ACTAS  
 
9/1/2012
O Estado que temos de reformar
 
Dep.Carlos Coelho

Muito bom dia. A avaliação de uma edição anterior da Universidade de Verão permitiu detectar uma falha no currículo que era exactamente a questão do Estado.

Os vossos colegas na avaliação de há quatro ou cinco anos assinalaram que para um quadro político, ou um jovem quadro que quer fazer intervenção cívica é fundamental perceber qual é a estrutura do Estado e quais os principais problemas que se colocam no desenho dos diferentes órgãos do funcionamento da máquina da Administração Pública.

E fomos, sucessivamente, colocando esse tema na Universidade de Verão e temos hoje a Dr.ª Paula Teixeira da Cruz, que como todos sabem é Ministra da Justiça.

É uma mulher notável com um quadro de intervenção política muito vasto, não apenas ao nível da Administração Central, mas também Local, foi vereadora na Câmara Municipal de Lisboa, foi Presidente da Assembleia Municipal, foi também dirigente enquanto Vice-presidente do Partido e é umahabituéda Universidade de Verão já tendo cá estado duas vezes: fez um jantar-conferência exactamente sobre questões de Justiça e tem no seu currículo da Universidade de Verão o melhor debate oponente dos dez anos da Universidade, foi um debate sobre o Aborto, em que a esteve frente-a-frente com o Dr. António Pinheiro Torres e foi, na opinião de todos os que tiveram ocasião de acompanhar os nove debates oponentes que a Universidade já teve, o melhor de todos eles pela qualidade do debate, pela elevação, mas também pela contundência civilizada, naturalmente, entre os dois oponentes.

Ohobbyda Dr.ª Paula Teixeira da Cruz é a Música, a comida preferida é um divinal cozido à portuguesa – percebemos que há os que são abençoados por deus e outros que são um bocadinho maléficos -, quanto ao animal preferido, refere que talvez seja mais fácil dizer o que menos gosta: a besta humana que se oculta em alguns humanos. O livro que nos sugere é "Le commencement dun Monde”, o filme que nos recomenda é o "Leopardo” e a qualidade que mais aprecia, cada vez mais, é a sensibilidade.

Dr.ª Paula Teixeira da Cruz, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite, o palco é seu.

 
Paula Teixeira da Cruz

Muito obrigado, senhor deputado Carlos Coelho. Parabéns, uma vez mais, por esta iniciativa. Dr. Duarte Marques, líder da JSD, parabéns e parabéns a todos vós que aqui estão num dia de férias, num fim-de-semana, dispostos a ouvir um pouco que eu sei e posso partilhar convosco.

Quando abordamos o Estado e a reforma do mesmo, gostaria de sublinhar duas questões: a primeira é que o Estado está em cada um de nós e isto pressupõe que cada um de nós se empenhe em duas vertentes que são, por um lado, as suas carreiras profissionais e, por outro, na não demissão da intervenção política.

Não são caminhos incompatíveis; ao contrário, devem ser caminhos concertados. É muito importante oapportprofissional que se leva para um cargo que se desempenha, como é evidente.

Quando se fala em Estado fala-se tradicionalmente de uma comunidade politicamente organizada, como é que se estrutura essa mesma comunidade e para percebermos como é que chegámos onde estamos é preciso fazer o diagnóstico de como aqui chegámos.

É evidente que, sendo o Estado a forma de organização, a política de uma sociedade em obediência, na generalidade das sociedades, a um princípio que é o da separação de poderes, permite-me sublinhar que estes acontecimentos últimos, sobretudo em países que nos são países, comprometem, ou parecem ir no sentido que pode comprometer essa separação de poderes, isto é, a separação entre o poder executivo, legislativo e obviamente judicial.

Mas, os Estados, digamos, contemporâneos cuja falência é preciso reconhecer neste momento, por razões a que também lá iremos, os Estados obedecem ao princípio da separação de poderes. No âmbito deste princípio há toda uma arquitectura de funções que o Estado exerce. E quais são elas? A função política, administrativa, legislativa e judicial. Quando falamos na reforma do Estado, estamos sobretudo a falar da reforma administrativa do mesmo. Olhando para o Estado português, o que é que se passa e por que temos um Estado macrocéfalo e muitas vezes ineficiente?

Nós temos, ou tínhamos, um Estado que assentava numa estrutura muito rígida assim chamado com as inspecções, as secretarias-gerais, etc., e de serviços operativos, que eram as direcções-gerais, e tínhamos depois serviços de planeamento, basicamente até 76/77 foi esta a estrutura que o Estado teve. Entretanto, por razões que se prendem com agilidade de procedimentos muito burocráticos, sobretudo de contabilidade pública, o que é começa a acontecer?

Para fugir à rigidez desses procedimentos, criam-se institutos públicos. Subsequentemente, o regime comunitário, das directivas comunitárias, inclui também os institutos públicos no âmbito dos procedimentos da contratação pública e, então, aparecem as empresas públicas. Portanto, mantivemos a estrutura rígida central, institutos públicos, empresas públicas e depois fugimos para as sociedades de capitais públicos. Isto dá-nos uma ideia da disfunção e sobreposição que a nossa estrutura administrativa acabou por ter.

Acresce que este modelo replicou ao nível das regiões autónomas e das autarquias locais e, portanto, este diagnóstico dá-vos a ideia perfeita de como, por uma razão perversa, muito perversa, isto é, fugir a uma burocracia que asfixiava o exercício de outras funções, designadamente na área cultural, social e de prestação de cuidados de saúde, era muitas vezes difícil cumprir aquilo que eram as regras de contabilidade pública fomos fugindo e criando estruturas sobrepostas sem nunca eliminar as antecedentes.

Ou melhor, eliminámos; decapitámos de alguma forma, sobretudo nos últimos anos, aquilo que era a massa crítica das lideranças da Administração Pública. Isto também não é indiferente quando se fala na reforma do Estado.

Quando se fala na reforma do Estado tem de se olhar para as estruturas administrativas, mas também para a qualidade das lideranças e um erro fatal que cometemos foi a extensão – já não é do vosso tempo – dos Gabinetes de Estudo e Planeamento, os famosos GEP. Eles tinham uma função primordial de aconselhamento ao decisor político e de programação e planificação.

Como imaginam, uma função de administração pública, isto é, um Estado, regiões autónomas, autarquias, com duplicação de estrutura, eliminando o que de melhor havia em termos de programação e planeamento. Isto é, eliminando o seu planeamento em termos administrativos e não podia senão conduzir-nos a uma situação de um Estado absolutamente disfuncional, como é evidente.

E, portanto, neste momento conservámos alguns desses vícios e daí que se imponha naturalmente a eliminação de tudo quanto sejam estruturas de sobreposição. Mas se é preciso eliminar essas estruturas, essa reforma não pode não ir a par com a simplificação de procedimentos, mas também com uma exigência ética de serviço público. A formação não é só no âmbito da Administração Pública, dos seus dirigentes, dos seus funcionários e não é só apostar nessa formação, mas também reduzir as estruturas duplicadas e exigir uma prestação de serviço ao utente – não gosto de dizer "cliente”, pois a Administração Pública para mim não tem clientes, tem utentes – e, portanto, é evidente que nós precisamos também de formação e de programação.

Não há reforma do Estado, nem reestruturação do Estado se olharmos apenas para as estruturas administrativas e cortarmos cegamente, isso não resolve nada, temos de ter programação, planeamento, formação e apostar em algo que pode parecer supérfluo, mas não é, que é a dignificação da Função Pública. Sem o sentimento da dignificação da Função Pública também não vamos lá, sobretudo em tempos difíceis em que é preciso reconhecer que se estão a pedir muitos sacrifícios aos portugueses e aos funcionários públicos designadamente.

Não partilho nada esta ideia e os números estão aí para o desmentir, que Portugal tem funcionários públicos a mais; tem nalguns sectores, mas noutros tem menos e é isso que é preciso rastrear.

Não se pode olhar de uma forma cega e dizer que há 700 mil funcionários públicos e que portanto estão a mais; estarão a mais nuns sectores e noutros não, como por exemplo em sectores técnicos em que não há.

Portanto, toda a reforma do Estado tem de ser pensada de uma forma absolutamente integrada. Tem de ser pensada em sede de funções que o Estado exerce, em sede das estruturas administrativas que são necessárias para essas funções, em termos de formação geral na Função Pública, em termos de dignificação e apostando muito, como vos digo, no planeamento e na programação.

Porque quem não tem planeamento e programação não sabe para onde vai e não sabendo para onde vai obviamente as soluções que terá serão sempre de recurso, o que tem sido muito habitual entre nós, provisórias, pontuais e bem sabemos qual é a nossa tendência para transformar o provisório em definitivo.

Logo, o que há a fazer em termos da reforma do Estado é apostar, de facto, nestas variadíssimas vertentes.

Trata-se, como se ouve agora dizer, de diminuir as funções do Estado Social? Não, trata-se de fazer melhor com menos. Porque quando se tem um programa, quando se aposta na formação, quando se dignifica, quando, no fundo, fazemos com que as pessoas vistam a camisola e muitos dos funcionários públicos – acreditem – vestem a camisola, é diferente. Não há um modelo de Estado administrativo – digamos assim – que resolva, quer os problemas de funções do Estado, quer a estrutura do mesmo.

Há várias vertentes que têm de ser contempladas para termos um modelo de Estado adequado e não precisamos de sair do Estado Social, cuja morte portanto já foi anunciada; precisamos é de facto de nos orientarmos para esta programação, redefinição, de funções e estruturas administrativas. A formação é tão importante! Posso ter um grande hospital, extremamente equipado, como posso ter um excelente tribunal, muito bem equipado, mas se não tiver os agentes que actuam nestas instituições com a formação adequada, eu não vou longe, como intuirão e perceberão.

Portanto, falar na reforma do Estado começa também em cada um de vocês, na aposta da formação de cada um de nós e também num modelo que se quer integrado, não só pensando nas estruturas administrativas e nos cortes, mas pensando nas pessoas, naquelas que servem e nas que são servidas; e tudo isto tem que ser aquilatado no âmbito de uma reforma de Estado.

Os diagnósticos estão feitos há muito tempo, agora é preciso não olhar parcelarmente – e permitam-me que insista muitíssimo neste aspecto –, não se pode olhar só para as estruturas e dizer que há duplicação e que vamos eliminar e está resolvido; claro que se há duplicação, há que eliminar, é evidente, não há razão para isso até porque a afectação de recursos pode melhor a qualidade do serviço prestado, mas em termos de desenho do modelo administrativo aquilo que eu preconizaria é que os serviços burocráticos – chamemos assim – fossem prestados em regime de balcão único.

Naturalmente, os serviços de prestação não podem ser dessa forma. Com as novas tecnologias que hoje temos, a questão dos serviços burocráticos, quer internamente entre serviços da administração pública, quer externamente para o cidadão, é perfeitamente possível. Agora, há também aqui que programar, há que programar a operacionalidade e comunicabilidade dos sistemas, que não é o que acontece muito hoje em dia connosco, em que os sistemas estão virados de costas uns para os outros, não interagem e portanto não há esse ganho. E o cidadão não é servido, como podia ser, integralmente num único serviço, porque os sistemas não intercomunicam e porque vamos lá dizer com toda a clareza.

A questão dos sistemas informáticos foi um maná nos últimos tempos. Vamos assumi-lo aqui com toda a clareza. Ninguém se preocupou nos últimos anos em saber se esses sistemas interagiam, ou não, e hoje temos uma multiplicidade de sistemas informáticos, temos dentro de ministérios que ainda não comunicam e isso ainda acontece no Ministério da Justiça, já lá irei, por isso é que temos um plano de acção da sociedade de informação para pôr todos os sistemas a interagir.

Portanto, há de facto esta questão de olhar para o modelo administrativo, que na minha opinião é este: os serviços burocráticos devem ser integrados e prestados num sistema de balcão, os serviços de prestação obviamente não podem ser feitos neste sistema, mas devem-no ser numa lógica de especialização. A especialização é muito importante nas nossas sociedades e, portanto, a par disto nós deveríamos ter uma escola semelhante àquela que existe em França que é a ENA por onde passam os principais dirigentes da Administração Pública e muitos dirigentes, é uma escola de referência.

Dir-me-ão que nós temos o INA que de alguma forma teve como modelo a ENA, mas que está longe ainda de se assemelhar à ENA; precisa de um aperfeiçoamento e que seja entendível que a formação é essencial para a reforma do Estado. Relativamente, aos ditos funcionários e dirigentes da Administração Pública, diria que também aqui é verdade que existe um regime de formação, mas a questão que coloco e que é prestada é a seguinte: é essa a formação adequada?

Dando-vos um exemplo na área da Justiça, para tribunais de competência especializada é necessário que os juízes sejam especializados, mas onde é que estão previstas as especializações, onde é que foram feitos cursos de especializações? Não foram. Nós fazemos em Portugal cursos de especializações para magistrados, procuradores, etc., de outros países, mas não fazemos para nós.

Vamos começar agora a fazê-los. Muitas vezes, são esses agentes que têm de procurar à sua custa a sua própria formação complementar e adicional e, portanto, a reforma do Estado tem todas estas vertentes e não se faz em um ou dois anos, pois é preciso, não só repensar o modelo administrativo, há vários que nos podem servir de referência, mas é preciso repensar o modelo de formação, de dignificação e antes disso tudo é preciso programar e planear, não é preciso diminuir funções.

Desta forma, nós gastaremos seguramente menos e teremos certamente mais. Agora, o que não pode é haver disfuncionalidade na organização, na formação, no recrutamento, como se pode entender. Porque é que eu hei-de ter um psicólogo a exercer funções administrativas quando ele será preciso num serviço de reinserção, por exemplo; é todo este mundo que está em causa na reforma do Estado e, por isso, não podemos bastar com um olhar para o Estado só em termos de estrutura administrativa.

Diria que não está na estrutura administrativa, estará nas duplicações, nesta fuga que vos expliquei, mas estará também na simplificação dos procedimentos e na exigência de um código de conduta ética para a Administração Pública, de resto já por iniciativa do Ministério da Justiça aprovado em Conselho de Ministros. Há códigos de conduta ética que temos que ter.

Não porque haja qualquer tipo de desconfiança generalizada. As empresas hoje têm códigos de conduta ética e de boas práticas. É porque se trata de adquirir um conjunto de procedimentos para melhor servir e por outro lado evitar um fenómeno que tem sido entre nós histórico. Não vale a pena dizer que só agora é que há alguma – e vou dizê-lo também, com toda a clareza – promiscuidade que se acentuou nos últimos anos entre o sector público e o privado.

Isso é um fenómeno que sucede desde as Descobertas e aqueles que gostam de História sabem que o poder económico se encostou ao poder político e, portanto, isto vem de há séculos. Há culturas que são necessário mudar. Insisto e insistirei muito, continuarei, como causa que tenho, a insistir na questão do enriquecimento ilícito. É verdade que o Tribunal Constitucional fez um juízo de inconstitucionalidade, não por inversão do ónus da prova.

Muitos dizem:"bom, o enriquecimento ilícito tem sempre na base outros crimes e, portanto, esses crimes podem ser investigados”, mas não é verdade. Vou dar um exemplo que clarifica: se alguém enriquecer ilicitamente em função de branqueamento de capitais, ou de crime de corrupção e passar uma parte do produto desse enriquecimento ilícito a um terceiro, à mulher, ao filho, ou a quem entender, esse terceiro cometeu algum crime? Não, dos que estão actualmente no Código Penal, não. Enriqueceu licitamente? Não, enriqueceu ilicitamente.

Portanto, não é verdade que o enriquecimento ilícito já esteja consumido por outra tipologia de crimes; além disso, pode ser funcionar como cúmulo de outro crime. É muito importante para a saúde das sociedades e para a reforma do Estado que não existam fenómenos desses. E a verdade é que Portugal quando é falado nos relatórios internacionais aparece sempre com essa sinalização e com essa estigmatização.

Por isso, penso que a par de outros passos que demos será determinante para que a reforma do Estado se faça, não só em termos estruturais, mas sim em termos de princípios, porque toda a actuação do Estado tem de ser feita em função de princípios, ao nível dos decisores políticos e ao nível dos decisores administrativos.

Daí que seja muito importante prevenir e o enriquecimento ilícito é uma forma poderosa de prevenir, porque como compreenderão não é fácil chegar lá, o grande corruptor não deposita o dinheiro ali ao lado, passa poroffshoresque não revelam o beneficiário e portanto é evidente que só com sinais exteriores é que é possível que seja punido. E um dos cancros que mina, de facto, o nosso regime é essa situação.

Portanto, falar em reforma do Estado é falar, meus senhores, é verdade, nas reestruturações administrativas, é falar na formação, na dignificação, é falar em códigos de ética e conduta, mecanismos de transparência e a montante de tudo isso é falar também na programação e na planificação. E não cairmos na tentação de decapitarmos constantemente aquilo que é a massa crítica que existe na Administração Pública em detrimento do sector privado. Está por provar, ao contrário do que se diz muitas vezes, que o sector privado tenha uma maior eficiência que o sector público.

Nós temos áreas de negócio onde isso é patente. Temos de ter empresariado, não temos de ter patrões; como temos de ter trabalhadores e não empregados. São diferenças conceptuais muito grandes. Somos uma sociedade a atravessar um momento extremamente difícil. Às vezes, é preciso fazer das derrotas vitórias e este pode ser o momento, pode ser o momento para uma agenda de transformação a todos os níveis e naturalmente que o Estado tem de ser o primeiro a dar o exemplo.

Um dos pilares do Estado é, de facto, a Justiça. Há uma frase de Platão que gosto muito de citar:"A Justiça é a saúde do Estado e quando a Justiça está doente o Estado está naturalmente doente.”Nós temos problemas no nosso sistema judicial, é verdade, mas não são também da dimensão que muitos querem fazer pretender, como seja, de alguma, como foi feito nos últimos anos retirando dignidade dos próprios agentes judiciários. Não há nada pior do que isso, menorizando o judiciário, descredibilizando-o perante a população.

Há erros? Todo o judiciário se pôs a jeito? Talvez. Agora, é impossível corrigir alguns erros quando o edifício legislativo é absolutamente incoerente, inaplicável e permite os mais variados expedientes. Todos estão lembrados de processos que se eternizam e que acabam a prescrever, criando – como já tenho dito – uma justiça para ricos e uma para pobres, porque quem pode pagar as taxas e custas e uma pool de advogados, pois com certeza vai recorrendo.

Aliás, a situação até é caricata, já falei nisso a propósito do processo civil: perde, pede a aclaração, recorre, etc., até ao Constitucional e entretanto prescreve. Nós já apresentámos e já foi aprovada no Parlamento uma proposta de revisão das leis penais e processuais penais, que é uma reforma intercalar visando sobretudo solucionar aquilo que já estava diagnosticado e designadamente a questão das prescrições. Porque não podemos estar a criar aqui situações de impunidade, também mercê de expedientes dilatórios e também isso se prende com a reforma do Estado.

Uma Justiça na qual o cidadão se reconheça prende-se em absoluto com a reforma do Estado. Curiosamente e trouxe, porque achei que valia a pena recordar isso, em 2009, quando aqui estive a fazer uma breve reflexão sobre o sistema de Justiça avancei algumas medidas urgentes na altura, exactamente as seguintes: redefinir a organização judiciária de forma integrada; consolidar os principais Códigos e a sua estabilidade legislativa; redefinir o mapa judiciário, apostando na especialização, na criação de jurisdições especializadas, formação dos operadores judiciários, dada a complexidade e a especialização das relações jurídicas; limitar o número de processos a magistrados – não é possível que haja magistrados com mais de 5 mil processos e haja tribunais onde não entram 160 processos por ano; isto é impossível, é um exemplo da disfuncionalidade que vos estava a dar agora; um juiz do Tribunal de Comércio de Lisboa, ou de Sintra, tem mais de 5 mil processos e há distritos inteiros que não têm esse número –; revisão do acesso ao Direito, contratualização e responsabilização.

Longe estava eu de imaginar o que ia encontrar no acesso ao Direito e que é do conhecimento público. Longe não estava, senão não teria proposto, mas a dimensão da coisa era de facto grande. Depois, ainda tinha enunciado mais medidas: revisão do código das custas, apostando no reforço da autonomia e na independência das magistraturas; reforço do regime de responsabilidade de todos os operadores judiciários; revisão do Código de Processo Civil no sentido da sua agilização processual; revisão da litigância da má-fé; revisão do Processo Penal; revisão dos regimes de prescrição; revisão de processos na jurisdição de Família e Menores; alteração dos sistemas informáticos; criação do juízo liquidatário para os processos que pendem nos tribunais fiscais.

Isto foram as propostas que apresentei em 2009, terão tido oportunidade de verificar que é exactamente isto que se discute neste momento. Devo dizer-vos que boa parte disto está feito. Se é preciso reorganizar a Justiça, então vamos começar onde é preciso. Primeiro, dar voz a todos os profissionais de Justiça – ouvi-los; segundo, olhar para o nosso edifício legislativo, porque é no fundo na lei que estão as principais disfunções, não é na aplicação, não estou a dizer que não há erros na aplicação, claro que há, todos nós erramos, mas a disfunção começo no processo legislativo.

Nós temos – só para que tenham ideia – uma organização judiciária com dois séculos de existência, vem do tempo da D. Maria e compreenderão que isto não faz nenhum sentido. Uma coisa era ter 7 mil quilómetros de terra batida, como D. João II que disse que o pai deixou-lhe senhor das estradas de Portugal, outra é ter 70 ou 700 mil. Portanto, é evidente que não é isto que é determinante, embora, deixem-me dizer-vos que nós temos 300 tribunais de 1ª instância e a Suécia, com a mesma população, com mais dificuldades de acesso porque o Norte está gelado durante todo o ano, tem 48. É esta a diferença; agora, há uma aposta real na especialização.

Mas o que importa, neste momento, quando se olha para o mapa judiciário, não é retirar tribunais do interior. Até porque em boa verdade, eles já não estão lá, são tribunais onde os juízes vão de duas em duas ou três em três semanas lá e julgam tudo de uma vez, de Menores e Família ao contrato que lá aparecer mais esdrúxulo. Portanto, escuso de vos dizer que a Justiça não especializada não ser a melhor Justiça, por outro lado tem uma utilização da população que anda nos 3 ou 4 por mil.

Estes tribunais têm uma entrada de 250 processos por ano e são os que mais atrasos têm, porque são de competência genérica e assim o Juiz tem de saber tudo e para saber tudo tem de ir estudar. Logo, não se trata de retirar.

Cheguei a ouvir críticas antes do documento ser distribuído, o que é deveras extraordinário e sendo um documento de 500 páginas ouvi críticas no dia seguinte. Como compreendem, não é possível um documento com aquela complexidade e variáveis (número de processos de entrada; há transportes públicos, ou não; são de competência genérica; qual o rácio da população que utiliza o tribunal; etc.) ser lido em tão pouco tempo.

Portanto, aquilo que quero aqui esclarecer, porque esta reforma é absolutamente estrutural, é que não se trata de distinguir tribunais, mas ao contrário de levar onde há mais procura de Justiça no território nacional, nas capitais de distrito. Hoje, para um processo de trabalho em todo o território nacional as populações de onde quer que seja já têm de deslocar a capitais de distrito; se a jurisdição é especializada, a procura é maior ali e é portanto naquela capital de distrito que está sediada já.

Nós vamos levar para os ditos distritos do interior especializações que eles não têm. Quase nenhum distrito do interior tem especializações e nós vamos levá-las para lá. Depois, vamos ter uma única secretaria por aquela circunscrição, o que permitirá afectar os recursos onde fazem falta. Para vos dar um exemplo caricato: na nossa organização judiciária de hoje, se tivermos um primeiro juízo no primeiro andar e o segundo juízo no segundo andar, o primeiro juízo pode estar sem processos, já o segundo está atafulhado deles, mas não posso pedir nem ao juiz nem ao funcionário do primeiro juízo que ajude no segundo juízo, porque a secretaria é diferente. Temos disfunções destas. É subir uma escada, subir um elevador – não é possível! Além disso, vai ser possível, a partir da entrada em vigor do mapa judiciário, dos concretos locais, daquilo que são partes de secretarias, de extensões judiciais, as pessoas enviarem os seus articulados, serem inquiridas por videoconferência e as partes em comum acordo até podem realizar lá o julgamento se houver vantagem nisso.

Ora, ao contrário do que se diz, não só as pessoas não têm de se deslocar, como passam a ter acesso a todas as especialidades, sendo que não só não tinham acesso à especialidade de trabalho da capital do seu distrito como não tinham de nenhuma outra, sobretudo os tribunais nacionais, porque as tecnologias hoje já permitem fazê-lo. Agora, passam a ter acesso a uma Justiça especializada, porque é possível fazer isso, e não a uma Justiça genérica, mais atrasada, de má qualidade e muitas vezes são magistrados no início de carreira que são colocados nesses locais e a quem se exige que seja um deus, que saiba tudo, que seja o otorrino e o cardiologista – é impossível, como é evidente.

A questão do mapa judiciário está pensada nesta lógica; isto casa com outra grande reforma que vamos fazer. Nós temos um Código que é de 1939, que já teve 43 alterações. Como podem entender, por muito consistente que seja um tronco, com 43 alterações é natural que haja disfunções. Portanto, vamos ter um Código novo, não vamos ter uma mera alteração, nem várias espécies de processos, vamos ter uma forma de processo que é adequada àquilo que o cidadão pede. As partes e o Juiz calendarizam a produção de prova e seleccionam os factos.

O que é que se passa hoje nos nossos tribunais? O processo é tão formalista, tão formalista, tão formalista, que não há nenhum advogado de defesa que não faça umas petições iniciais deste tamanho, com 400 ou 500 artigos. Eu fazia, tinha de defender os meus clientes, sob pena de descurar esta e aquela e aqueloutra formalidade. Esse modelo acabou, como acabou o modelo de levar dez testemunhas ao mesmo tempo. O que vamos ter é um processo de civil com uma forma de processo em que as partes seleccionam os factos que realmente importam apurar e não ruído.

Para saber se alguém ter a posse determinada só preciso de saber três factos: se possui, se é de forma pacífica e se é à vista de toda à gente. Não preciso de uma petição com 500 artigos para isto. Portanto, teremos uma forma de processo, as partes vão calendarizar, programar essa produção de prova, o que significa que não podem ir várias testemunhas ao mesmo tempo; os julgamentos que começam a ser adiados, tem de haver uma explicação para a acta, porque é que houve a alteração na hora; há responsabilização de todos os agentes – se a culpa é do advogado é do advogado, se é do juiz é do juiz que lá ficar.

Como vos digo, não há provas surpresas para adiar julgamentos, a prova tem de ser apresentada com os articulados, a não ser que seja uma coisa que tenha surgido supervenientemente e que seja claramente superveniente.

Mas isto já está feito, vamos ter um novo Código Civil, um novo mapa judiciário assente na especialização e, ao contrário do que dizem, em maior proximidade, porque não ter de me deslocar à capital do país ou à capital de distrito para determinadas acções, poder ser ouvido, inquirido, enviar articulados, saber como é que está o meu processo, tudo ali naquela estação, isto é trazer proximidade.

Não venham dizer que extinguir tribunais é justificar a Justiça pelas próprias mãos, porque temos 66 distritos sem tribunal e não é por isso que aí anda tudo aos tiros como no faroeste. Ouvi uma autarca dizer:”Bom, vão tirar os tribunais, vão no fundo contribuir para a desertificação do Interior. Trás-os-Montes perdeu 50% da população nos últimos 50 anos.”Fiquei com alguma perplexidade, porque os tribunais são mesmos, já lá estão há 200 anos, logo não foi isso que impediu a desertificação.

Ao contrário, há municípios como Óbidos, por exemplo, que não têm tribunal e não pára de crescer. A razão não é evidentemente esta, sobretudo quando olhamos e vemos que são cerca de 3 por mil que utilizam. Agora, a reforma casa naturalmente com o Código Civil; portanto, se as partes podem agendar a produção de prova, isto é, agendar a hora em que a testemunha vai, ninguém tem de ficar de um dia para o outro, como é evidente, porque pode agendar aquela diligência para determinada hora que permita a vinda e o regresso.

Agora, admito que esta simplificação incomode muita gente. Admito que muitos mercados no âmbito jurídico se sintam profundamente incomodados. Simplificar um Código de Processo Civil é o fim do mundo, porque as coisas passarão a ser muito mais rápidas, mais simples. As sentenças também têm de começar a ser mais simplificadas, não têm de ser uma tese doutrinária, também não vou ao exemplo dos Estados Unidos em que não pode ter mais uma letra do que o número de caracteres que está lá escrito, mas as sentenças não têm de ser tratados de doutrina, têm de fazer justiça naquele caso concreto e serem simples e entendidas pelo cidadão.

Portanto, estes dois elementos essenciais estão feitos. As alterações ao Código Penal que permitiam expedientes dilatórios estão aprovadas no Parlamento. Pode não vos dizer muito, mas diz muito para como funciona o Estado na área da Justiça, que era o drama das Custas, em que tínhamos 15 regimes aplicáveis a fazer numa conta de um processo no tribunal.

Escuso de vos dizer que os funcionários judiciais demoravam um dia, ou dia e meio, a fazer uma conta de Custas e não tenho vergonha nenhuma em dizer que a maioria de nós não sabe fazer contas de Custas, foge delas como o diabo da cruz, como é evidente, porque demoram imenso 15 regimes para aplicar. Padronizámos o regime das Custas e isso libertará milhares de horas para aquilo que interessa que é o trabalho dos funcionários judiciais no âmbito dos processos.

São milhares e milhares de horas – não podem imaginar – que se libertam. Também com estas medidas se reforma o Estado, com a simplificação dos procedimentos de que vos falava há pouco, numa área que é essencial e que é fuma função de soberania. Também fomos para os meios alternativos de resolução de litígios. Tínhamos uma lei de arbitragem de 1986, que não permitia que arbitragens internacionais tivessem aqui lugar e está publicada e já em vigor essa lei de arbitragem que é a lei modelo da Uncitral, o que significa que é reconhecida internacionalmente e que permite que se façam arbitragens internacionais em Portugal.

É uma lei já completa do que era a de 1986 que tinha de facto muitas lacunas. Temos pronto o regime de mediação: mediação pública e mediação privada. Até agora a mediação privada não estava sujeita a legislação. Entendemos que existem muitas situações problemáticas de quem faz mediação sem preparação para o efeito e, portanto, introduzimos a fiscalização na mediação privada também. Isto é muito importante, porque na mediação familiar, então, passavam-se situações muito anómalas, por assim dizer.

A mediação está pronta, a alteração dos Julgados de Paz está pronta. Também aqui quero dizer que não deixo de achar curioso que se diga que quando se extingue um tribunal a resposta é: então, nós fechamos o Julgado de Paz. Quando o Julgado de Paz é o tribunal de maior proximidade. Portanto, não me parece que extinguir seja a melhor maneira de querer o bem da população que se está a servir.

Logo, está completo, está feito. Reintroduzimos mecanismos de fiscalização de acesso ao Direito. É verdade. O Estado não pode pagar 60 milhões de euros de apoio judiciário com algumas indicações de irregularidades, para não ir mais longe, e portanto desceu imediatamente como é evidente. Instituímos a fiscalização nos agentes de execução e de insolvência; eram públicas as situações em que se apropriavam dos valores e do património dos próprios clientes e isso deixou de ser possível com a câmara dos solicitadores.

Temos um conjunto de medidas já prontas para utilizar a acção executiva. Não vai ser preciso na maior parte dos casos pôr dois processos, o que até agora era a acção declarativa e depois tínhamos que ir para a acção executiva, passa o tribunal a declarar o direito e executar o direito, a menos que haja um título executivo e vamos diminuir os títulos executivos, pois hoje é tudo título executivo, prestando-se às maiores fraudes.

Fizemos também o regime jurídico do inventário, está pronto; como sabem ele era um quebra-cabeças, são os processos que mais se arrastam nos tribunais, há processos com 20 anos pendentes de inventário. Portanto, alterámos o regime, seguiu para audição dos operadores judiciários.

Finalmente, apresentámos o Código de Insolvência que já está em vigor. Pela primeira vez, contem um processo de revitalização em que os credores públicos não podem fazer exercer os seus privilégios. O que acontecia quando uma empresa entrava em processo de insolvência, os credores públicos – Estado e Segurança Social, portanto – faziam valer os seus privilégios e a empresa ficava imediatamente sem activos nenhum e pronto, morria. A partir de agora já não, há este programa de revitalização.

O Governo aprovou por iniciativa do Ministério da Justiça uma resolução que contem os princípios que devem guiar as negociações para recuperarem as empresas, princípios da Ensol, que é uma associação sediada em Londres – isto, ninguém inventa a roda – dos principais profissionais ligados à insolvência e também à recuperação de empresas. Estamos a trabalhar com o Banco de Portugal na insolvência dos particulares. Já apresentámos e entrou em circuito legislativo um diploma para acabar com os endividamentos, sobretudo através das telecomunicações, impedindo que as dívidas cresçam, ou seja, se alguém está há dois meses para pagar, é interpelado para o fazer e se não paga o contrato caduca, porque senão a dívida continua a aumentar.

Isto não se aplica aos serviços essenciais: água, luz, etc., aplica-se a serviços instrumentais, digamos assim, aqueles que não precisamos propriamente para viver.

Havia muito mais coisas a relatar-vos daquilo que tem sido feito no âmbito do Ministério, na área da Justiça, para reformar o Estado. Fizemos uma alteração patrimonial muito grande, para que tenham ideia: num ano, só de rendas, diminuímos 6,1 milhões e vamos continuar a fazê-lo, vamos aproveitar o nosso património para o rentabilizar; não precisamos de património alheio, não vamos construir mega-prisões, temos muito espaço em estabelecimentos prisionais que são nossos, estamos a apostar decisivamente na inserção com planos para reinserir as pessoas, desde carpintarias a continuação de estudos, etc.

Não queremos que as pessoas venham cá para fora e que por falta de alternativa voltam ao mesmo, porque não tiveram nenhuma formação. Cá está, mais uma vez, a questão da formação. É uma questão nuclear dentro de todas as áreas do Estado e mesmo dentro desta área.

Portanto, no âmbito do Ministério da Justiça temos tido essa política e não foi por acaso que a Direcção Geral dos Serviços Prisionais deixou de se chamar assim para se chamar Direcção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, porque os estabelecimentos prisionais devem ser, não a escola do crime, mas o sítio onde se começa a recuperação e a reinserção. E não é isso que hoje acontece, como não é nos Centros Tutelares Educativos.

Dir-me-ão que isso é uma utopia, são palavras políticas. Havia um senhor chamado Thomas More que dizia que a utopia deixa de o ser quando as condições a que ela obstam se realizarem. E nós, já não damos a pedras e paus e portanto, já realizámos muitas utopias.

Fico agora à vossa disposição para o que perguntarem.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Muito obrigada à senhora Ministra da Justiça pela excelente introdução que fez.

Vou dar agora a palavra ao primeiro grupo, que será o grupo Azul com o André Cavadinha.

 
André Cavadinha

Muito bom dia. Em nome do grupo Azul cumprimento a mesa e em especial a Dr.ª Paula Teixeira da Cruz a quem colocarei duas questões, mas antes deixe-me dizer-lhe que foi com muito gosto que ouvimos as palavras que acabou de proferir.

Portugal atravessa uma grave crise económica e financeira, tornou-se elementar garantir a sustentabilidade do país obrigando o actual Governo à implementação de variadíssimas reformas e uma delas é a da Administração Local, promovendo a sua agilização e dinamização, e que se insere na estratégia do Governo para garantir a promoção da coesão territorial e do desenvolvimento local. Alargando as suas atribuições, competências e respectivos recursos, garante também uma boa prestação de serviços públicos.

Para tal, definiram-se certos critérios, em ordem a agregar um significativo número de freguesias, tendo já o Governo anunciado que espera poupar dez milhões de euros com esta medida. A fusão de municípios está também em cima da mesa, mas sem o carácter obrigatório a que as freguesias estão sujeitas. Assim sendo, temos razões para suspeitar que a reforma a este nível poderá atrasar-se no tempo, especialmente a um ano das eleições autárquicas que decorrerão em ambiente desfavorável sobretudo para os partidos do Governo.

Dirijo-lhe as seguintes questões: discorda deste risco? O Governo tem previsão da ordem de grandeza que essa poupança poderá atingir no futuro? Qual o valor que o Governo espera receber com a anunciada previsão feita em Maio da extinção de cerca de metade das empresas municipais, num total de 400?

Muito obrigado.

 
Paula Teixeira da Cruz

Relativamente à questão da reforma da administração local, vamos colocar as coisas como eu penso que elas deveriam efectivamente ser vistas e estão a ser vistas.

Em primeiro lugar, as freguesias urbanas não devem nem podem ter a mesma compleição – eu diria – das freguesias rurais, por razões óbvias (distâncias, equipamentos, etc.) e por isso é óbvio que a reforma que está em curso continuará a ser extremamente participada, mas que o problema quando se fala em freguesias não é tanto o problema dos montantes que se poupam, é o problema dos ganhos de eficiência.

Quando se agrega há ganhos de eficiência, essa medida não está feita. É evidente que posso dizer que ao agregar poupo no imediato dez milhões, mas o ganho não está apenas aí, tem de estar no ganho de eficiência. Estas reformas administrativas, tal como estão anunciadas, o problema no princípio era a verba. É evidente que nós temos um problema, por alguma razão estamos sob assistência financeira e é um problema muito grave.

Agora, o ganho de eficiência para as populações, esse é que é essencial. Relativamente à segunda questão, o valor das 400 empresas municipais – vamos ser muito claros –, há pouco tempo um autarca disse-me:"bom, eu tenho uma piscina e uma biblioteca municipais e ninguém as usa”.É evidente e nós sabemos, que as autarquias seguiram o exemplo do Estado que seguiu para a frente para fugir a determinados procedimentos, criou institutos, depois empresas, depois sociedades anónimas de capitais públicos e já íamos emholdings, portanto, o direito à imaginação é ilimitado e o que aconteceu na administração autárquica foi uma réplica do que aconteceu na administração directa e indirecta do Estado.

É exactamente isso que aconteceu. Portanto, os ganhos são incomensuráveis e só existirão no meu"mensurómetro”quando olharmos e virmos se há planeamento, planificação, redefinição administrativa em função disso e se as funções são adequadas, se há formação e como é que são prestados os serviços. Dando um exemplo: eu tenho duas freguesias que são agregadas, cada junta tem uma carrinha, há um número de pessoas que precisam de fazer vacinas numa cidade mais distante e outras que precisam de fazer um tratamento – isto sucede muito em todas as partes do país, como se sabe -, pois vai uma para um sítio e outra para o outro.

Ora, ganhei aí porque teria de arranjar transporte e teria de o pagar. Portanto, não há para já uma mensurabilidade, diria eu, em toda a sua extensão, há uma quantificação primeira, mas poupar e o ganho de eficiência que é mais importante e mais a melhoria do serviço terá de vir depois e por isso teremos de ser responsabilizados.

 
Duarte Marques
Obrigado. Dava agora a palavra ao Diogo Godinho em nome do grupo Encarnado.
 
Diogo Godinho

Muito bom dia. Quero primeiramente cumprimentar a mesa, em especial a Dr.ª Paula Teixeira da Cruz pelo árduo trabalho que tem vindo a realizar na área da Justiça.

Portugal tem uma grande necessidade de reformar as suas estruturas governamentais, tal é a ineficiência e a iniquidade de instâncias como a saúde, segurança, educação, investimento público, justiça, entre outros. A onda criminal no país tem-se alastrado com mais frequentes assaltos a caixas multibanco e áreas comerciais, onde os assaltantes não têm qualquer receio de usar a força bruta e explosiva de armas de fogo, uma vez que sabem que a polícia pouco ou nenhum poder tem para lhes apontar armas e disparem sem razões extremas.

Uma vez apanhados e presentes a tribunal as medidas de coacção têm a fama de serem algo leves, menos condenatórias e de fácil absolvição para com um criminoso. A minha pergunta prende-se com o seguinte: que aspectos mais importantes terão de ser valorizados numa reforma mais rígida e justa no Código Penal que deixe de aliciar as pessoas a actividades criminosas?

Obrigado.

 
Paula Teixeira da Cruz

Em tempo de crise é evidente que os fenómenos de criminalidade tendem a aumentar. Não há um aumento muito sensível nas estatísticas que nós temos, mas há um aumento de facto nalguns tipos de crimes. Agora, quero dizer-lhe que relativamente aos furtos de ATM, aos furtos de cobre, há um programa especial e uma coordenação também especial entre as várias forças de segurança e órgãos de polícia criminal no fundo.

Portanto, o Governo não esteve alheio a esse fenómeno e aquilo que fez foi articular um plano com todos os órgãos de polícia criminal, quer a nível de enquadramento, quer a nível operacional, que compreenderá que não vá aqui descrever.

Por outro lado, a verdade é que o número desse tipo de crimes violentos está a diminuir drasticamente. A par disso, o que acontece é que com a associação de bancos, naturalmente, e etc., foram tomadas várias medidas, algumas são do conhecimento público: se alguém rebentar uma caixa de ATM e tiver lá um tubo com um líquido vermelho que rebenta e mancha as notas todas, acabou. Portanto, há situações de prevenção e há de repressão, que estão em execução no que se prende com este tipo de crimes que abordou.

Relativamente à questão das medidas de coacção foi exactamente uma das medidas desta reforma intercalar, reforçando as medidas de coacção e permitindo, fazendo até uma dicotomia, isto é, distinguirem-se duas situações. Como sabemos o Ministério Público é o titular da acção penal, coadjuvado pelos organismos de polícia criminal, uns têm competência para um tipo de crimes, outros para outros.

O que acontece é que o Ministério Público continuará a ser competente para determinadas medidas de coacção que se prendem com o inquérito, mas o juiz de instrução, quando estiver em causa o alarme social, o perigo de fuga, pode determinar uma medida de coacção maior. Já tivemos este regime, depois abolimo-lo por razões que não terão sido as melhores; legislar à sombra do caso concreto às vezes é complicado e não dá bom resultado.

E, portanto, isto foi de facto muitíssimo alterado. Esta reforma intercalar, como vos disse, está aprovada. Mas quero dizer-vos que relativamente à polícia judiciária, peço-vos que olhem para a sua acção no último ano, isto é quando não se nacionalizam ou politizam as instituições. A polícia judiciária, este ano, desmontou uma fraude no SNS muito difícil de o fazer; desmontou outra na Segurança Social, a operação Monte Branco foi a polícia judiciária que fez; todos os dias a polícia judiciária apreende quantidades verdadeiramente impressivas de droga.

Ainda agora tivemos esta operação aqui na nossa costa extremamente complexa, tivemos a detenção de um gangue, muito complicada; tivemos também a detenção de personalidades em função de investigações da PJ, portanto eu penso que só temos de nos orgulhar do trabalho deles. Se olharmos para os números da PJ do último ano são verdadeiramente impressionantes. Isso significa um trabalho imenso e penso que será fácil reconhecer.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. Dava agora a palavra ao Nelson Pereira do grupo Roxo.

 
Nelson Bento Pereira

Senhora Ministra, muito bom dia, agradeço-lhe antes de mais a disponibilidade de estar aqui hoje a falar-nos e a ouvir-nos e em particular a coragem de empreender esta utopia. Para nós, jovens, não é difícil aceitar que uma utopia do passado possa ser a realidade do presente e é refrescante e inspirador para nós perceber que alguém da sua geração está preocupado com a nossa facilidade de vida futura e de a construir com uma base sólida.

Na quinta-feira à noite, a Dr.ª Leonor Beleza esteve a falar connosco sobre mérito e rigor na sociedade. À medida que a ouvia, questionei-me se podemos ter uma meritocracia em Portugal enquanto um advogado precisar de passar mais de três anos sem receber, 90% dos casos sem remuneração, para que consiga aceder à actividade profissional.

Os jovens enfrentam hoje em dia uma dificuldade extrema de acesso ao mercado do trabalho, isto torna-se estruturante, quero dizer, o emprego é básico para qualquer um de nós, especialmente em actividades liberais como a engenharia, arquitectura e advocacia, por exemplo.

Será que o facto de o regulador ter um interesse potencial financeiro na entrada destes jovens no mercado de trabalho, falo da área de engenharia, não sei como é que é em advocacia, mas em engenharia precisamos de três anos para podermos assinar um projecto de energia térmica e naturalmente durante esses anos vamos estar a fazer projectos completos para pessoas que têm mais experiência, mas não tocam nos projectos, isso eu sei de facto e são essas pessoas que decidem se precisamos dos três ou de nenhum ano para finalmente podermos assinar.

Queria perguntar-lhe se isto não é um caso de regulação não isenta.

 
Paula Teixeira da Cruz

Foi muito bom ter mencionado esse tema, porque o Governo acabou de aprovar o regime jurídico das associações profissionais, exactamente para pôr cobro a algumas situações em que se pretendia condicionar o acesso ao mercado de trabalho.

O que é que acontece perante esse tipo de situações de desemprego, a tentação das associações profissionais é fecharem-se e impedirem o acesso ao mercado dos jovens licenciados.

Este novo diploma das associações profissionais que inclui também as Ordens, obriga a que os regulamentos de acesso e o exercício dos estágios cumpram um conjunto de requisitos. Por outro lado, a situação que acaba de expor é naturalmente uma situação de má prática, digna de processo disciplinar: pôr alguém que está a aprender a assinar um projecto. Eu sei que isso se faz e não é só nas engenharias, também se faz noutras profissões.

A medicina é um bocadinho mais arriscado, mas também se faz noutras profissões. É evidente que isso só se desfaz quando há a coragem de uma denúncia. Sei o que é que significa a coragem da denúncia, significa regra geral o despedimento, é um ciclo vicioso. Nós temos de facto de mudar o ponto de vista cultural, na primeira vez que uma pessoa fizer isso e for objectivamente sancionado, sendo que agora há uma espécie de tutela da legalidade sobre as Ordens, a partir de agora as coisas tornam-se diferentes, muito diferentes. Portanto, penso que este projecto-diploma veio em boa hora, permite que as associações profissionais não andem de rédea solta vedando o acesso e não fiscalizando as más-práticas.

Porque, também não lhe escondo, muitas vezes um estagiário custa dinheiro; instalá-lo, dedicar horas a ensinar-lhe, quando se é um bom patrono. Há os que têm formalmente, que é outro problema, as pessoas também têm de ser responsabilizadas, aceitam um estagiário então são responsabilizadas por ele e são horas e horas e horas, sei bem que o são porque tive alguns como é evidente. Embora, na sociedade onde eu estava não havia ninguém que não fosse remunerado. Isso acontece muito em locais com menor poder de compra.

Obrigar a remunerar pode fazer com que nem se aceite o estágio. Lá estão as perversões. Por isso é que me parece que o sistema que havia e que não estou longe de o repristinar, mas as coisas têm ser maturadas, de obrigar os profissionais mais velhos a terem um conjunto com um número mínimo de estagiários, conforme as instalações e rendimentos que têm. É um bom caminho e é um bom sistema, mas penso que já é uma boa novidade, esta da aprovação do diploma das associações profissionais. Por outro lado, no que respeita aos jovens advogados, temos 40 mil advogados em Portugal, dos quais 27,5 mil têm a inscrição em vigor.

Temos o maior número de advogadosper capitada União Europeia. É evidente que isto conduz-nos a problemas vários. Dos 27,5 mil, 9 mil estão inscritos no acesso ao Direito. Ora, o acesso ao Direito é um serviço que deve ser prestado, o Estado deve pagá-lo com certeza, mas deve ser ocasionalmente, quer dizer a advocacia não pode viver, mais uma vez aqui, de forma regular e contínua ligada ao acesso ao Direito, porque então alguma coisa está muito errada. Deve ser sorteado, há uma lista inscrições, os que querem vão e depois é sorteado, há escalas e etc., portanto é mais uma disfunção.

Temos de começar a olhar para, aqui uma vez mais, cada um de nós enquanto parte do Estado e nas opções que faz para aquilo que é o nosso mercado de trabalho e tem o próprio Estado essa informação e as universidades têm de se preparar para dar essa informação também.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. Dava agora a palavra à Mariana Contreira do grupo Rosa.
 
Mariana Máximo Contreira

Bom dia à mesa, à Dr.ª Paula Teixeira da Cruz e a todos os presentes.

A minha pergunta vai no sentido de juntar dois conceitos que me parece pertinente juntar. Falámos em reforma do Processo Civil, falámos em diminuição de títulos executivos, no seguimento daquilo que é o programa do Governo e as linhas orientadoras deste Ministério e falámos de uma coisa que é sempre uma preocupação.

Sendo que o cidadão encerra o princípio e o fim de uma reforma seja ela qual for, a minha pergunta é: reformamos o Processo Civil, que é necessário, diminuímos os títulos executivos e como é que na prática temos uma Justiça mais célere e mais eficiente para o cidadão português? Muito obrigada.

 
Paula Teixeira da Cruz

Muito obrigada também. Como disse, em primeiro lugar passamos a ter a maioria de situações, o mesmo tribunal que declara executa o direito, já não tenho de andar a pôr duas acções, aí já tem um ganho de celeridade. Depois, reduzindo os títulos executivos, hoje tudo é título executivo, tudo; o que tem originado fraudes complicadas.

É a minha assinatura, depois ando a discutir se é a minha assinatura ou não, quero dizer, qualquer contrato hoje é título executivo e dizem que não assinaram nada, depois lá vamos à prova pericial, por isso, isso não ajuda. Portanto, reduzindo os títulos executivos ao que são os reais títulos executivos e temos depois prevista uma acção executiva muito célere.

A duração que prevemos é de três meses, como não pode haver adiamento de audiências ou diligências. Tudo isto é uma transformação. A comissária europeia para esta área, quando cá veio, a Dr.ª Vivienne Redding dizia:"Bom, com o conhecimento que temos dos vossos projectos, isto vai ser uma revolução”.Eu peço-lhe um favor, quando sair não diga à Comunicação Social que isto é uma revolução, diga que é uma reforma e mesmo assim reformar em Portugal é muito perigoso. [RISOS]

Portanto, penso que respondi à sua questão: são três meses o prazo que está previsto e há reforço dos mecanismos de fiscalização de execução e uma série de medidas que acompanham e uma nova entidade que os fiscaliza, porque a CPEE não fazia nada, fazia conferências e pronto.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. Agora, Ricardo Bacelar do grupo Verde.
 
Ricardo Bacelar

Bom dia. Desde já, queria agradecer a visita da Dr.ª Paula Teixeira da Cruz.

Numa visita recente da vice-presidente da Comissão Europeia a Lisboa, Vivienne Redding criticou a lentidão do sistema judicial português e confessou que estava na altura de planear uma uniformização do sistema judicial europeu. Passados sensivelmente quatro meses, gostava de saber se houve algum progresso ou se ficou pela ideia. Caso não tenha ficado apenas pela ideia, gostaria de saber como se vai dar esta cooperação visto que a Justiça varia de Estado para Estado e não é igual para toda a gente.

Obrigado.

 
Paula Teixeira da Cruz

O comentário que a senhora comissária fez foi relativamente àquilo que tínhamos. Terá ouvido também as declarações dela sobre aquilo que estava feito e no tempo que estava feito, isto é, fazer um Código de Processo Civil novo, alterações ao Penal, inventário, meios de alteração aos litígios, introduzir mecanismos de fiscalização de haver situações de imoralidade clara, reformar todo o regime patrimonial, tudo isto num ano, convirá que não é nada fácil.

Harmonização de sistemas: temos basicamente os países de matriz anglo-saxónica que habituámos a ver nos filmes e que não funcionam assim na realidade, nem com aquela rapidez, nem com aquela facilidade, nem com os laboratórios de investigação científica funcionam como o CSI, como é óbvio. Portanto, temos basicamente uma tensão que também acontece a nível político, temos, como eu costumo dizer, uma Europa calvinista a Norte e uma Europa católica a Sul, com culturas e por isso também os seus sistemas jurídicos são diferentes.

Agora, há objectivamente zonas de intersecção que podem ser comuns e, portanto, penso que quanto mais possível for a aproximação daquilo que for possível ser. Não desejaria para os cidadãos portugueses um sistema como os tribunais de júri americanos que são replicados nalguns países da Europa; ou medidas administrativas de polícia de restrições de liberdade individuais sem pelo menos uma intervenção judicial.

Temos nestes países situações destas, estamos a falar de países em que nem Ordens existem, quem sanciona profissionais que pisaram o risco nas normas vigentes é o tribunal, não há Ordem nenhuma. Estamos a falar destas diferenças. A Europa está neste momento a discutir o acesso ao Direito, nós temos um regime absolutamente garantístico, não o pode ser mais, a proposta de directa ficará com certeza aquém do nosso regime. Mas naquilo que puder ser comum há toda a vantagem que assim seja, tanto que nós não temos nenhuma directiva em atraso para transpor, se isso diz alguma coisa.

O que significa que, no que nos diz respeito, tudo o que é possível aproximar vamos aproximar e uma das que vai gerar maior celeuma é aquela que se relaciona com a referenciação da pedofilia, que vamos naturalmente transpor.

 
Duarte Marques
Obrigado. De seguida, temos o Nuno Montalvão do grupo Amarelo.
 
Nuno Montalvão

Muito bom dia a todos. Antes de mais, queria cumprimentar a mesa e em especial a Ministra da Justiça pela brilhante palestra que nos deu.

Creio que é consensual a urgente necessidade de reestruturar o nosso sistema de Justiça, uma vez que todos temos consciência da sua falta de celeridade, falta de eficácia e do sentimento por parte dos cidadãos das profundas desigualdades com que este se reveste, levando muitos a considerarem, como a Ministra disse, que há uma Justiça para ricos e outra para pobres.

Como é óbvio, tal provoca uma espécie de descrença nas Leis e na sua respectiva aplicação, fragilizando assim a imagem do Estado. No que respeita ao combate da criminalidade, importante vector na correcta e justa realização da Justiça, deparamo-nos actualmente com o importante desafio, em especial que contente o combate ao crime organizado.

A minha questão é a seguinte: que meios tem o Estado português para investigar, seguir e condenar este tipo de crimes? A solução passará por potenciar o investimento em recursos humanos qualificados e prestando este auxílio aos órgãos de polícia criminal e ao Ministério Público, ou pelo contrário a solução passará por agravar as molduras penais reprimindo mais este tipo de crimes?

Muito obrigado.

 
Paula Teixeira da Cruz

Muito obrigada pelas palavras que me dirigiu. Respondo a estas questões que são mesmo cruciais mesmo com muito gosto e digo porquê. Porque, em primeiro lugar, das primeiras coisas que fiz quando iniciei funções foi pedir à senhora directora do DCIAP que estará convosco aqui hoje, que me dissesse do que é que precisava porque o Ministério Público foi muito mal tratado nos últimos seis anos, quer ao nível de meios, quer ao nível de articulações com as polícias e em função das próprias intervenções das tutelas.

Por outro lado, foi possível uma articulação muito boa entre o DCIAP e a PJ, ou seja, o Ministério Público e a Polícia Judiciária. Foi preciso consertar pontas porque no judiciário cada um estava para seu lado, não há como dividir para reinar e, portanto, foi preciso dotar o DCIAP de alguns meios tão simples quanto um tradutor, que não tinham. Por outro lado, há criminalidade extremamente organizada, sobretudo a económica que exige uma preparação grande.

Preparámos já dois protocolos com o Banco de Portugal e a CMVM para fazer magistrados que investigam crime económico, pois também aqui é necessário introduzir a especialização para fazer formação e auxiliar o DCIAP como peritos neste tipo de criminalidade. São dois protocolos que estão feitos, vamos já assiná-los e os meios postos à disposição do DCIAP já lá estão, como creio.

Aliás, a senhora Procurador-Geral Adjunta já o disse publicamente, que a história tinha sido esta, numa entrevista que deu. Só fiquei muito admirada porque não pensei que era um membro de um Governo que se tinha de preocupar com isto, pensei que eram os serviços, mas penso que não, que temos de ser nós responsáveis pela disfunção toda que se criou naquele sector, exactamente a impulsionar.

Por outro lado, um dos investimentos que estamos a fazer é na sede e no laboratório de investigação científica da PJ, bem como na base de dados de ADN, como é evidente. Conseguimos abrir um concurso para reforçar os efectivos da PJ que estão muito abaixo do quadro, a formação que têm é boa, têm uma boa escola e, portanto, são basicamente estas as questões que fizemos.

Isto vai, naturalmente, além destas terapias, digamos, de choque e de imediato, vai a par com a alteração do Código Penal e de Processo Penal. Aumentar as molduras para esses crimes, elas já estão francamente lá em cima. Normalmente, esses crimes são cometidos em cúmulo e portanto atingem muito rapidamente o máximo.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. Dava agora a palavra ao Tiago Fiúza do grupo Bege.
 
Tiago Fiuza

Muito bom dia, Dr.ª Paula Teixeira da Cruz e ilustre colega.

O tema da criminalização do enriquecimento ilícito tem tanto de actual como de controverso atendendo à disparidade de posições entre os vários partidos do arco da governação. A oposição tem sido contra a sua tipificação, do mesmo modo que penal e constitucional, ao invocarem que tal ultrapassaria a presunção de inocência do arguido, onerando com a prova de que determinado rendimento foi obtido por meios ilícitos.

Na minha opinião, todos os portugueses beneficiariam com esta medida e costumo dizer que quem não deve não teme. De que forma é que acha que conseguiremos alinhar a salvaguarda dos interesses dos suspeitos arguidos com o interesse do público em geral? Ou seja, a pergunta será: como pensa ultrapassar o obstáculo criado pelo Tribunal Constitucional?

 
Paula Teixeira da Cruz

Queria começar por dizer que o Tribunal Constitucional não disse que havia inversão do ónus da prova, basicamente não disse. Aquilo que o tribunal vem enfatizar é a questão de qual é o valor ou tutela, posta em causa. Creio que dei há pouco um exemplo, muito claro, em que há situações que só são cobertas pelo enriquecimento ilícito.

Mais, a tese do Tribunal Constitucional é de que haveria um outro crime com base, etc., mas não é verdade e o exemplo que eu dei deixa-o claro, mas é a teoria do Tribunal Constitucional. Relativamente à oposição: dentro da coligação não houve oposição ao enriquecimento ilícito, aliás, senão não teria sido apresentado como foi na Assembleia pelos grupos parlamentares.

E nem toda a oposição estava contra: o PCP e o Bloco de Esquerda não estava contra, apenas o PS e eu percebo. Agora, para voltarmos à questão é uma questão de tecnicalidade mais simples do que parece, porque de facto se esta formulação já não o próprio Tribunal considerou que não havia inversão do ónus da prova, então a tecnicalidade é mais fácil de conseguir agora em termos de delimitação da norma.

Mas, deixem-me dizer-vos também uma coisa: acho extraordinário que os crimes tributários estejam cheios de inversão do ónus da prova. Lembro-me pelo menos assim de rajada uma meia dúzia e ninguém levanta o problema. Isto é, quando a matéria é fiscal e tributária não há problema nenhum do ónus da prova, há inversão dela a cada passo – o contribuinte é que tem de mostrar isto, é que tem de mostrar aquilo; isto é inversão do ónus da prova. Aí, não vejo ninguém gritar ao lobo, mas o enriquecimento ilícito incomoda não é?

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques
Obrigado. Temos a seguir o Vítor Fonseca do grupo Cinzento.
 
Vitor Manuel Fonseca

Muito bom dia. Falou-se aqui de reforma de Estado, senhora Ministra, permita-me que fale de reforma de Justiça que deve ser a par da reforma fiscal, aquela de que todos gostam de falar, mas que poucos fazem.

Relembro o actual Código Penal que parece que feito a reboque de um processo mediático. Desta vez, consigo, parece ser diferente; assim, gostava de lhe perguntar e tendo em consideração especificamente o crime económico que mina a nossa sociedade e parece que está sob um manto de impunidade, pois nós sabemos de muitos crimes económicos, vemos todos os dias na televisão, mas parece que depois têm pouco sucesso na hora da verdade, digamos assim.

Não será útil aumentar as vagas no acesso ao CEJ e especializando juízes para este tipo de criminalidade que normalmente é altamente organizada e, já agora, que outras medidas estão a ser feitas para o combate em concreto deste crime económico, porque estamos numa época de crise e contenção e parece que alguns não a fazem, têm alguns subterfúgios que depois temos todos nós de pagar.

 
Paula Teixeira da Cruz

Muito obrigada também pela questão que me coloca. Em primeiro lugar, a impunidade que rodeia ou rodeava o crime económico prendia-se muito com os tais expedientes dilatórios que foram objecto desta reforma intercalar do Processo Penal.

Por alguma razão, avancei com ela de imediato, não esperando por uma reforma mais sistematizada que faremos porque o Código de Processo Penal está também cheio de alterações e remendos, sobretudo por via directiva no que respeita aos crimes do Ambiente. Portanto, vai ser preciso sistematizar para ver de uma vez por todas se não andamos a mudar de leis e a ver se elas casam umas com as outras, se são claras, perceptíveis e justas sobretudo.

Relativamente ao crime económico há um primeiro passo que é dado já com esta alteração. Por outro lado, reforçámos e abrimos ainda agora um concurso para a Polícia Judiciária, como sabem é muito difícil abrir neste momento; reforçámos a Unidade contra a corrupção da PJ; e temos estes protocolos com o BP e com a CMVM para fazer a formação e auxiliar na peritagem. Por outro lado, a directora do CEJ tem indicações específicas de nos cursos que vai começar a administrar de cursos de especializações, ser um dos primeiros imediatamente. Embora lhe diga que não é ninguém gosta de ver alguém em reclusão num estabelecimento penitenciário, mas também é uma pergunta que lhe deixo.

Há quantos anos não víamos algumas pessoas que vemos sentadas nos bancos dos réus, ou sujeitas a medidas de coacção?

 
Duarte Marques
Obrigado. Ângelo Santos do grupo Castanho.
 
Ângelo Santos

Bom dia a todos, dirijo um especial cumprimento à senhora Ministra e agradeço o esclarecimento que fez acerca da reforma judicial no Interior que tanto me elucidou.

Recentemente, um estudo da consultora Price Waterhouse Coopers concluiu que há uma relação inversamente proporcional entre o número de advogados de um país e a eficiência e celeridade associados ao desenvolvimento económico. Tem a tutela e competência para limitar onumerus claususnas universidades públicas e no sector privado o que fazer?

 
Paula Teixeira da Cruz

É uma pergunta mais dirigida às universidades no âmbito da autonomia universitária, mas dar-lhe-ei a minha opinião: penso que terminado o ciclo de estudos que antecede a entrada nas universidades, estas deviam ser obrigadas a prestar informação sobre o mercado de trabalho da área que é escolhida por cada candidato à universidade.

Penso que isso era absolutamente crucial, assim como as escolas politécnicas o deviam fazer. Depois, relativamente às universidades privadas é um problema de fiscalização, exclusivamente. Mas, connosco, o que se tem passado sistematicamente é de facto um problema de fiscalização. Nós, num caso ou noutro, até temos leis acertadas, mas depois falha a fiscalização.

Não há a tal programação, daquilo que deve ser a actividade e as funções e como é que se deve potenciar, etc., portanto, as privadas é uma questão de fiscalização. Sou contra a questão donumerus claususe digo-lhe porquê. Porque sou muito contra qualquer restrição ao acesso à liberdade, seja ela qual for e, portanto, acho que as pessoas devem ter, por muito risco que corram, o direito à liberdade de escolherem um caminho profissional, têm é de estar cientes do risco, mas essa liberdade devem ter. Agora, limitar o acesso penso que é restringir a liberdade. Eu posso até escolher um caminho de pedras, mas é a minha escolha.

Se eu quiser ser músico, numa altura destas, ou quiser ser actor de teatro, ou quiser ser jornalista, ou advogado, sei que tenho muitas dificuldades em encontrar trabalho, bom, mas isso agora acontece até em todas as áreas, mas há áreas em que acontece particularmente. Penso que a formação deve estar lá e depois a escolha deve ser a liberdade. Preservar sempre a liberdade.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. André Morais do grupo Laranja.
 
André Filipe Morais

Obrigado, Duarte. Começo por dirigir um cumprimento breve à senhora Ministra e agradecer a sua presença aqui.

Passava directamente à questão que gostaria de lhe colocar: a senhora Ministra preocupa-se com as forças dissonantes que se têm levantado contra as reformas anunciadas, nomeadamente estas forças no médio e no longo-prazo poderão pôr em causa a viabilidade e a durabilidade destas reformas tão importantes?

Se sim, de que forma é que manifesta a sua preocupação?

Muito obrigado.

 
Paula Teixeira da Cruz

Muito obrigado também pela sua questão que é importante. Não tenho sentido contestação em relação às reformas, ao contrário, tenho sentido por parte de todos os operadores judiciários um grande entusiamo e uma grande participação.

Acredito que nunca houve participação nas reformas que estão a ser feitas como houve agora. Eu tenho por hábito enviar todos os projectos a todos os profissionais forenses, às vezes até despachos, que em princípio não havia esse hábito. Porquê? Porque quem está no terreno, quem estuda, quem pensa o judiciário pode antecipar, às vezes há pormenores, como por exemplo as Custas de que vos falei.

Qual era o cidadão que podia imaginar que nós tínhamos um sistema em que demorávamos um dia e meio, quando não dois, para calcular a conta num processo e o que isso significava de atraso nos processos. Portanto, às vezes há coisas que parecem pequenas, mas não são, são grandes e ajudam o sistema a funcionar.

Devo dizer que tem havido uma participação muito grande, em todos os grupos de trabalho têm estado todos os operadores judiciários, todos! Há grupos de trabalho, vão para audições e estamos sempre de acordo, como é evidente, mas há muita coisa que tem sido acolhida e que vem por parte dos profissionais forenses e sugestões de muita valia. As decisões participadas evitam-nos muitos erros.

É evidente que, como é público, há uma excepção, mas não vou dizer que isso tenha algum significado, porque continuo o meu relacionamento com a Ordem como tenho de continuar e o resto é o resto, quero dizer, nunca ninguém me ouviu responder, ninguém pode dizer. O único sítio onde falei sobre a falta de cooperação da Ordem dos Advogados foi no congresso da Ordem, onde fui vivamente aconselhada a não ir.

O senhor bastonário escreveu depois um texto muito interessante que diz:"Uma derrota estimulante: errei ao convidar a Ministra da Justiça, errei quando a Ministra foi aplaudida de pé pelos advogados, errei quando a Ministra saiu sem se despedir, errei quando as conclusões dos advogados vão de encontro à política servil e estadista da Ministra da Justiça.”

Resultado: anda o batalhão todo de passo trocado.

Portanto, não tenho sentido da parte de todos os profissionais forenses e como vê não pode observar uma guerra episódica, não tem a guerra de sindicatos que tinha há um ano atrás, nem a polícia de greve, nem os guardas prisionais de greve. Há neste momento uma consciência no judiciário de que ou nos salvamos todos, no bom sentido, e ajudamos o país, ou não.

Logo, há consensos que se formaram; de resto, as pessoas não pensam, nem eu penso, o sistema de Justiça desde hoje. Li-vos ali, porque achei graça, rememorar 2009 e hoje estamos a fazer isso, até a questão de estarmos com equipas nos tribunais tributários a acudir às pendências que aproveito para dizer que não são um milhão e 700 mil como o PS escreveu no memorando.

Um milhão e 700 mil é o número total de processos que existem nos tribunais, que se eliminássemos ficávamos sem nenhum processo no tribunal; é preciso distinguir pendentes de atrasos.

Estamos muito longe de ter um milhão e 700 mil; nada disso e felizmente estamos muito próximos de abater 100 mil, esses sim, atrasos neste período de tempo naturalmente com a ajuda da magistratura, era impossível se assim não fosse.

 
Duarte Marques

Muito bem. Muito obrigado.

A senhora Ministra respondeu muito rapidamente às perguntas que tínhamos sorteado e agora temos a oportunidade de termos um"Catch the Eye”, já temos algumas inscrições.

Gostava de dar já a palavra ao Marco Narciso do grupo Cinzento. Pedia-vos que estejam perto do microfone e não façam mais do que uma pergunta, se faz favor, e sejam rápidos para darem oportunidades aos outros. Obrigado.

 
Marco Ribeiro Narciso

Boa tarde. Excelentíssima senhora Ministra da Justiça, Dr.ª Paula Cruz, pretendia saber a sua opinião sobre duas coisas.

Uma delas é a inversão do ónus da prova, a criminalização do enriquecimento ilícito, mas vou-me concentrar numa coisa que acho que ainda não foi abordada que seria a defesa da privacidade desses indivíduos. Nestas coisas em particular, como sou da área da Saúde, sou um leigo, mas imaginemos um presidente de uma Freguesia pessoa isenta e eticamente irrepreensível. Ele ganha o euromilhões. Não é obrigado a declarar isso, não existe qualquer tipo de registo dos dados do cidadão e o resto das pessoas não precisam de saber que ganhou o euromilhões.

Imaginando que venha a existir a suspeita de que aquela pessoa estaria a viver acima das suas posses, comprando carros, por exemplo, acredito que provavelmente terá de haver uma investigação formal.

Teoricamente, a partir do momento em que se soubesse que a pessoa ganhou o euromilhões deixaria de haver suspeitas. Porém, havendo suspeitas, do ponto de vista social e de carreira política aquela pessoa em particular vai estar marcada. Como é que conseguimos defender este tipo de coisas, tendo em conta que logo à partida existirá a inversão do ónus da prova?

Como é que nós vamos conseguir defender a privacidade destas pessoas?

 
Paula Teixeira da Cruz

Quanto à questão do euromilhões, a pessoa tem de declarar e, portanto, a questão morre por aí. É mesmo obrigada a declarar e vê-se de onde é que vem o fluxo financeiro. Logo, a questão nunca se poria com um exemplo desses. Não há inversão do ónus da prova na fórmula que foi enviada; como digo, basta lerem o acórdão do tribunal para verem que para eles o problema não é esse, esse foi ultrapassado de facto.

Se me falar em sistemas que contendem com a privacidade da vida de todos nós, não pode encontrar pessoa mais avessa a isso do que eu, mas o enriquecimento ilícito não é isso. O enriquecimento ilícito passa, em primeiro lugar, pela responsabilidade de titulares de cargos políticos como é evidente e quem exerce esses cargos tem especiais responsabilidades de transparência, tem de ter, assim como entendo que tem de ser exemplar, referencial, porque se alguém não se revê nos seus dirigentes, está aberta a porta para tudo.

Agora, é óbvio que entendo que há mecanismos de aperfeiçoamento de sigilo profissional e limites de acesso que hoje não existem, os limites de acesso nas leis fiscais a determinados movimentos, por exemplo com cartões. Ninguém tem de saber se eu tomo o comprimido A, B, ou C. Hoje isso já é possível, já é possível há uma série de anos.

Porque é que alguém há-de saber que estou a fazer um tratamento a uma doença qualquer. Isso já é entrar na privacidade. No âmbito da área fiscal temos uma série de situações em que isso é possível e nunca ouvi ninguém, salvo umas vozes isoladas, suscitar o problema. Só o enriquecimento ilícito é que incomodou tanto, tanto, tanto. Vai incomodar o enriquecimento ilícito e se eu puder vai incomodar a questão das acusações por crimes praticados no exercício das funções, exactamente porque quem dirige deve ser referencial; não estou a dizer que deve ser santo, mas que deve ser referencial enquanto dirigente.

Portanto, é óbvio que há vários mecanismos que nos defendem em termos de protecção de dados, na nossa legislação isso existe, mas no campo fiscal é a área menos protegida já há alguns anos.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. Dava agora a palavra ao Miguel Rainha do grupo Bege.
 
Miguel Barroso Rainha

Muito obrigado. A minha questão é muito breve e queria felicitar a senhora Ministra, é uma honra poder fazer-lhe esta pergunta.

De que forma poderá a Justiça portuguesa contribuir para que os esforços dos portugueses possam ser compensados, ou seja, para que eles vejam que os seus esforços não são em vão.

Muito obrigado.

 
Paula Teixeira da Cruz

O que a Justiça portuguesa pode fazer é bem simples.

Admito que até agora tivéssemos leis-medida, isto é, leis feitas sob medida, alterações sobre alterações, disfunções, falta de formação, etc., mas penso que com a simplificação que vamos introduzir, a Justiça tornar-se-á compreensível para o cidadão, com a eliminação que vamos fazer de um conjunto de expedientes, tornado as leis claras, perceptíveis, punindo a litigância de má-fé que é outra coisa que já está, já foi aprovada e está em vigor o seu reforço.

Portanto, uma Justiça que é assim e que tenderá a ser mais rápida, mais célere, mais responsável, obviamente que ajudará a captar o investimento, é dito, é sempre um dos indicadores também, que a imprevisibilidade e a demora da Justiça em Portugal inibem o investimento. Tenho muitas dúvidas sobre isso, porque não temos uma demora muito superior a França, ou Itália, portanto tenho receio de algumas abordagens um pouco económicas, digamos assim.

Mas em todo o caso, o sentimento de ser feita Justiça com uma legislação simples, por alguém preparado, a quem se reconhece como potência para o efeito, sem expedientes, no fundo isso é Justiça, fazer Justiça e ter um sistema de Justiça. É isso que eu espero com que fiquemos muito rapidamente.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. Bruno Mendes do grupo Azul.
 
Bruno Ricardo Mendes

Bom dia, senhora Ministra. É, desde já, um prazer escutá-la.

Por interesse pessoal e profissional deixava a seu ofício a seguinte questão: considera que a génese do crime em Saúde e eventualmente farmacêutico foi mitigada por uma anterior morosa e utópica investigação judicial, pelo actual cenário económico e de restrição do sector da actividade pelo crescimento em complexidade da estrutura organizativa do mesmo, ou porventura por ambos?

Muito obrigado.

 
Paula Teixeira da Cruz

Era preciso conhecer a investigação e eu não conheço. Ainda bem que não conheço, dada a teoria de separação de poderes, para responder integralmente à questão que fez o favor de me colocar.

Aquilo que penso é que esta investigação e este tipo de investigações são muito, muito, complexas, todavia foi feita num tempo recorde. Porque de facto esta alteração poderá parecer que não, mas a alteração de ambiente entre órgãos de polícia criminal, o próprio Ministério Público, é muito importante para potenciar eficiências e sabem perfeitamente que não haverá ninguém que vá a nível político sancionar funções para que o judiciário fique mal.

Portanto, nesse caso creio que foi de investigação e cooperação exemplares, com o Ministério Público. Relativamente ao mais, não penso que a opacidade do procedimento, ou procedimentos, que estão ainda instalados – não se consegue mudar tudo num dia, claro – naturalmente dificulta sempre, não é? Mas não terá sido, aí, decisiva.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. Vasco Touguinha do grupo Verde.
 
Vasco Teles Touguinha

Muito bom dia. Falou há pouco da aprovação de um diploma para mudar, por exemplo, a Ordem dos Advogados.

O que aconteceu o ano passado pode provavelmente acontecer também este ano, porque a entrada em vigor do diploma não virá em tempo útil. Corremos o risco de voltar a existir a uma omissão por parte do Ministério da Justiça em relação à Ordem dos Advogados. Estatutariamente eles estão obrigados a abrir dois cursos de formação e só vão abrir um em princípio.

Uma outra questão. A meu entender, e é de conhecimento público, existe uma entidade para avaliação e acreditação dos cursos, a A3ES, a quem competente ir à instituição ver se o curso é bem leccionado, se o plano de estudos está correcto, enfim, se preenche todos os requisitos.

Se temos uma entidade que nos diz:"sim, este curso está creditado”, como é que continuamos – e falo no meu caso novamente, licenciado em Direito e muitos outros que estão a licenciar-se neste momento, quer em públicas quer em privadas – a ser atacados, que não temos mérito, que antigamente é que era bom pois hoje só têm quatro anos em vez dos cinco.

O plano de estudos é praticamente igual, apenas mudaram uma disciplina anual para duas semestrais e se virmos bem está apenas dividida pelo nome, pois o plano de estudos é o mesmo.

Depois, também quanto a esta fiscalização, como é que acha que além desta entidade se pode fiscalizar melhor.

Muito obrigado.

 
Paula Teixeira da Cruz

Relativamente à omissão do Ministério da Justiça perante a Ordem, não há nenhuma omissão, porque neste momento nos termos legais é absolutamente impossível o Ministério da Justiça interferir no que quer que a Ordem faça. É absolutamente impossível, não há sequer tutela de legalidade.

Pronunciar é uma coisa, fazer algo que tenha consequências é outra. Até lhe digo como é que nos pronunciámos depois de forma bem directa. Não existe neste momento nenhum diploma que permita o Ministério da Justiça interferir na Ordem dos Advogados, portanto não podemos fazer nada.

Mas podíamos fazer de outra maneira: em primeiro lugar, a Ordem dos Advogados era a única a ser financiada pelo Estado, o que eu considero um escândalo, porque nenhuma outra Ordem é. Para que tenham ideia, só em 2010/2011 foi para o órgão executivo da Ordem dos Advogados um milhão e 700 mil euros das taxas de Justiça, porque havia uma portaria que tinha sido assinada pelo meu antecessor que menciona o acordo e uma parte das taxas passou a ir para a Ordem e eu pergunto porquê? Aliás, todas as outras Ordens começaram a dizer:"também queremos”.

Mas deixámos um contributo para a formação, o que levou de resto o conselho geral da Ordem reagir dizendo que o Ministério da Justiça não se podia imiscuir na autonomia da Ordem dos Advogados. Naturalmente que não era imiscuir, o Ministério da Justiça financia a formação dos magistrados, quer do Ministério Público, quer dos Procuradores.

Portanto, era um sinal já que por delegação também pública, havia uma verba para formação, como acontece com a Câmara dos Solicitadores. Imediatamente, a Ordem considerou uma intromissão, só que com o diploma nós não podíamos sequer pedir as contas do dinheiro que ia para lá. Antes da aprovação deste diploma.

Porque o Tribunal de Contas entendia que o regime das Ordens profissionais, o anterior a este, só se aplicava às Ordens constituídas depois da sua entrada em vigor, ou seja, só à Ordem dos Psicólogos. Portanto, não havia maneira nenhuma de o próprio Ministério saber como é que estava a ser aplicado o dinheiro pela Ordem.

A partir de agora deixa de ser possível, porque há lá uma normazinha no diploma que diz claramente que se aplica a todas as instituições, incluindo o controlo do Tribunal de Contas; sabermos o que se passa, porque onde há dinheiros públicos tem que haver prestação de contas, como é evidente.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. Luís Teixeira do grupo Rosa.
 
Luis Teixeira

Obrigado, Duarte. Saúdo a Ministra pela sua presença e pela excelente intervenção que nos trouxe aqui hoje. Há umas semanas atrás, vi na Comunicação Social um caso de um jovem que destruiu a sua vida por completo por ter assassinado à queima-roupa o seu pai, o jovem foi obrigado a isso – continuava a notícia – pela morosidade da Justiça – que já falámos aqui – porque a sua mãe já tinha pedido o divórcio, já tinha reportado à polícia, várias vezes, situações de maus-tratos, violência doméstica, maus-tratos aos irmãos e a situação continuava.

O jovem, farto, e numa situação até de desespero foi obrigado a fazer justiça pelas próprias mãos. Casos destes são uma constante, poderia ter referido há uma semana, ontem, ou mesmo hoje. Perante isto, a minha pergunta é: até que ponto de facto o cidadão sente que pode contar com a Justiça para fazer uso dos seus direitos.

Não concordo com a justiça pela próprias mãos, mas até que ponto podemos combater estes casos para que não continuem a crescer como têm vindo a crescer nos últimos tempos.

Obrigado.

 
Paula Teixeira da Cruz

Não comentarei o caso em concreto, porque não o conheço em toda a sua dimensão. Além de não comentar casos concretos, podia correr o risco de dizer uma série de inverdades e por isso não o comentarei em concreto.

Em todo o caso, como digo, acabámos de fazer uma proposta aprovada no Parlamento que põe termo a expedientes dilatórios e, portanto, teremos uma Justiça Penal muito mais célere. No caso que expôs parece não ter havido nenhum processo, é um problema de intervenção de autoridades, de forças de segurança, não é? Portanto é uma questão diferente, não tem propriamente a ver com a morosidade da Justiça, mas eventualmente o que parece é ter a ver com a intervenção das forças de segurança.

Agora, isso não justifica nunca que se faça Justiça pelas próprias mãos, embora quando isso acontece em determinados casos e por aquilo que descreve, enfim, aproximar-se-á muito de um caso desses haverá naturalmente atenuantes, ou pode até ter havido legítima defesa de terceiros/alheia, não sei, não tenho o domínio do processo, mas esses casos são depois contextualizados, não são tratados como um caso que não tem especificidades.

Estou muito esperançada que de facto esses expedientes dilatórios melhorem a situação, como agora já sabem que recorrer não prescreve, vamos ter de facto uma Justiça mais célere.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. José Miguel Simões do grupo Amarelo.
 
José Miguel Simões

Muito bom dia a todos. É um prazer enorme ter a oportunidade de fazer uma pergunta a tão ilustre convidada e é também um orgulho porque a sua coragem demonstra muito da coragem deste Governo e por isso queria fazer uma pergunta que acho que também merece uma resposta com muita coragem.

É o seguinte: sabemos todos que a responsabilidade política dos nossos políticos existe só, ou muito em parte, nos dias de eleições. O que gostava de perguntar, em jeito de comentário da senhora Ministra, era se não teremos oportunidade de ver outro tipo de responsabilidade, como sendo criminal, económica, civil, e até que ponto é que, se hoje já tivéssemos essa responsabilidade no passado, outros políticos, outros Governos, não teriam também tido outro rigor na governamentação, não teriam tido outra atitude face ao país e, hoje, se calhar não estaríamos nesta situação.

Muito obrigado.

 
Paula Teixeira da Cruz

Muito obrigada também pela possibilidade de falar sobre esse tema que me é caro. A questão da responsabilidade criminal dos titulares de cargos políticos tem de ser vista naturalmente com muito cuidado.

Sou, pessoalmente, uma defensora dessa responsabilidade, como sou doutras, a civil e criminal; já tive a responsabilidade de dizer que não sei porque é que se um dirigente comete um crime há-de ter um regime diferente de um cidadão comum, um regime de escutas diferente do cidadão comum, por exemplo. Estava naquele cargo, cometeu um crime, é investigado, como é outro qualquer e pronto. Portanto, nesse aspecto sou francamente favorável à responsabilidade criminal civil dos titulares de cargos políticos. Ela já existe indiciariamente numa lei que, salvo erro, não tenho a certeza, é a lei nº 3/81, mas é indiciariamente, porque é sobre autorização de despesas não autorizadas. E, portanto, essa lei é muito pouco.

Já existe responsabilidade, naturalmente, civil, criminal, já querer analisar a responsabilidade política parece-me correcto, parece-me necessário, mas sem cair em populismos. Isto é, tem de ser tudo muito claro para que isto às tantas não se transforme em ninguém qualquer dia queira exercer. Já hoje ninguém quer exercer cargos políticos que tenham alguma valia, qualquer dia não teríamos ninguém disposto a tal.

Portanto, sou uma defensora e acredito intransigentemente no que respeita à condução daquele Ministério, lembro-me que das primeiras coisas que fiz foi sentar-me desanimada quando o secretário-geral a 21 de Junho me disse que não havia dinheiro para pagar salários e a segunda que cancelava o tribunal da Maia. Foi encerrado no dia da tomada de posse do Governo, sem nenhumas condições para albergar um tribunal e outras coisas que por lá se passaram e seguem os seus trâmites.

Logo, estou naturalmente muito, muito, muito aberta a esta responsabilização, mas não ignoro que ela tem de ser feita com muito cuidado para não cairmos no extremo oposto, isto é, cada vez que alguém quer criminalizar alguém põe-lhe um processo-crime, destrói-lhe a imagem e pronto. Claro que há casos, embora na minha opinião já é até possível através da figura da gestão danosa, mas a questão é altamente discutível. Por isso, na minha opinião enquanto juíza a gestão danosa já cobre essa situação, porque é nesse caso que deve ser usada, ou nos casos em que, por exemplo, há despesas pessoais pagas com o cartão do Estado.

Se me perguntarem se devem ter responsabilidade por isso, penso que devem ter responsabilidade reintegratória. Na minha opinião: sim, com tudo muito tipificado para que não haja depois aquele jogo fácil que é alguém interpor um processo-crime contra alguém mesmo que destituído de fundamento.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. Ana Lúcia Prior do grupo Verde.
 
Ana Lúcia Prior

Muito obrigada, Duarte. Bom dia, senhora Ministra, agradecer-lhe primeiro os preciosos esclarecimentos que hoje trouxe.

A minha questão é a seguinte: considera que para garantir uma investigação mais transparente, o cargo de Procurador-Geral da República devia ser de nomeação independente do poder político, por forma a garantir uma maior imparcialidade?

Muito obrigada.

 
Paula Teixeira da Cruz

Penso que essa questão se coloca da seguinte forma: pelo poder político será sempre; o Presidente da República é um órgão político, a Assembleia da República é um órgão com funções legislativas, mas não deixa de ser um órgão com funções políticas e o Governo também tem funções políticas.

Não vejo aliás que método de designação que não passasse pelo Presidente ou pela Assembleia. A politização do Ministério Público não vem tanto da forma como é designado, mas como em tudo e sempre, de duas coisas: da forma como o Ministério Público está estruturado, portanto é novamente uma questão legislativa e por outro lado do perfil de quem o exerce. Eu posso ter a forma mais independente, até podia ter o Procurador-Geral da República eleito, mas ele depois podia na mesma exercer a sua função de uma forma politizada.

E grande parte dos problemas e da politização vem também da hierarquia.

De resto, tenho já dito, por várias vezes, que gostaria de deixar o Ministério Público com uma autonomia semelhante à da magistratura judicial seguindo muito de perto as recomendações do Conselho da Europa nesta matéria. Portanto, temos um problema de edifício legislativo, embora ache que não é pelo actual sistema que vem a politização do Ministério Público.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. Inês Santos do grupo Encarnado.
 
Inês Madeira Santos

Cumprimentos à mesa, em especial à senhora Ministra. Vou aproveitar para lhe desejar as maiores felicidades e a continuação de bom trabalho no Governo, uma vez que a minha pergunta tem a ver com a criminalização dos políticos e já foi respondida.

[APLAUSOS]

 
Paula Teixeira da Cruz
Muito obrigada também.
 
Duarte Marques
Segue-se a Cátia Tavares do grupo Laranja.
 
Cátia Vanessa Tavares

Bom dia a todos. Dr.ª Paula Teixeira da Cruz, muito obrigada pela sua presença.

É sabido que é a favor da liberalização das drogas e diz também que o"fruto proibido é o mais apetecido”. Se eu tiver hábitos regulares de drogas, a senhora acha que é pela liberalização e pela criação de salas de chuto que eu reduzirei o meu consumo?

Gostava de dizer que isto é apenas umcase studye eu sou a favor da liberalização, mas gostava de receber uma explicação acerca da sua opinião.

 
Paula Teixeira da Cruz

Muito obrigada também. É um tema muito, muito interessante, sobre o qual penso que se olharmos para a Grande Depressão de 29 e o consumo de álcool percebemos tudo.

Isto é, a criminalidade organizada aumentou em torno da proibição do álcool e, portanto, ao lado do problema do gangsterismo e do alcoolismo tivemos este aumento exponencial de criminalidade. O que penso é que se a droga for liberalizada acaba o crime organizado de altíssima complexidade, penso que acabam crimes menos graves que estão associados à dependência de drogas, porquê? Porque as pessoas como é proibido, é mais caro, não têm dinheiro, começam primeiro a furtar em casa, depois a furtar residências; o percurso é muito conhecido.

Portanto, aí prefiro que seja liberalizado, acompanhado, vigiado e que haja naturalmente uma rede de tratamento. Das coisas que mais me impressionou e fiz questão de lá ir no dia Natal, porque achei heróico a ala no Estabelecimento Prisional de Lisboa dos reclusos que estão a fazer recuperação da toxicodependência, alguns "a frio” – para os que se interessam por este tema perceberão o horrível e doloroso que é – e estão a conseguir.

Por isso, penso que proibir está demonstrado que não ajuda; ela entra na mesma, é exactamente igual ao álcool da crise de 29 e cria fenómenos de crime associados. Essa é a razão pela qual não sou tanto pela liberalização, mas sim pela descriminalização das drogas; é um bocadinho como na questão do aborto, eu não sou a favor, mas sim contra a penalização do aborto, porque acho que isso não resolve nada e só cria mais problemas.

Além disso, já transporta em si uma auto-sanção, para recordar aqui um debate de há uns anos, que já ficou comprovada a auto-sanção pelas sequelas que deixa. Portanto, a questão sobre a liberalização é basicamente nessa óptica. Eu prefiro que seja numa sala de chuto, do que seja num jardim onde haja crianças que vão lá e se põem em risco. Tudo isto tem de ser visto de uma forma conjugada e, naturalmente, tem de haver estruturas de apoio.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. Andreia Almeida do grupo Azul.
 
Andreia Almeida

Antes de mais, bom dia a todos. Gostaria de agradecer a presença da Dr.ª Paula Teixeira da Cruz, a exposição com que nos presenteou e também a garra com que tem defendido o sector da Justiça.

Gostaria de partilhar convosco um pensamento político do século XIX que diz assim:"Quanto à Justiça, Portugal era um país de juízes, jurisdições e alçadas. Se a isto adicionarmos a multiplicidade de recursos, de delonga e delongas, incertezas de foros contenciosos, crescidas despesas, perdas de tempo, olharemos em resultado que o povo português pagava a esta gente uma contribuição enorme.”

A perplexidade que este pensamento nos transmite suscita aos nossos olhos a difícil resolução dos problemas com que se debate o sector da Justiça. A minha pergunta é a seguinte: a realidade que assiste a este sector é de facto tão dura quanto se fala? Como se coaduna com anos e anos de reformas peculiares que pouco ou nada alteraram o sistema?

Obrigada.

 
Paula Teixeira da Cruz

Não vou dizer que temos um bom sistema, mas também não temos um sistema tão mau como o pintam. O nosso sistema tem disfuncionalidades que já aqui apontei, mas está longe de ser dos maus sistemas por assim dizer e há até matérias em que somos referenciados.

Portanto, não vamos fazer uma coisa que gostamos muito de fazer que é: somos maus em tudo, os piores do Mundo; depois saímos daqui e somos os melhores do Mundo.

Muito do que se diz aí é verdade, mantém-se actual: leis morosas e tribunais sem estarem especializados. Se eu quiser explicar a um estrangeiro que eu tenho neste momento na organização judiciária, sem entrar na especializada, uma pequena instância criminal, uma média instância criminal, uma pequena instância cível, uma média instância cível, ele fica a olhar para mim sem entender nada; ninguém consegue perceber. E depois digo: olhe, dentro destas ainda há as varas e depois nas médias há os juízos, é evidente que ninguém percebe isto.

Portanto, continua nessa acepção a ser um país de varas e de jurisdições, é verdade e é exactamente esta simplificação que é necessário introduzir e que eu espero que em Novembro tenhamos introduzido e aprovado. Porque há uma reforma que não me cansarei de debater até à náusea, porque terá de ser debatida até à náusea, é demasiado importante para que não seja e essa simplificação vai-se tornar muito clara, têm todos os projectos disponíveis no portal do Governo.

Há alguns que já estão publicados: as Custas, a arbitragem, revitalizar, portaria, etc., e os outros estão no portal do Governo.

 
Duarte Marques
Muito obrigado. Segue-se o João Martins do grupo Encarnado.
 
João Gabriel Martins

Bom dia a todos. Queria cumprimentar a mesa e agradecer à nossa convidada, a senhora Ministra Paula Teixeira da Cruz, a intervenção que fez.

O interior do país deveria merecer discussão nacional, contudo verificamos que existe falta de solidariedade social. Em todas as campanhas o Interior é bandeira; quando é que o Governo se debruça realmente sobre este tema? Notamos, ainda, através dos nossos colegas líderes das várias concelhias da JSD do Interior que o Governo ao tirar os serviços de Estados, quer seja de Saúde, Justiça, ou outros, as populações do Interior estão a ficar desmotivadas e chegam mesmo a questionar o apoio ao partido do Governo no qual depositaram o seu voto.

Sendo eu um dos representantes da JSD de Vila Real, uma das que está sediada no Interior, quais as medidas que podemos tomar nós, jovens das JSD do Interior, para que quem já confiou no Governo volte a ganhar ânimo e volte a confiar?

Obrigado.

 
Paula Teixeira da Cruz

Eu é que agradeço a pergunta, tive a oportunidade de dizer que ao contrário da leitura que foi feita – deixem-me falar-vos com toda a franqueza: de que é que serve um edifício onde está um oficial de Justiça e onde vai um juiz de três em três semanas? O processo está na secretaria, quanto tempo é que ele teve para o ver. Que Justiça é esta?

[MUITO BEM! APLAUSOS]

E o juiz tem de saber tudo. Quero dizer, são os processos mais atrasados, são as populações que menos utilizam, etc. Percebo que isto seja um óptimo instrumento de guerrilha política:"vão fechar tribunais”. Nós não vamos fechar tribunais, o que vamos fazer é levar as especialidades para as capitais de distrito onde vão haver extensões judiciais e a pessoa pode praticar ali todos os actos para todas as especialidades.

Porque é que as pessoas do Interior – deixem-me pôr a coisa ao contrário – se hão-de bastar com uma Justiça genérica, ocasional e o Litoral tem tudo especializado? Nós vamos levar as especializações para o Interior. Não está lá o tribunal, a pessoa está com o microfone e está a ser objecto de uma vídeo-conferência, a prova é tão fiel ou mais do que aquela que é produzida pessoalmente. Até porque se vêem melhor as expressões, etc., isso é uma discussão que nos levava muito longe, há quem coloque algumas questões sobre essa matéria. Nós vamos fazer exactamente o contrário do que estão a dizer; não é fechar tribunais, é ter uma grande secretaria em todo aquele distrito e depois há vários pontos a partir dos quais a pessoa pode saber tudo sobre os seus processos, mesmo os especializados, mesmo os que estão em Lisboa no STJ.

De resto, é uma coisa curiosa, fiquei espantadíssima que nem o Tribunal Constitucional, nem o Supremo Tribunal de Justiça, têm sistemas informáticos que sejam compatíveis com os outros. Temos que fazer uma Justiça real e não deixar fazer de conta, adoramos fazer de conta: querem deixar a palavra Tribunal, podem deixar à vontade; é verdade, é uma parte da secretaria do tribunal.

Mas, não me venham dizer que isso é tirar pessoas e investimento do Interior, porque eu respondo, embora a resposta da senhora autarca tivesse sentido contrário, em Trás-os-Montes é verdade, perdeu 50% da população, mas estão lá os mesmos tribunais desde o tempo da D. Maria. Portanto, não são os tribunais a causa, como se nota pelo desenvolvimento dos concelhos que não têm tribunal, que são 76 e onde não se faz justiça por mãos próprias, nem as pessoas deixaram de ter acesso à Justiça, nem coisa nenhuma.

Agora, vamos lá todos querer uma Justiça simples, desformalizada, atempada, com responsabilidade de todos os operadores judiciários; isso é que é, para mim, importante, deixar isso tudo e deixar uma Justiça Penal que não permita expedientes dilatórios, nem duas categorias de cidadãos. E deixar no contencioso administrativo a possibilidade de se o Estado errou, condenou, condenou; enfim, códigos de condutas para várias profissões e no âmbito da administração.

Ficaria muito feliz se conseguisse concluir isto que vos acabo de dizer. Está quase tudo, falta o contencioso administrativo, falta a aprovação das medidas que acabei de vos falar, no Parlamento, e para o ano faltará também o contencioso administrativo e a reforma global do Processo Penal.

Vamos nos empenhar e tenho a certeza que vamos todos fazer desta oportunidade que é uma oportunidade trágica, uma oportunidade, ou seja, uma derrota de uma vitória.

Obrigada.

[APLAUSOS]