder um talento porque não tem capacidade para responder às propinas penso que é uma perda nacional que não pode ser consentida.
É, por isso, que insisto: Investigação e Ensino é matéria de soberania e não matéria de mercado. Os estudantes não são clientes, são estudantes; as propinas não são receitas próprias, são taxas e estas são aspecto de matéria financeira. Isso tem a ver com o problema que acaba de pôr.
Dep.Carlos Coelho
Muito bem, chegámos ao fim da nossa aula desta manhã.
Agradeço em nome de todos o privilégio de o termos tido entre nós na primeira aula da Universidade de Verão 2012.
O Duarte Marques e eu vamos acompanhar o nosso convidado à saída. Pedia à equipa dos avaliadores para passarem para aqui para os formalismos que seguem e regressarei ao vosso convívio para vos dar umas informações de última hora.
Em nome de todos nós, muito obrigado, senhor Professor Adriano Moreira.